domingo, 1 de outubro de 2006

Olho no olho

Diz-se que estamos todos cegos, de alguma forma. Estamos cegos para quê, exatamente? Não escutamos, mas escutamos - o que escutamos? Não vemos, mas vemos - o que vemos? Não sentimos, mas sentimos - o que sentimos?

Você aí que me lê, na frente de uma tela de computador. Talvez na pressa, ainda com as costas não encostadas no espaldar; ou talvez escutando uma seleção de domingo das suas músicas mais favoritas, chateando, lendo seus interesses múltiplos e variados. É uma boa, não? Como é bom fazer as coisas de que gostamos... um daqueles dias em que sentimos a tranquilidade de uma vida bem vivida batendo de leve na janela.

Mas quem te ensinou a gostar? De onde vem isto? "Eu desenvolvi estes gostos, estas qualidades, estes planos de vida..." ou "alguns eu já os tenho desde pequeno..." ou "pode ser filogenético ou ontogenético?". Quem te ensinou a gostar? De onde vem isto?

O gostar de cada dia, a tranquilidade de uma vida bem vivida, bem oleada - como se anda sobre o fio de uma navalha a cada dia. Estar certo de estar fazendo o melhor que se pode, o melhor que se quer, de ter escolhido uma coisa boa, de onde vem isto? Como pode você estar tão certo andando sobre o fio de uma navalha?

Um leve sussurro, um estremecimento qualquer, um vento frio que passa e levanta as cortinas - um alfinete que cai no chão - uma gota de chuva na janela - o latido de um cachorro - a palavra de uma pessoa amada - uma rachadura na parede, uma rachadura na sua cara. Em cima da navalha você está, como não?

E eu?