domingo, 19 de outubro de 2008

Se eu tivesse um culto...

Totem e Tabu não é, e nunca foi reconhecido, como uma teoria antropológica séria. E eu, pessoalmente, não vejo um porquê para ser. Assim como o Édipo freudiano (do qual Lacan falava que era o "mito do Ocidente"), Totem e Tabu é melhor visto como uma peça imaginativa, um mitologema, uma historinha freudiana - embora talvez sintamos que Freud queria a validez de sua teoria. Whatever.

O que ele nos escreve em Totem e Tabu é o seguinte: a civilização nasce, neste momento "mítico", quando os filhos matam o Pai. O Pai, uma espécie de alpha male "violento e ciumento", tinha todas as mulheres para si. Detinha todo o gozo, lacanamente falando. Era mais forte que cada um dos seus filhos, que expulsava tão logo cresciam. Um dia os filhos reúnem-se ensemble e matam o Pai; canibais que eram, comeram a carne do Pai, de quem tanto invejavam quanto temiam - duas coisas que andam sempre juntas - e "adquirem" parte de sua força. Aí nasce o totem: o animal sagrado que deve ser caçado e comido apenas em um momento específico. Tabu contra incesto e a Lei (entre "iguais") seguem depois. Etc.

Freud retorna um argumento semelhante, e ainda mais interessante, no seu Moisés e o monoteísmo, anos mais tarde, perto da morte. Ele diz que Moisés acabou sendo morto pelos israelitas, e que o judaísmo seria uma espécie de decorrência desta culpa. Vá ler, se quer mais do que as minhas palavras toscas.

Relembro a todos os meus leitores cultos, que certamente leram toda a gesammelte werke freudiana, esta obra singela, para pontuar algo que, cada vez que leio, vejo e escuto mais, mais eu percebo: que os cultos apocalípticos em sua maioria não têm nenhuma criatividade intrínseca, pois repetem todos o tema da horda primeva, sem o assassinato.

O guru, o apóstolo, o mestre, o filho de D'us, é sempre um homem que consegue pegar todas as mulheres, restringindo aos demais homens o acesso a elas. Praticamente sempre. Mesmo se um culto desses não suprime a sexualidade - e a maioria o fazem - o mestre ascenso ou afins encontra uma maneira de convencer a todo(a)s que, além de acreditar em suas alucinações e devaneios evidentes, há de se dormir com ele. E nada de laços fortes familiares no grupo.

É uma coisa engraçada. Eu, se um dia tiver um culto, vou inventar outra história. Mas daí talvez não funcione.

A título de vizualização, um documentário recente sobre um culto norte-americano. (Há uma espécie de resumo do documentário, procurem nos linques e talvez achem.)


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Anos e anos atrás li um livro chamado Sugar Blues. O título, em português, é inglês mesmo. William Dufty - também adepto da macrobiótica e o que a Wikipedia chama de ativista nutricional - faz um relato nervoso da história do açúcar no ocidente - lembra-me Galeano em suas veias abertas da América Latina -, e alerta com relação ao consumo - que ele considera excessivo - de açúcar.

Eu achei digno. Digo, o livro. Tirando as idéias mais radicais - que eu não vou dar o prazer de dar-lhes de bandeja assim - os argumentos são válidos e o livro é bem divertido. É preciso dar apenas uma colher de chá de confiança na confiança do autor nas teorias macrobióticas e quetais.

Eu, por meu lado, tive a minha experiência macrobiótica anos atrás e descobri o óbvio. O óbvio que a minha gurua alimentar, Sonia Hirsch, também descobriu. O óbvio que são conceitos pragmáticos e verificáveis, estes da "macrobiótica". Tente e verifique. E depois volte a comer um pouco de tudo.

Então eu dei uma colher de chá de confiança. E valeu a pena.

A história do açúcar é paradigmática. Assim como a nossa história recente será - eu tenho absoluta certeza - metaforizada e pensada a partir do "lixo", num futuro qualquer, a história do ocidente moderno anda e andou lado a lado com o açúcar, num ritmo cada vez mais crescente desde a "topação" do Novo Mundo e a colonização posterior. Em poucas palavras, de luxo para poucos passou a mercadoria extremamente barata para quase todos. O preço do açúcar, não é uma loucura? Baratérrimo. E ainda tem gente que reclama.

Soa triste aos meus ouvidos, porém, a história que ouvi recentemente, de um documentário brasileiro recém-produzido: a da mulher que, por falta de comida melhor, alimentava seus filhos com água e açúcar durante alguns dias. Tinha alguns que ela podia dar coisa melhor, um arrozinho ou feijão. Muita gente deve passar por isto. Não é de admirar que as crianças tinham dor nos dentes.

Alguns talvez até pensem: mas uai, água com açúcar, deve ser bom, afinal açúcar é glicose, carboidrato, energia. É isso sim, mas somente isto, e nada mais. Dufty enfatiza exatamente isto: o açúcar branco, refinado, puro, é o ponto final de uma cadeia que começa ou com a cana-de-açúcar ou beterraba, passando pelos melados, pelos açúcares não-refinados e enfim terminando com o açúcar branco. Ele o compara com a heroína - também um pó branco altamente refinado do suco da papoula, e também para reforçar a imagem do açúcar como "droga".

Suspendamos a imagem por aqui, porém. Pensemos somente que aquele delicioso caldo de cana que eu tenho a sorte de poder tomar, nas tardes de verão no Mercado Público, foi tirado da cana ainda verdinha e fresca, cheia de outras coisas além de glicose: sais minerais e vitaminas. Os caldos de cana e melados, todos sabemos, são ricos em ferro e fósforo e outras coisinhas. Estes últimos são progressivamente diminuídos, a cada degrau a mais no refino do açúcar, restando no final uma sacarose quase pura. Sacarose sem seus acompanhantes no metabolismo, acompanhantes que estariam presentes se nada fosse perdido no processo.

Eu me considero um "naturalista", quando se trata de comer. Tenho em mente que comer, além de ser gostoso e tudo o mais, é uma relação orgânica primal, uma das mais antigas na natureza. Antes mesmo de ver, comíamos. Antes mesmo de pensar, comíamos. Quer dizer, uma estrutura/servivo/whatever retirava de outra estrutura/servivo/whatever o que fosse preciso para renovar esta estrutura. Absorver. Metabolizar. Tirar dali para pôr aqui. Trocas tróficas. Interdependência pura. O que significa ser "naturalista", neste sentido?

Significa pensar que temos uma história de metabolismo, como organismos, nós primatas pelados; pensar que a nossa história alimentar tá ligadinha ali com o que somos hoje. E que há maneiras de comer que não só são mais eficientes, mas que também provocam mudanças no metabolismo e podem mexer com coisas tão diversas como o humor ou o pensamento. Bem, nem são tão diversas assim.

O tripé da alimentação brasileira, nas zonas urbanas, é composto por carboidratos complexos refinados (massas, farinha branca), gorduras e açúcar. Proteínas também estão presentes, mas muita gente simplesmente não tem dinheiro para comer carnes e leguminosas com frequência. Poucas fibras e minerais e vitaminas - mesmo que a farinha seja vitaminada, hoje em dia. Eu sei, eu sei que estou falando como um nutricionista, e vou então concluir de uma vez: não me admira que a obesidade esteja crescendo cada vez mais, juntamente com a diabetes tipo 2, em menor escala. E, ironicamente, não necessariamente nas classes que alimentam-se melhor, mas nas classes média-baixa e baixa. A obesidade não é mais coisa de gente rica. É verdadeiramente democrática.

Mas não só a obesidade. Também o humor. Também uma certa forma de vitalidade ao comer bem. Um dieta crônica, "engordativa", com altos teores de açúcar e uma certa baixa metabólica nos oligoelementos - gostasse dessa, não? - tem tudo para deixar uma pessoa mais cansada, mais mal-humorada. Mas aqui eu já extrapolo, embora não sem razão.

