sábado, 30 de dezembro de 2006

Merton II

"A meditação budista, sobretudo a do Zen, não procura explicar, mas sim prestar atenção, conscientizar-se, manter-se vigilante, em outras palavras: desenvolver certo tipo de conscientização que está acima e além da ilusão produzida por fórmulas verbais - ou pela excitação emocional. Ilusão em relação a quê? Ilusão quanto à apreensão do que é a meditação em si mesma. Ilusão devido à diversão e à distração no que concerne àquilo que se encontra ali mesmo: a própria conscientização."
Thomas Merton, Zen e as Aves de Rapina. Cores e negritos por Lucas

Ney

Liz deu para minha mãe, tempão atrás, a gravação do Ney Matogrosso cantando com Pedro Luis e a Parede, o álbum Vagabundo.

Excelente.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

"O Filho que Eu Quero Ter"

Disseram-me que a Bina, amiga do disseram-me (Robizito, de Guarulhos), a qual eu acho que não conheço/não sei, está grávida. E ela colocou uma letra do Toquinho e do Vinícius, aqui.

Eu não conhecia. Muito, muito linda.
Estava lendo aqui, nesta madrugada, algumas acusações que ex-devotos do tal Sai Baba fizeram.

Abuso sexual de homens jovens, encenações e truques mágicos do que seriam "materializações", uso do dinheiro das doações. Enfim.

Estas são apenas as acusações (quem quiser saber mais, googleie por David Bailey, "The Findings"). A própria organização do Sai tem sua réplica, que eu comecei a ler, mas o estilo é praticamente soporífero, em muitos casos. Eu sinceramente não tiro nenhuma conclusão.

Digo apenas que não existe coisa que me tantaliza mais do que a perfídia e a escravidão mental que muitas práticas religiosas e devocionais trazem consigo. Eu fico chocado e muito, muito revoltado com este aspecto tão presente, reatualizado a cada instante. Ou você acha que no nosso mundo "esclarecido" estas coisas não acontecem?

*****

"Pareidolia" é um tipo de ilusão ou percepção equivocada, provocada por um estímulo vago ou obscuro. A definição é do Skeptic's Dictionary. É na pareidolia que o Rorschach se baseia. O caso do rosto marciano, se trata da mesma coisa. Do olho de Deus em um pulsar. Da face de Jesus em uma nebulosa - ou em um tronco de árvore - ou em uma tortilla.

Todos nós somos tendenciosos neste sentido. Vemos faces, mais do que tudo, onde sombras e manchas estão. Vemos muita coisa. Para quê cultuar uma tortilla? Cantemos a criatividade humana, em vez disso.

*****

Fico triste. Não me vejo como um idealista. Não creio que uma humanidade error-proof seria mais feliz. Não creio que acreditar em coisas inacreditáveis deixa as pessoas infelizes. E, contudo...

Tenho de andar com um espelho do meu lado, e parar para olhar - sempre.

*****

Uma pequena aranha na minha perna, agora.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Eulogia

Que vergonha. Que vergonha.

Todos que me conhecem ou que me lêem por algum tempo passado sabem do meu variado gosto musical. Sabem do quanto eu me derreto com as interpretações divinas da Vaughan; o quanto meu coração portenho bate por uma Buenitos que não existe com Piazzolla, o quanto Mozart me comove, ou Bach me eleva às alturas.

E todos sabem da minha paixão, por assim dizer, pela museletro. E do como a minha nuca ainda se arrepia com o som do trance, do psy.

Durante muito tempo, eu curti muito o trance. Parei um pouco, no meu eterno questionamento das coisas que eu faço. Volta e meia escutava um Astrix da vida, umas das antigas do GMS, um Man with no Name, fechando com 1200 micrograms. E um pouco do Infected Mushroom, também. Mas confesso a vocês que este tipo de música, apesar de me atrair, não me chamava tanto mais assim.

Foi quando eu fui pro eletro, mas daí é uma outra história.

O principal motivo de largar um pouco o trance? Ele me cansa. Muito puxado, até mesmo para os meus ouvidos. Têm alguns que são, dá pra se ver muito bem, exclusivos de uma rave - e só numa rave mesmo pra aguentar uma coisa tão full power.

Sempre gostei um pouco do Infected, sempre. Mas, preferia outros. Não achava as suas músicas tão boas assim.

E hoje, para a minha vergonha, resolvi dar um tempo das três deles - são uma dupla israelense - que eram o meu default, o que eu escutava sempre.

Agora, humildemente, jogo cinzas por cima de mim, e rasgo as minhas vestes, em um gesto de perdão.

Pois que eu reescutei, com assombro e admiração, os dois últimos álbuns: Converting Vegetarians e IM the SuperVisor. Com assombro e admiração eu escutei o quanto os caras são bons; com assombro e admiração eu decidi, depois de ficar indiferente frente aos pedidos de pessoas próximas, vê-los em sua próxima passagem por aqui.

O último, IM the SuperVisor, é simplesmente incrível (o C.V. é meio bobinho). Não vou falar muito dele, obviamente, pois depois muitos virão pra cima de mim, falando que "nem é tão bom assim". Claro, né nega, se procuras samba sabes que não é disso que eu tou falando aqui. Mas, se é pra dizer uma coisa, eu digo: não, é o paraíso na terra; não, não é respirar fundo e ver o sol nascendo dourado e sentir amor por todas as coisas vivas e não-vivas e aquelas cujo status vivente ainda não se sabe, mas não importa; não, não são 188 bpm que vão te explodir e te fazer renascer num dos lokas hindus de flores gigantes e vacas gordas,

mas eles sabem o que fazem. Não se deixem enganar pela aparente simplicidade da música. Observem as linhas melódicas. Divirtam-se, ao menos, com a música título, que é engraçadinha.