Na época dos grandes césares, não existia o açúcar refinado. Tampouco o chocolate. Nos triclínios, no máximo, o mel e os melados tirados de árvores davam a sua presença. Coisas mais caras que R$ 1,99 o quilo. Gerações passaram a léguas de doçuras diárias. A doçura foi, durante muito tempo, um sonho; o paraíso era cheio de frutas dulcíssimas; o mel exsudava de flores melífluas, e todos podiam fartar-se deste dulçor. O bebês nascem gostando do sabor doce, e nisto encontram seu gosto embalado pelo leve doce do leite materno.

Hoje o paraíso fica mais do lado da heroína, para muitos.

"Se você encontra mel, coma apenas o suficiente, para não ficar enjoado e vomitar." (Provérbios, 25:16)

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Things People Say

Things people say contém algumas coisas hilárias. A parte mais bizarra é a que contém trechos de "inglês estrangeiro"; eu me mijo de rir lendo e relendo muitos deles.

Our staffs are always here waiting for you to patronize them.

Destaque para estas instruções duma forma para gelo.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Por que as pessoas dão esmolas para cegos e aleijados, mas não para um filósofo?

Diógenes: Elas sabem que um dia podem ficar cegas ou aleijadas, mas jamais pensam que terão uma filosofia (but they never dream they will take up a philosophy).

rá rá rá rá rá rá rá rá


sábado, 4 de outubro de 2008

Prelúdio a uma conversa sobre religião

50 anos atrás aprendia-se latim na escolas normais, e Regina - uma das personagens intrutoras dos manuais - cantava o Hino Nacional, ao mesmo tempo que mirava a cruz do Salvador - em latim.

Audierunt Ypirangae ripae placidae / heroicae gentis validum clamorem...

Depois ela viajava com seu Pai, nas férias de verão, e talvez se despedisse com um amém, não saberia dizer. Muito louvada diligência sua é.

Era uma menina muito virtuosa, e talvez até mesmo cívica.

Hoje, o tempora! o mores! quem aprende latim na escola? Ninguém. Mas para quê, não é mesmo, se depois do Concílio Vaticano pelos idos dos 60 a missa deixa de ter partes em latim? Ora pois.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Beezahr

Mais de dois anos atrás comecei um blog no WordPress.

Chamava-se "Just to Type It", e eu pretendia escrever um pouco de inglês a cada dia, para treinar.

O segundo post chamava "Kittens I", onde eu falava de gatinhos. Ei-lo:

Kittens are small, furry animals that usually live in the dark streets. They appear to you at night, meouwing like the little poor beasts they are, and you get so touched by these cute creatures, that in the end they go to live in your house to grow up to fat cats. Before that, though, they can be put in the palm of your hand. Their fur is soft like a baby's hair, and you can, then, imagine why some people pay a lot to get their hands (or shoulders, or armpits, I really don't want to know where) in dead corpses' fur.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Minha Mente Mecânica

Eu fico acima de 99 porcento das pessoas em um teste. Um teste de raciocínio mecânico. Pasmem. No teste de raciocínio verbal, eu que acreditava ter uma mente feminina à beça, fico na média levemente superiora, acima de 64 porcento das pessoas.

Claro que eu discordei do teste de raciocínio verbal. Como eles querem uma única alternativa para algo que poderia ter mais de uma interpretação? Tsc. Acho que a minha mente é mais feminina do que qualquer teste jamais possa verificar.

***

Uma idéia de intervenção artística, para aqueles que a queiram roubar (alguém há de querer).

Poemas ou pedaços de prosa ou letras de música seriam sentidos na pele, através de uma tecnologia que posso imaginar (mas tenho preguiça de descrever), transcritos para o alfabeto fonológico da Internacional de Fonologia - aquelas maravilhosas letrinhas, muitas vezes esquisitas, que pode encontrar-se dos lados das palavras em muitos dicionários.

Não se esqueça de fornecer opções vegetarianas na vernissage.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Trabalheira

Eu vou chorar, eu vou resmungar, eu vou morder, eu vou morrer, mas eu acho que não conseguirei ser um escritor mediano do jeito que as coisas vão.

Sabem? Eu tenho medo de tudo, praticamente. Estou tendo. Qualquer coisinha me dá um calafriozinho esquisito dorsal nos braços e no peito, um nhéc-nhéc esquisito que tem a ver com agarrar, com pegar, com sangue nas mãos. Os macacaquinhos têm aquele reflexo de agarrar nos pêlos das mães, pois não? Pois sim, acho que macaquinho também. Embora sonhe em não ter que fazer mais nada do que escrever - e escrever é um pouco além de sentar na frente de um teclado e digitar, com ou sem caneca de café, depende da modalidade de culpa química no momento - eu me preocupo em ser o Lucas Silva e Silva. Em vez de o ser, porém, efetivamente e realmente.

Sendo-o, quem sabe nada disso levantaria poeira. Acho que transformarei em minha tese pessoal: nada quando acontece é pior do que parece. Tenho esta necessidade de provar isto para mim mesmo, de a à z.

Minha tese, porém, se refletirmos um pouquinho que seja nela, vai pelos dois caminhos. Tem o que acontece e parece pior antes, e tem o que acontece e realmente é muito pior do que quando você imaginava.

Então... estamos todos de acordo que no fim eu vou ter que catalogar todas as coisas que aconteceram, acontecem ou acontecerão, de acordo com os dois critérios acima? Isso sim é que é uma trabalheira. Quem precisa ser escritor com tamanho trabalho pela frente?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Algumas palavras

Confesso: fui um idiota até o presente momento.

Como passei grande parte dos meus anos de consciência sem me angustiar tanto, sem perder a esperança, sem sentir esta vontade de morte que me tomou recentemente? Uma resposta seca: pensando que muitas das coisas que aconteciam com os outros não aconteceriam comigo.

Sempre tive esta confiança arraigada, embora sutil, de que as coisas "ruins" aconteciam com as pessoas por uma espécie de erro subjetivo. Todas as moléstias que afligem-nos cotidianamente, depressões, loucuras, paixões, todas eram vistas por mim como uma coisa facilmente remediável. Não posso dizer como, exatamente. Talvez tenha vergonha de dizê-lo. As pessoas "de boa" não teriam estes problemas. Seriam desequilíbrios, ou qualquer coisa do tipo. Em termos "naturais", tais coisas eram exceções, exageros.

Talvez possa ser assim. Como saber?

Mas eu sabia que certas coisas não poderiam acontecer comigo. Era sempre coisas que aconteciam com os outros, e não aconteceriam comigo. Isso dá uma espécie de tranquilidade, não? Nada mais tranquilizador de que tomar esta posição imparcial, um tanto de fora, de onde se pode olhar e simplesmente constatar.

E ir correr na Beiramar.

Até que alguma coisa abalou esta certeza subjetiva, esta certa imortalidade do meu eu. E passei, como de praxe, para o lado contrário.

Um dos antigos estóicos dizia: eu sou humano e nada do que é humano me é estranho. Quando algo acontecer a mim, quando for preso, quando estiver sofrendo as dores de algo, não posso dizer que era uma surpresa.

Queria ser um estóico, ao menos por uns momentos.

Pois agora sinto este excesso de humanidade. Tudo o que acontece com os outros pode acontecer comigo. Algumas coisas acontecerão de certeza, outras são probabilidades. Mas, de modo potencial, tudo pode acontecer, e de certo modo tudo já aconteceu.

Depois do suicídio do meu amigo, recente, numa conversa com um amigo eu dizia não ter mais certeza de que "as coisas acabam com a morte". Deve ter soado uma declaração um tanto esotérica. Mas, de certo modo, parece-me um tanto assim. Todas as vidas humanas passam por aqui. Algo acaba.

Existe um assassino, um estuprador, um ladrão, em mim. Modo de dizer. Todas estas coisas estão em mim. Poderia ser. Não queria colocar um peso moral nisto, mas é terrificante perceber que talvez não dá mais pra distanciar-se tanto das coisas que olhamos e que nos arrepiam de pavor. As coisas que preferiríamos deixar do lado de fora de casa, e nos proteger com unhas e dentes.

Pois, de certo modo, eu talvez tivesse um pouco de razão: em termos naturais todas as paixões e loucuras e ideais sejam uma desnaturalidade. Um desequilíbrio. Mas afinal, onde é senão com a "morte", com a entropia, que um equilíbrio seria atingido?

Blindness

And oh, I forgot to tell you.

Vi "Blindness" ontem de noite. "Ensaio sobre a cegueira", um dos títulos mais curiosos, ao meu ver. Um livro que mergulha fundo em questões humanas, beirando o escatológico, ser chamado de "ensaio" - um ensaio sempre reserva uma distância intelectual - é uma pitada de sarcasmo.

Pensem em um livro de temática semelhante, como "O Senhor das Moscas", do Golding.

Li o "Ensaio" com mais ou menos 16, 17 anos. Um dos livros mais marcantes. Escrevi dezenas de páginas depois dele. Fui tomado por ele. Emprestei-o para alguém e ele sumiu. Saramago, que recentemente começou a escrever em um blog, com seu estilo cursivo e contínuo que me cativa e me marca, produz uma obra prima não em sua criatividade, mas em sua veemência.

Assistam ao filme e conversemos depois.

Where ignorance is bliss,

'tis folly to be wise.

Pequeno refrão, se não me engano tomado dos poetas transcendentalistas ingleses circa 1700. Preguiça de googlear, e para quê?

A questão: ignorância pode ser fonte de tranquilidade, de felicidade. Saber é cruel. É uma tolice querer saber. Então.

Pergunta em aberto. Importante para mim, pois até o momento tenho escolhido ir pelo caminho do saber. Saber não no sentido de um conhecimento filosófico ou científico, mas uma verdade, para se dizer assim, de mim mesmo. O que tem se mostrado, ultimamente, uma merda.

A vontade que tenho é de virar camponês, esquecer tudo, fortalecer os músculos, passar um pouco de fome, preocupar-me com coisas mais concretas; coisas mais triviais, do meu ponto de vista, pois elas estão praticamente dadas, pelo momento.

Em termos figurativos, ir morar em um kibutz e pronto. Uma coisa assim que poderia ser salutar.

Mas então, este sentimento de, kibutzeando ou não, as coisas acabariam me perseguindo, este saber encontraria um meio de aparecer novamente e ficar me perguntando? Por que isto?

"Então, Lucas", enquanto eu escavo um pouco de terra seca para enxertar alguns pezinhos de raiz-forte, "será que você esqueceu de mim?", pergunta a pergunta. E eu vou dormir com esta coisa enxertada em mim.

Isto acontece. Em retiros e tal. Sou sempre o último a dormir. Começo a imaginar que certas perguntas continuam pressionando até encontrar uma resposta satisfatória - ou então até a desconstrução da pergunta.

Mas enfim. Quem disse que isto é somente um mal? Ninguém. Mas tem um certo precinho a ser pago, uma espécie de mal-estar que a maioria dos meios que possuo pode somente aliviar um pouquinho. Sejam cigarros ou remédios ou conversas.

sábado, 13 de setembro de 2008

Mais uma do Orwell

Down and Out in Paris and London, um livro magnífico que li de uma sentada na tela do computador (sim, é cansativo).

Para você, caro jovem classe média, com medo da vida e da pobreza, não tema mais! Orwell, em uma andança juvenil, passa fome em Paris, antes de trabalhar como plongeur, e vira vagabundo em Londres, com direito a uma abortada invectiva homossexual.

Bem, passar fome e virar vagabundo - de uma maneira digna, para se dizer assim - é uma experiência que facilmente pode ser fonte de uma história, sem muitos segredos. O mesmo vale para Orwell. O livro é bem escrito, com detalhes interessantes e um estilo de narrativa que antecipa, em parte, 1984.

Uma das coisas que mais me chama a atenção, sendo eu mesmo um jovem classe média que tem medo da vida e da pobreza, é esta tal de resiliência, esta capacidade de suportar situações extremas. Os medos antecipados são sempre piores do que a situação em si. Um exemplo? Imagine-se sendo atropelado por um carro. Horrível, não? Deve ser pavoroso e dolorido. Pois bem, na minha experiência não o foi exatamente assim. O pavor vem somente depois, assim como a dor.

É com uma advertência semelhante que Orwell começa sua obra: quando o cinto aperta, não é o medo e a preocupação excessivas que batem à porta.

É ou não é ou não é? É!!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Orwell Diaries

O diário de George Orwell - escrito entre 1938 e 1942 - será publicado em "tempo (i)real". Exatamente 70 anos depois.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

How soon is too soon?


Not soon enough. Laboratory tests over the last few years have proven that babies who start drinking soda during that early formative period have a much higher chance of gaining acceptance and "fitting in" during those awkward pre-teen and teen years. So, do yourself a favor. Do your child a favor. Start them on a stric regimen of sodas and other sugary carbonated beverages right now, for a lifetime of guaranteed happiness.

O mais cedo possível. Nos últimos anos, testes de laboratório têm demonstrado que bebês que começam a beber refrigerantes durante o período inicial de formação têm uma chance maior de serem aceitos e se "encaixarem", nos complicados anos da adolescência, e antes. Então, faça um favor a si mesma. Faça um favor ao seu filho. Coloque-os em uma dieta estrita de refrigerantes e outras bebidas gasosas doces agora mesmo, para uma vida de felicidade garantida.


(não garanto a veracidade...)

O RLY?


Finally, in what seemed to me a startling detour, she [Madonna] asked whether I believed in death. I answered somewhat bleakly that I did. When I turned the question back on her, she announced that she didn’t because she believed in the concept of reincarnation as taught by the Kabbalah Center. “The thought of eternal life appeals to me,” she told me, as though she were trying on a new outfit in front of a mirror. “I don’t think people’s energy just disappears.” I wasn’t sure what she meant by this — whether Madonna believed in a concrete form of reincarnation whereby she would return to earth as herself, all blond ambition and strenuously toned body, or in the more abstract concept of gilgul neshamot. But it made eminent sense that her link to the center would be based on something more than an altruistic vision of egoless self-betterment and earthly bliss, which is the message she conveys in her statements and songs. When I asked her why she hadn’t stuck with Catholicism, which incorporates belief in an afterlife, she snapped in reply: “There’s nothing consoling about being Catholic. They’re all just laws and prohibitions. They don’t help me negotiate the world.”

http://www.nytimes.com/2008/04/13/magazine/13kabbalah-t.html?scp=8&sq=&st=nyt

terça-feira, 19 de agosto de 2008


Encontrado em um site qualquer.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Para Casa

Existe um estranho sentimento que floresce em determinadas estações interiores: este de as coisas acontecerem na época em que elas têm que acontecer. Tem gente que o poderia chamar de sincronicidade - eu não ligo. Livros que caem na minha mão, pessoas que conheço - tudo que possa portar um conteúdo, significados. Tem horas em que tudo anda como anda - sofregamente, mas com um pouco de lubrificante aqui e ali - e tem horas em que tudo assume este aspecto sinistríssimo de um pathos desconhecido.

O que qualquer um que tenha uma aproximação mínima com a loucura como ela é pode sacar: a loucura, trata-se disto, elevado à potências nevrálgicas.

Passei por experiências castradoras recentemente. Ainda mantenho os meus dois colhões, para a felicidade da minha voz de barítono e do meu futuro amoroso; entendam experiências castradoras como experiências de perda, de frustração, de privação.

Antes - ainda - amar e demais quetais que esta palavrinha pode conter - não vou muito longe, sei do fastio geral sobre este tipo de histórias.

Este ano, meu irmãozinho-a-ser, tão bem esperado e cuidado, morre no dia em que nasceria, por descuido médico. Aqui sentimos o suave absurdo que encompassa os verbos "nascer" e "morrer".
Recentemente quase morro, morreria numa linha temporal imaginária onde potentes antibióticos não existiriam. Sinto uma dor excruciante e temo: eis que isto é viver, supurar um órgão aparentemente sem uso, com dores atrozes, e ficar cada vez mais sonolento até dormir ad aeternum (o cirurgião passa pelas macas no corredor e me vê sonolento: para a sala de cirurgia este garoto, depressa).

Um amigo - um trekker do mesmo caminho - suicida-se estes dias. Missa de sétimo dia, hoje. Existe um buraco com forma de Fulano no universo. Deixa de herança, entre outras coisas, uma pergunta, que não quer calar.

Acabo de voltar de São Paulo. Chego em casa depois de dar uma volta no centro com Jão, que passou três dias por lá - eu uns 10 - na designosa quitinete do Will. Meu gato me recepciona à maneira dos gatos: efusivamente no início, algo que pode confundir-se com demanda insatisfeita de algo com que os gatos nunca estão satisfeitos, então contorce-se em cima do meu colo e ronrona, forçando meu dedos a roçar diversas partes do focinho e pescoço. Depois brigamos de mentirinha - ele morde cada vez mais forte, preciso fazer com que ele veja que estamos brincando, e só - e então corre para a comida.

São Paulo, a metrópole que eu amo odiar, ou odeio amar. Poucos meses desde a última vez em que lá estive, e sinto tantas diferenças em mim. Cansaço. Ansiedade. A cidade se abre um pouco mais, a cada vez que lá apareço; mas aquilo é algo diferente, eu sou um turista. Um estranho recepcionado como turista, e a cada momento Sampa me dirige a palavra, nos seus turbilhões de gente, sons e esquinas: se vieres para cá, conhecerás o que é uma metrópole.

Eu, que ultimamente tenho pensando tudo em termos de lixo, no meio do lixo. Acompanho o lixo com os olhares, dos olhos e da alma: temo pelo lixo, absorvo um pouco do lixo. Homens, cidades, metrópoles erguem-se por cima do lixo, e eu olhando para ele. Algumas pessoas são lixo; outras cobrem-se de lixo.

Civilização é: sabermos o que fazer com o nosso lixo. Quanto melhor a resposta a isto, maior a civilização e a paz de espírito de seus condenados. Eu tenho esta idéia de que poderíamos jogar todo o nosso lixo no sol, começando pelo atômico. Ia ser uma solução boa, tirando o custo astronômico, mas nos coloca em um problema ético, se podemos dizer que o universo comporta a ética, assim como as quatro forças fundamentais: estaremos tirando da Terra para jogar no Sol. Nada se perde, em termos energéticos, mas vendo desta forma talvez o lixo seja importante, e consigo imaginar um futuro em que tentaremos preservar não o ambiente, mas o nosso lixo.

Mas enfim, deixo para os futuros conterrâneos que pensem nos seus problemas prementes.

Qualquer um de sensibilidade um pouco mais aguçada pode perceber: não estou preocupado com o ambiente, o destino dos imigrantes, riqueza e pobreza, com as experiências de perda per se. Preocupo-me com isto pois tudo isto, de uma maneira assombrosa, me faz temer por mim mesmo. Angustio-me? Por mim. E estou angustiado, ah como estou angustiado. Se antes, o jovem deus prometéico que eu prometia ser, esperando pela Coisa garantida, pouco temia, agora algo rui e eu tremo de medo, relegado à mais simples neurose. Comprei a minha mortalidade carimbada e ganho mais angústia. Não digo, não posso dizer, que a barganha é sempre esta, mas comigo tem sido assim e nem mesmo sei se voltaria a ser aquele belo deus.

Vejo, porém, que as certezas - as certezas que temos em nossas vidas, a certeza de que "seremos" felizes ou infelizes assim ou assado, estas certezas que estão por trás de qualquer angústia - podem ser mortais. As certezas podem ser mortais, e disto eu não tenho certeza: eu sei.

É quando estas pequenas coisas das quais falava no começo, estas pequenobscenidades, começam a juntar-se e a sugerir uma ordem de certeza, esta pequena porta dos fundos para a mansão dita "loucura", que podemos sacar que as certezas podem ser mortais. Nenhum juízo de valor atachado a isto. Sabemos, porém, que as certezas podem ser mortais.

Isto foi sussurrado no ônibus, de volta para casa.

Prova de que as certezas podem ser mortais? É justamente por causa delas que as pessoas se matam, ou deixam matar.

Na festa da Nossa Senhora de Achiropita, comemos beringelas recheadas, antepastos, fogazzas e uma deliciosa polenta. Na cantina italiana próxima de casa, um carbonara, entradinha de sardela e demais petisquetes. Reportagem para um folhetim diário nos concede passagem por dois restaurantes chineses: um pra encher, outro pra degustar - refrescante sopa de vinagre. Queijos. Vinhos. Pães. Pessoas, muitas, nas ruas; cultura, livros, falação. Tudo o que se oferece na vida como civilização - ou melhor, como excesso de civilização. O excesso caracteriza um turista, o excesso caracteriza algumas pessoas. Há quem se especialize no excesso, outras na privação. Muitos confortam-se no meio termo. Quem sustenta a casa? Não sei.

Em Floripa o ar está fresco e há árvores nas ruas. As calçadas estão relativamente limpas. A maioria das pessoas têm casacos nos ombros. Ah. Todos sonhamos com um mundo melhor, e a maioria de nós faz suas apostas neste sentido. Sinto um terror, pequeno e contido, porém terror, ao me deparar com um cuidado que chamo de feminino, por faltar palavras. O cuidado, a vontade de preservar, de cuidar de algo infante, imberbe, de algo que pode passar por um pedaço de carne, ou cuidar de um pedaço de tecido, ou de uma história. De preservar, de curar, de fazer com que cresça; não só maternidade, não o que dá vida, mas o que a preserva. Para preservar, algo cai fora, de maduro.

Pobreza no meio da fartura. Ah, mas que pobreza irremediável, esta.

Qual a sua relação com a loucura? Dizem que uma análise com Lacan começou com esta pergunta. Muito, muito pertinente; uma elegante pergunta de gênio - e de cuidado.

sábado, 31 de maio de 2008

Demonstração

Os sonhos neuromânticos retornam a assombrar a casa paterna.

Afinal, de que mais podemos falar uns aos outros, se não através de deliciosos aparelhos e aparatos? O sintetizador, invenção tipicamente ocidental e sécula víntica, toma o lugar da nossa produção textual-musical. Cultuamos o sintetizador; não em suas pequenas peças de plástico e madeira. Vemos o sintetizador, que sintetiza em si madeira e plástico: que digitaliza o som, que demonstra que o que antes era características de materiais concretos e visíveis - conchas, sapatos, cordas de crina de cavalo, pinos, sinetes, gatos pardos - agora pertence a um reino hipernatural, um reino gótico de ondas de alcance máximo, de arrepios eletrônicos no velho deus-demônio cartesiano.

Supernatural, de über não podemos mais, todos os über estão head-over-feet.

Quem teme os amantes da música eletrônica?

O divã freudiano na discoteca; sonhos onanistas com o pé da mesa, ou passos surdos na lama de uma rave chuvosa?

Ó, o pai que se torna mais surdo, mais mudo, mais múltiplo. Pequenos pais, pais a serem olhados na distância de um horizonte de eventos cada vez mais distante e somente-no-futuro; o nachträglich aponta não mais somente para antes, mas para o depois do antes.

Então... não cultuamos o sintetizador. Temos nos espelhos em que nos vemos um pequeno chamuscado para qual não temos nome, e não costumamos nos perguntar, na cálida frigidez da música e dos protocolos antiquados já na porta de entrada, que apesar disto sucedem-se em uma rapidez de epiléptico - temos nestes espelhos borrões verdes de ferrugem, maquiagens de espelhos; olha, os espelhos também estão maquiados.

sábado, 8 de março de 2008

Moisés no Daime

Não consigo entender a indignação das pessoas perante proposições como a seguinte: Moisés, considerado o principal profeta da religião judaica, pode ter ingerido uma substância semelhante à ayhuasca, conhecida no Brasil como chá do Daime.

Qual o problema? "Uma ofensa contra a religião"? Ah, por favor. Moisés não comia, não cagava, não respirava? O psicólogo acima propõe uma teoria que pode ter um fundo de verdade, ou não - esta linha de pesquisa que poderíamos chamar de estudos sobre religião e etnomicologia. Já foi proposto que o vedismo antigo nasceu do culto do soma, que pode ser um cogumelo; outro propõe que os antigos Mistérios gregos tinham como base uma bebida que continha alcalóides do esporão do centeio; essas propostas todas, o que há de tão desrespeitoso nelas?

Afinal, como um professor me disse: o fígado é o mesmo para todos.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Arte e vida, vida e arte?

Em poucas palavras: no ano passado um artista costa-riquenho, Guillermo Vargas "Habacuc", pegou um cachorro vira-lata das ruas e amarrou-o em um canto de uma exposição artística, perto de uma parede onde se encontrava escrito, com ração de cachorro, a frase "és o que lês". O cachorro, sem água e sem comida, morreu de inanição.

Alguns outros detalhes podem ser lidos aqui. E um pequeno videozinho para incitar emoções.

Certo ou errado? Sádico perverso ou artista militante? Cegos ou tolos? O que você acha?

Moralmente acho condenável, e artisticamente acho tolo e irresponsável. Se o objetivo do Guillermo era suscitar discussões, fazer pensar e refletir sobre determinada ocasião - seja a morte da Natividad ou a morte da bezerra - ele poderia suscitar isto, como milhares de outras pessoas fizeram antes, sem ter que matar um cachorro de fome.

E a Bienal de Honduras de 2008 pede que ele faça a mesma performance. Daí já é demais. Quantos cachorros vamos ter de matar?

Devo agradecê-lo, contudo, Guillermo, por proporcionar-me uma das cenas mais difíceis de tirar da cabeça: as pessoas discutindo - arte? - lá no salão, enquanto o cachorro esfomeava. O carinha fumando o cigarro deu o toque especial. Alguém manda a foto pra ele colocar na parede da sala, por favor?

E, contudo, eu também faço parte de tudo isto. Consigo colocar-me no lugar do moço do cigarro com mais facilidade que a minha consciência me permitiria.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Adeus, Pedrinho

Meu (meio) irmão nasceu natimorto, nesta madrugada. Ainda não temos certeza o que foi que aconteceu, mas tudo indica que se trata de anóxia intra-uterina - o que saiu no atestado de óbito. Um carinha grande, 3 quilos e meio, bonitinho; eu que esperava uma cara de joelho fiquei surpreso com os belos traços neotênicos. Estava tudo bem encaminhado, no prazo certo, pronto para um parto natural... e hoje de manhã acordo com os choros de minha irmã...

O que me dói mais não é a morte de meu irmãozinho, Pedro; é ver a Tati, mulher de meu pai. Ah, isso doeu. Ah, isso me faz chorar. Para mim o pequeno Pedro não sofreu, nem se sabia Pedro; entristece é ver tanta expectativa, tanta esperança, frustrados. Dói muito para quem está vivo, e não para quem está morto.

O olhar de uma mãe que perdeu o filho desejado é de cortar o coração.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Ti odio, zifio!

A ator que fez Brokeback Mountain morreu, estes dias, em infelizes circunstâncias. De acordo com o folheto do lado, ele agora está no Inferno, começando a cumprir sua Sentença Eterna.

"Heath Ledger pensou que era muito divertido desafiar Deus Todo-Poderoso e sua Palavra, a saber: Deus Odeia as Bichas e os Apoiadores das Bichas. Ergo [adorei este pequeno toque de retórica latina] Deus odeia o balde de lama suja e sórdida, temperado com vômito, conhecido como Brokeback Mountain - ele também odeia todas as pessoas que tem qualquer coisa a ver com isto."

Enfim, o recado é: Deus não está no melhor dos dias e odeia, odeia muito tudo isso. Reunamo-nos em prece para que Deus possa sair do seu pequeno histerismo - afinal, quem não odeia de vez em quando?

Deus também deve odiar a internet, já que todos os endereços devem ser escritos em minúsculas, e todos nós sabemos como Deus Gosta de Falar em Maiúsculas.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Blue within Blue


Um dos poucos mamíferos inferiores a viver em uma atmosfera saturada de melange, este gato mostra a típica coloração azul intensa característica dos consumidores da afamada substância. A tonalidade demonstra uma concentração de pequena a média; concentrações maiores provocam o "azul dentro do azul", um azul escuro profundo que pode ser confundido com preto.

A figura acima, um raro vislumbre do amba-saia-dor Grumi Tumi de Begela, indica uma dieta saturada de melange, o que coloca em relevância a atual idade de Tumi - 155 anos - e as somas exorbitantes gastas em importar a cara mercadoria.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Ói o livro do Eça

Depois de um mergulho desejado e forçado - que luta contra as incessantes ondas da rotina, que ameaçam engolfar todo projeto dissidente! - na literatura de língua inglesa, meu retorno para o português dá-se com surpresa e delícia. Não querendo ler O Primo Basílio - confesso-o, nunca o li - por temer um romance demasiado burguês, ao menos em sua ambientação, escolho A Relíquia, do mesmo autor, Eça de Queiroz. Li o tal em um dia e uma noite. Além de um português portugaico delicioso... que deliciosa ironia, que maravilha despretensão! Deixo a curiosidade de um leitor passante, dos poucos que acampam por aqui, para ir atrás da história. Só posso adiantar que a camisola de Maria Madalena entra no jogo.

De qualquer forma, porém, tão burguês quanto. Acho que vou acabar encontrando O Primo mesmo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Ahmad Jamal, "Poinciana"

sábado, 5 de janeiro de 2008

Sick to death of cleverness

I'm sick to death of cleverness. Everybody is clever nowadays. You can't go anywhere without meeting clever people. The thing has become an absolute public nuisance. I wish to goodness we had a few fools left.

Oscar Wilde, em The Importance of Being Earnest

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

"Samba da Rosana" & "Sambaqui"

Lisiane Voiceless Rodrigues disponibilizou o ainda-não famoso Samba da Rosana aqui, e Sambaqui aqui, no site do RadarCultura.

Os ouvintes podem votar nas músicas, devidamente acompanhados de um cadastro rápido no site. O que acontece com os mais votados? Bem, não sei.

A Liz é uma das vozes que me acompanham durante anos... além de uma boa amiga. Tive o prazer de cantar em conjunto com ela, anos atrás; e agora ela vai ter o desprazer de cantar em conjunto comigo. O convite foi dela, contudo.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Retrospectiva 2007?

Eu só quero parar de contar os anos; isso é tudo.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Ficção (?) Científica (!)

Estou imerso novamente naquilo que um amigo definiu como "esta sua sanha por sci-fi".

Sci-fi, pronunciado issái-fái, é a abreviatura de science fiction, e não deve ser confundido com Issai-fai, também pronunciado com dois ditongos, que é "o termo antigo, usado pelas exuberantes culturas terrestres, para descrever uma área específica dos estudos sagrados: aquela da previsão."

Meu grande parceiro de estudos e relicário do conhecimento humano, Wikipedia, me diz que há diversos tipos de sci-fi: soft sci-fi, social sci-fi, fantasy-fi, hard sci-fi, bareback sci-fi. Também acrescento aqui a sci, que pode ser uma fi; a fi, que pode ser sci; a não sci; a não fi; a não-sci-mas-fi; a nem-fi-mas-sci; e a nem-sci-nem-fi.

Também acrescento os romances Júlia, Sabrina e Bianca, que são fantasiosos em sua perspectiva de que o amor existe e pode ser encontrado no seu parceiro de trabalho ou estudos, ou num cara másculo e viril, embora inteligente e sensível, ou numa viagem barata para uma ilha mediterrânea.


Enfim. A sci-fi (sem itálicos a partir de agora) bordeja, corteja, casa e pede divórcio com a ficção de fantasia, seja ela capa-e-espada ou sword-and-planet. Não é surpreendente, assim, que quando eu falo que gosto de sci-fi algumas pessoas têm a impressão que gosto de ler aqueles contos horrendos de monstros alienígenas.

Até mesmo, porém, o grosso da produção de sci-fi dedica-se a uma coisa tão chata e tão horrenda quanto monstros anfíbios das cavernas marcianas de Marte: o que pode ser mais chato e horrendo do que espinhentos nerds fanáticos por tecnologia masturbando-se com delírios de apoteoses tecnológicas? Eu não posso imaginar nada mais horrendo que isto, tirando a fome, o sofrimento and the thousand natural shocks that flesh is heir to. Eu acharia horripilante uma literatura que se circunscrevesse a relatar como uma casa, uma bolsa, um pão poderiam ser feitos de maneira muito melhor, muito mais eficiente, muito mais potente e, acima de tudo, failure-proof. E como isso seria o pináculo da evolução humana.

Pois então, não tratemos sci-fi como fantasia. Sci-fi é a literatura que, de certa forma, brinca com os possíveis trazidos por uma coisa que pode ser chamada de "ciência", ou "conhecimento". Alguns textos chegam a ser secos, por parecerem mais um tratado de futurologia do que outra coisa. Sci-fi, sendo literatura, precisa ir um pouco além disto: precisa, além de dar vontade de ler, ter aquela coisa, a qualidade que os trabalhos de literatura têm, por piores que sejam.

Toda literatura lida com possíveis; toda literatura se trata, em parte, de uma experimentação. Mesmo que não acrescentássemos nada, nenhuma novidade, mesmo que pegássemos este meu dia, este meu cotidiano, sem nada tirar ou pôr, mesmo assim, se escrevêssemos sobre ele, estaríamos experimentando, lidando com possíveis. Fosse lidando com os possíveis de um sujeito, fictício, de uma situação, fictícia, de um "quadro", fictício... ou mesmo lidando com os possíveis da linguagem.

Assim a sci-fi não é a única a lidar com possíveis, e creio que ela, ao trazer possíveis da ciência, por exemplo, é mais alegórica no uso destes possíveis. Como? A perspectiva de um primeiro contato com uma civilização extraterrestre, as reações humanas, mudanças culturais... não precisáriamos ir para o futuro possível, se temos eventos semelhantes no nosso passado, como por exemplo a navegação dos séculos XV e XVI. A analogia, certamente, exaure-se rápido. A sci-fi tem a vantagem de contar com coisas ainda mais estranhas, misteriosas e desconhecidas.

Grosso modo costuma-se dividir a issai... ops, a sci-fi em duas categorias: hard e soft sci-fi. Os nomes, herança da década de 50, referem-se nada mais a que sci está envolvido no meio da história. As hard sciences, nem precisamos nos perguntar quais são; as soft sciences, berço de agradáveis conversas em cafés, discussões intermináveis sobre gênero, experimentações subjetivas, criticismo literário. Ou assim se vê: fifties total. Mazenfim, a hard sci-fi lida com possibilidades reais e duras da física, da química, da biologia, destes afins. A soft softeia mais nos amorosos rincões da sociologia, antropologia, psicologia; onde, enfim, eu me sinto mais à vontade.

Não é preciso dizer, porém, que a melhor de todas é aquela que lida com as duas, obviamente. O nome é só uma questão de onde apostar mais as suas fichas.

Gosto de sci-fi pois ela lida com coisas que podem ser. Exercícios imaginativos são sempre bem-vindos, e em realidade a melhor definição de escritor é, justamente, aquele que não só imagina pessoas e "mundos", mas escreve sobre eles. Evitem, porém, de comentar isso em voz alta perto de um. A fantasia, contudo, tem um porém, que de tão libertador chega a ser opressor: na fantasia tudo é possível, e numa redução ao infinito tudo é possível de forma fortuita. Quer coisa mais sem graça do que isto? Prefiro aquilo que pode ser possível e tem limites. Afinal, tudo o que é possível ao infinito tem uma curva logarítmica inversa para o clichê, para o kitsch.

Estava lendo, terminando de ler, Do androids dream of electric sheep?, o livro de Philip Dick que inspirou o filme Blade Runner. Mas este é para o próximo poste. De certa forma, continua...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A importância de um sesshin

Perguntar-se sobre a importância de um sesshin, para aqueles que o fazem, fizeram ou farão, é uma das questões que soa desnecessária, até mesmo retórica. Um sesshin é importante; por que, de outra forma, as pessoas deslocariam-se de longe para passar dias e dias sentados no zafu? Eu, contudo, peguei-me fazendo esta pergunta, inspirado pela lembrança das minhas dores, dramas e desistências.

Há várias coisas das quais sentimos a diferença somente depois que elas acabam. Engana-se quem acha que, findo um evento, findas as suas repercussões. Durante um sesshin podemos sentir e vivenciar várias coisas, todos nós o sabemos. É somente, porém, quando voltamos para casa, quando voltamos para a nossa rotina, que vemos coisas novas desenrolarem-se – algo que talvez estava lá antes mesmo da viagem.

Uma das importâncias óbvias de um sesshin é o simples fato de que os praticantes reunidos ajudam a manter a prática uns dos outros. Podemos passar a admirar a coragem de Sidarta em sentar-se em zazen sozinho, sem professor, preceptor ou colegas, depois que vemos o quão fracos somos se não praticamos com outros. Não precisamos evocar forças ou energias: a simples pressão social de não abandonar uma sessão de zazen faz maravilhas – eu teria escapado muito, muito antes do terceiro dia.

Importante, também, praticar, neste caso, do lado de um roshi , e de pessoas que praticam o zazen por anos e décadas.

Importante ter a oportunidade – devido a um tempo planejado de prática intensiva – de aprofundar-se no zazen, de poder descobrir estados ainda não conhecidos, de poder ir um pouco mais longe que a prática cotidiana nos permite.

Tudo isto, enfim, importante. Valioso.

Mas há outra coisa importante que desejo deixar para falar aqui: importante é fazer um sesshin, com todas as suas importâncias – e desimportâncias – para ter esta experiência e voltar para as nossas vidas.

Como dizia antes, há coisas das quais o peso delas cai depois: seja fazer sentido depois, seja cair a ficha depois, seja simplesmente revestir-se de outras vivências, depois. Para ser sincero, não tinha muita certeza de porque eu fazia o tal sesshin – ah, por causa do rakussu, uma península de orgulho (o lado bom do orgulho, nos faz fazer coisas que não faríamos com pretensa humildade), para não decepcionar a mim mesmo e aos outros, por uma sede de saber, por um desejo inominável, para pura e simplesmente praticar. Ah, miríades de razões. Mas não tinha certeza e, acima de tudo, nos momentos mais desesperados, para a pergunta "por que você não vai embora?", eu só sabia dizer, depois de um certo tempo: "eu não sei". Prometia a mim mesmo que iria até o final do dia e então, somente de noite, iria ver se ia embora ou não. Cada dia acabava em si mesmo: cada dia um novo dia, nova prática. Cada novo momento. Apesar das várias coisas, apesar das dores e delícias, apesar do rakussu para terminar, apesar dos transeuntes noturnos de São Paulo, apesar do delicioso nabo amarelo, íamos somente indo, fazendo zazen na hora do zazen. Apesar dos diversos pensamentos e distrações.

É agora que, então, olhando para lá, para a semana passada, me pergunto: como foi possível? E não é que aconteceu? Aconteceu. Ao mesmo tempo que pode parecer um sonho, ter um toque de irreal, tem a realidade das coisas não-sonhadas.

O valioso de um sesshin é ter a experiência da prática viva, presente, como um marco. Esta prática constante, este breve período em que nos permitimos e permitimos aos outros que praticassem com mais afinco, ecoará dias e semanas e meses depois, nos lembrando da nossa prática. Mesmo que sentemos muito pouco, mesmo que esqueçamos temporariamente do zazen, mesmo que o ritmo de nossas vidas exija outras prioridades, a experiência está "lá", podemos (tentar) voltar a qualquer momento e nos servir dela.

Qual experiência?

Dogen usava uma expressão interessante para referir-se à prática: prática-esclarecimento, ou prática-iluminação. A prática é iluminação, iluminação é prática; uma não difere da outra. Dizer, porém, que elas são "uma mesma coisa", só que "duas faces de uma mesma moeda" é perder a experiência com palavras: mesmo dizer do Um é perdê-lo irremediavelmente como Um. As palavras vêm, necessariamente, depois, e têm o seu gosto peculiar, muitas vezes saboroso; mas a prática, porém, está além das palavras, não no sentido que as negue.

Zazen é negar nada e afirmar nada. Se tivesse eu feito um esforço para "livrar-me" de todos os impedimentos, de todas as distrações, de todos os "venenos" durante o sesshin, isto não seria zazen: isto seria eu fazendo esforço para livrar-me de impedimentos, distrações e "venenos". Na maior parte do tempo, era isto que fazia: lutando com a dor ou tentando agüenta-la, pensando em desistir e depois arrependendo-me de pensar em desistir. Mas, embora isto não seja o zazen, isto é zazen: eis a nossa vida, eis a nossa prática. Nada de especial, de excepcional, no sentido de que antes mesmo que pudéssemos falar enquanto praticamos ela está lá. É simples, não é? Todos nós o sabemos. Simples mesmo em sua tremenda dificuldade.

"Nadem quanto queiram, os peixes não encontram um fim no mar; voem quanto queiram, os pássaros não encontram um fim no céu." Dogen Zenji.


Afinal, quando falamos de prática, sobre quem estamos falando?

Agora mesmo eu falo de importante e não-importante, de valioso, de prática e iluminação e vida, como se fossem coisas ou separadas ou excepcionais. É uma maneira de falar, uma maneira de passar algo – que eu espero que agrade a uns e sirva a todos.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Bigville

Pontualmente sete dias atrás em que, sozinho no apartamento de um amigo em São Paulo, aumentava um pouco mais a temperatura do meu corpo. Febre durante três horas. Depois, passou.

Às três da manhã daquele domingo havia terminado o rohatsu sesshin do Busshinji.

Willian, o meu amigo, agora mora com Silas. Depois de perceber que dormir na casa deles - pessoas com hábitos noturnos e trabalhos demandantes - iria ser mais difícil que imaginava, tendo que acordar às cinco da manhã, a solução perfeita aparece do nada: o antigo apartamento do Silas estava vago, e ainda não havia passado de mãos. Ah, não tem colchão, nem travesseiro, nada; só livros pelo chão. Não importa. Mudei-me. E que bela vista da metrópole!

Agora eu vejo as dezenas de tonalidades de luzes diferentes, nas janelinhas que pareciam todas iguais. Que cintilamento cromático! No canto inferior esquerdo, a igreja da Consolação, do lado da praça Roosevelt, cujos sinos tocavam músicas românticas desconhecidas no meio do dia. A avenida Consolação subindo, em direção à Paulista.

Esta outra, um pouco desfocada, mais um pouco para o lado direito. Mais cores. Bonito de ver... a vista da grande cidade espraiando-se. Chegou-me a notícia que o grande prédio à esquerda é, praticamente, ocupado por travestis e drag queens. Uma torre só delas. O da direita, de vastos retângulos iluminados, era o famoso antigo hotel Hilton, agora esquecidamente abandonado e carcomido pelo tempo sem mãos humanas.

Era delicioso e muito instrutivo andar nas ruas de Sampa no comecinho da manhã, indo, e de noite, voltando.

Sobre o Rô, depois, talvez.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O que o mundo come

O livro Hungry Planet, de Peter Menzel, retrata - literalmente - algumas famílias ao redor do mundo, com a comida consumida por eles em uma semana - e o gasto disto em dólares.

Dê uma conferida.

Convite

COLIGAÇÃO AGNÓSTICA CONVIDA

...

(calma, meu caro amigo ou amiga. Não, não se preocupe; não se trata de nenhum movimento idealista, ou religioso, ou crítico que almeja criticar algo de criticável em qualquer rincão sócioantropocultural. Salvemos nossos fôlegos preciosos para outras coisas. Coligação Agnóstica é somente um nome difícil - e os nomes difíceis sempre chamam mais a atenção - para "grupo que não sabe". Não sabe do quê, do que não se sabe? Ora, não sabe o que fará na virada, na passagem, no reveillon; aquela comemoração civil em que festeja-se a mudança de um ano, no calendário gregoriano, para outro. Promessas são feitas, deseja-se um devir melhor para todos - a começar por mim mesmo, evidentemente - e até mesmo jubileus privados são celebrados em nossas ardentes piras internas. Vide Mircea Eliade, O mito do eterno retorno, para conferir o como a idéia não é nova.)

...

Uma constatação é feita: dezenas e dezenas de pessoas não sabem o que fazer na virada. Isto é maravilhoso. Pessoas que não sabem o que fazer na virada de ano, reunidas, sabem ainda menos do que uma só. Assim, convido a todos os interessados a participar da Coligação Agnóstica que entrem em contato com o autor do presente documento para reunir-se, enfim, à massa daqueles que ainda não sabem - pelo menos onde passar o reveillon.

sábado, 8 de dezembro de 2007

One Art

ONE ART
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent

to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:

places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.


I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

---Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident

the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

-- Elizabeth Bishop

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Drummond

(....)
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.

Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Confidência do Itabirano,
Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Também não morto

Mas este blog, como visto, anda um tanto largado às traças.

Tem me faltado o desejo e a vontade de escrever.

Mas não penso que fique por aqui. Gosto dele.

Até breve...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Site de línguas

Voltei de viagem... da qual falo mais tarde.

Minha irmã apresentou-me um site interessante, para aqueles que curtem aprender línguas:

www.mangolanguages.com

O método é parecido com o Pimsleur, é gratuito, pelo menos no começo, e parece ser de ajuda.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Uma piranha?


Tenho de dar os créditos sinceros deste fenomenal glimpse da vida selvagem: Mariana, minha irmã, flagrou uma arara provando da nossa mais famosa delicacy ocidental. Manaus, Tiwa Resort, em agosto deste ano. Mais fotos? Eu coloquei aqui. E sinto muito, mas não há piranha alguma.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Obituários

Eu acompanhei o drama. Claro que, com nossa idade, e eu falo daqueles que têm menos de um quarto de século, os dramas desenrolam-se, muitas vezes, em questões de dias ou semanas. Mas, enfim, acompanhei. Acompanhei de longe a vontade de picar a mula, de sair do buraco, de tentar outra coisa. Will escreve, nos últimos dois meses, o obituário da Folha de São Paulo, o que nos deu motivos para piadas irônicas e afins. No último domingo o ombudsman da Folha escreveu sobre o obitário do jornal, e "é um guri de 23 anos o talentoso redator do obituário da Folha. Willian Vieira cursou jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina. Na sua opinião, o 'New York Times' é 'modelo indiscutível para o gênero."

Confesso que comecei a ler os obituários somente depois que o Will começou a escrevê-los... e confesso também que interessa-me; não sei se devo ao texto dele, com suas pitadas, ou ao obituário em si.

Agora Will é o "guri talentoso" na redação. E, segundo o ombudsman, daqui a pouco, com paciência, terá o seu apelido de escritor de obituários, como é de praxe com os outros tantos, em outros jornais - "Senhor Má Notícia", ou "Boa Morte"...

domingo, 28 de outubro de 2007

A Parábola do Homem que Queimou o Dicionário de Grego Clássico

- Duvido que você encontre nike aí neste dicionário velho.
- E por que não haveria de encontrar? Estas palavras todas já estavam mortas quando o cara fez o dicionário.
Os dois estavam sentados em uma mesa de um café, com um dicionário de grego clássico, de capa azul, com um valor de três casas decimais de reais, escrito por um padre, e cheio de palavras gregas clássicas.
- Aposto mesmo.
- Claro que tem, mané. Maluco. Imagina só, nike ainda, podia apostar coisa melhor do que nike.
Namorados, um feio e um chato; um metido a helenista, o outro a hedonista, e no meio disto tudo, ninguém sabe de onde, juntos por mais de meio ano. Por uma lenta osmose, as características mais insignificantes de cada um tornaram um certo tipo de meio-termo indefinido de casal; o principal, porém, era que um continuava feio e o outro, chato.
- E se não tivesse? O que você faria.
- Rá, se não tivesse só restaria mesmo jogar fora uma merda de dicionário tão ruim assim.
- Deixa eu dar uma olhada.
E abriu no nu. Nu, iota, kappa... e nada. Nada de nike, nada.
- Olha, não tem.
- Ah, é? Fala sério. Deixa eu ver.
E viu, e viu que faltava justamente a tal da página. Nenhuma farpinha ou restinho de papel, prova amadora de que alguém havia arrancado nike do dicionário.
- Você tirou a nike fora?
- Nem. Pra que faria uma coisa desta? Vai ver que veio assim - sorrindo marotamente.
Pra bem ou pra mal, o helenista era honesto. Aposta era aposta - e o dicionário de grego clássico queimou num domingo de outono, num quintal de subúrbio.

Homenagem ao póstumo OCI; texto escrito em junho de 2004

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Kyosaku


Um dos detalhezinhos peculiares do zen é o kyosaku.

Kyosaku é o "bastão da compaixão"; um pedaço de madeira longo, reto e plano, uma espécie de palito de sorvete gigante.

Em ocasiões de prática de zazen mais intensivas, como retiros, o kyosaku entra em cena e assusta muita gente. Ele é usado aplicando-se dois golpes rápidos e fortes (dependendo da musculatura da pessoa) em cada um dos lados; no ombro, nos músculos das costas, dependendo do que a pessoa pedir. O estalo, para não se dizer outra coisa, pode chegar a ser alto (pá PÁ... pá PÁ...) Estes golpes são uma excelente ajuda para relaxar os músculos cansados e doloridos do zazen, e/ou para despertar um pouco uma cabeça um tanto sonolenta.

Qualquer um que pegue o kyosaku em mãos pode ver que, para machucar, ele precisa ser aplicado em outras partes do corpo, ou em ângulos diferentes dos usados. Acho que um golpe de kyosaku na cabeça não seria nada compassivo...

Tem uma historinha de um mestre zen famoso, da era moderna, que era atacado pelo cara que carregava o kyosaku: ele sempre levava na cabeça, ou de forma errada. Um dia ele cansou-se e meteu pau no outro monge, e foi expulso do mosteiro.

Via num site, aqui, uma opinião de uma mulher, que dizia que o kyosaku lembrava a palmatória que era usada no colégio de freiras, que aquilo não a agradava... outra, que a imagem de uma pessoa batendo na outra não condizia com a prática, "tão pacífica", da meditação. Como sempre, só depende da intenção com a qual uma coisa é utilizada.

Encontro Ecumênico do CBB

O CBB - Colegiado Buddhista Brasileiro - fará um encontro ecumênico em São Paulo, neste dia 25 às 20hs, na sede do templo Busshinji, na Liberdade. Por quê? Aqui.

Escadinha

Da esquerda para direita, do mais alto para o mais baixo, do mestre para o graduando. Adri, mestre em psicologia, rumando para a terapia familiar sistêmica se ele decidir qual abordagem seguir, o que talvez exija mais 27 anos. Liz, a mais recente psicóloga de Florianópolis, trabalhadora pública incansável, cantora nas horas vagas. Eu, e esse vocês já conhecem.

Uma imagem tirada ao acaso na festa de formatura da Liz, dias atrás. Que maravilhosa imagem, pega de surpresa, estes meus dois queridos amigos... Surpresa também foi ter, como trilha sonora de fundo, a própria Liz cantando, com a sua voz inconfundível.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Farewell

FAREWELL

1

Desde el fondo de ti, y arrodillado,
un niño triste, como yo, nos mira.

Por esa vida que arderá en sus venas
tendrían que amarrarse nuestras vidas.

Por esas manos, hijas de tus manos,
tendrían que matar las manos mías.

Por sus ojos abiertos en la tierra
veré en los tuyos lágrimas un día.

2

Yo no lo quiero, Amada.

Para que nada nos amarre
que no nos una nada.

Ni la palabra que aromó tu boca,
ni lo que no dijeron las palabras.

Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni tus sollozos junto a la ventana.

3

(Amo el amor de los marineros
que besan y se van.
Dejan una promesa.
No vuelven nunca más.

En cada puerto una mujer espera:
los marineros besan y se van.

Una noche se acuestan con la muerte
en el lecho del mar).

4

Amor el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.

5

Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.

Pablo Neruda, 1923

Mar Português

Um dos poemas mais belos da língua portuguesa, ao meu ver; por sua brevidade, por seu ritmo, por sua coloquialidade, pela mensagem, e pelas belíssimas figuras. Esses são não os motivos para que ele seja um belo poema: ele é um belo poema, e pronto. Esqueçam, então, o dito pelo dito. Há nele um sentimento muito humano, ao qual todos os fatores unem-se para tornar-se poema simples, a ser cantarolado, distraidamente, e então...

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

gato colo; colo gato

domingo, 14 de outubro de 2007

Casamento

Adélia Prado

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como 'este foi difícil'
'prateou no ar dando rabanadas'
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos pela primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Foto de família

Que milagre é poder ver as galáxias distantes como folhas a cair, ou pequenas faíscas de massa ígnea depois que a acha está a arder-se, terminada a sua chama. Aqui acaba-se nosso senso de proporção; dizemo-nos que vivemos em um pequeno sol no meio-caminho do centro à periferia da galáxia, e num planeta deste pequeno sol, e em um ponto deste planeta, já tão imenso, apesar de pequeno, e as árvores e gatos que nos cercam e este corpo que nos cerra - e onde é que estamos, afinal, onde estou eu, eu que o pergunto? A minha pele. Grande parte da poeira de casa é pele humana, que descama-se em particulazitas discretas como galáxias. Dizemos tudo isto, mas não temos a idéia - temos apenas as palavras.

Eis duas galáxias que colidem. Talvez acontecerá o mesmo com a "nossa", em breve, poucos bilhões de anos, no máximo. Estas duas aí continuarão na mesmissíssima posição, caro leitor, quanto tu morreres em poucas décadas, até mesmo quando os teus filhos e os netos deles procurarem pelo mesmo ponto; a foto será a mesma. Mudanças ínfimas. O tempo de vida na terra talvez seja da ordem de um suspiro, se é que o vazio cósmico suspira; não o posso confirmar, contudo, imagino-o como um suspiro, talvez. Fleeting moment passing by. Se vai-se repetir tudo, ou se tudo está repetindo-se infinitamente agora; se o tempo é redondo, quadrado ou da forma de uma bala melada, se não existe ou ainda não decidiu tempar-se... isto não importa para o fato que sei de um tempo, que sei de um gato e de uma árvore, e enfim. É um milagre que possamos ver duas galáxias batendo-se como trapos na máquina de lavar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

i thank You God for most this amazing
day:for the leaping greenly spirits of trees
and a blue true dream of sky;and for everything
which is natural which is infinite which is yes

(i who have died am alive again today,
and this is the sun's birthday;this is the birth
day of life and of love and wings:and of the gay
great happening illimitably earth)

how should tasting touching hearing seeing
breathing any--lifted from the no
of allnothing--human merely being
doubt unimaginable You?

(now the ears of my ears awake and
now the eyes of my eyes are opened)

ee cummings XAIPE 1965