Além da rave; além da pista de dança. Entre os dois, e além. Divirtam-se - e dêem um novo sentido para diversão, por favor.

Pois precisamos.

(Ah, o trio default era Cities of the Future, IM the SuperVisor e I Wish, esta do C.V.)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

"Este fato tem sido explorado por engenheiros contrários à engenharia reversa. Discuto um exemplo em Dennet, 1978 (p. 279):
Existe um livro sobre como detectar peças de antiquário falsificadas (que é também, inevitavelmente, um livro sobre como falsificar peças antigas) que dá este malicioso conselho para quem quiser enganar o comprador 'experiente': depois de terminada sua mesa ou seja lá o que for (tendo usado todos os meios usuais para simular idade e uso), pegue uma furadeira moderna e faça um furo na peça em algum lugar bem evidente e intrigante. O provável comprador argumentará: ninguém faria um furo tão feio sem ter um motivo (não se supõe que ele seja 'autêntico', de qualquer forma), então ele deve ter servido a algum propósito, o que significa que esta mesa foi usada na casa de alguém; como foi usada na casa de alguém, não foi feita expressamente para ser vendida neste antiquário... Portanto, é autêntica. Mesmo que esta 'conclusão' ainda deixe espaço para algumas dúvidas, o comprador estará tão ocupado sonhando com usos para aquele buraco que meses se passarão antes que as dúvidas venham à tona.

Já se disse, com que plausibilidade eu não sei, que Bobby Fischer usou a mesma estratégia para derrotar adversários no xadrez, sobretudo quando o tempo estava se esgotando: faça um movimento deliberadamente 'estranho' e observe seu adversário perder um tempo precioso tentando entender o que você fez."

Daniel Dennett, A perigosa idéia de Darwin. Rocco, 1998.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

"A montagem da pulsão é uma montagem que, de saída, se apresenta como não tendo nem pé nem cabeça - no sentido em que se fala de montagem numa colagem surrealista. Se aproximarmos os paradoxos que vimos de definir no nível do Drang ao do objeto, ao do fim da pulsão, creio que a imagem que nos vem mostraria a marcha de um dínamo acoplado na tomada de gás, de onde sai uma pena de pavão que vem fazer cócegas no ventre de uma bela mulher que lá está incluída para a beleza da coisa."

Jacques Lacan, Seminário 11 - Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.
all nearness pauses,while a star can grow

all distance breathes a final dream of bells;
perfectly outlined against afterglow
are all amazing the and peaceful hills


(not where not here but neither's blue most both)

and history immeasurably is
wealthier by a single sweet day's death:
as not imagined secrecies comprise


goldenly huge whole the upfloating moon.

Time's a strange fellow;
more he gives than takes
(and he takes all)nor any marvel finds
quite disappearance but some keener makes
losing,gaining
-love! if a world ends


more than all worlds begin to(see?)begin

E. E. Cummings

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Que estes mesmos contactos insistam e se multipliquem em torno de uma criatura única até bloqueá-la toda inteira; que cada detalhe de um corpo apresente para nós tantas significações perturbadoras como os traços de um rosto; que um único ser, em vez de inspirar-nos quando muito irritação, prazer ou aborrecimento, nos obsidie como uma melodia ou nos atormente como um problema; que esse ser passe da periferia do nosso universo ao seu centro, que se torne mais indispensável do que nós próprios, e estará realizado o admirável prodígio: assistiremos então à invasão da carne pelo espírito, e não mais um passatempo do corpo.

Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar. Tradução de Martha Calderaro. Nova Fronteira, 1980.

domingo, 10 de dezembro de 2006

Thomas Merton no seu livro, Zen e as Aves de Rapina. Trecho interessante para a discussão do provável caráter escapista das práticas religiosas.
Em ambos os casos, os 'fatos' não são apenas impessoais e objetivos: são fatos de experiência pessoal. Tanto o budismo como o cristianismo se assemelham, ao utilizarem a trama ordinária do cotidiano da existência humana como material para transformação radical da consciência. uma vez que a existência humana ordinária, cotidiana, está cheia de confusão e sofrimento, é óbvio que serão utilizadas essas duas coisas para a transformação da nossa conscientização e nosso entender, passando para além de ambos a fim de atingir a 'sabedoria' no amor. Seria grave erro supor que o budismo e o cristianismo oferecem apenas explicações em relação ao sofrimento, ou, pior, justificações e mistificações construídas sobre este fato inelutável. Pelo contrário, ambos demonstram como o sofrimento permanece inexplicável, sobretudo para aquele que tenta explicá-lo a fim de evadir-se dele, ou que pensa que a própria explicação seja uma fuga. O sofrimento não é um 'problema' como, por exemplo, algo que pudéssemos controlar de fora. O sofrimento é considerado, tanto pelo cristianismo como pelo budismo, cada um a seu modo, como fazendo parte da nossa própria identidade-ego e de nossa existência empírica. E a única coisa a fazer em relação a isso, é mergulhar de cheio em plena contradição e confusão, de maneira a ser transformado pelo que o Zen denomina 'a Grande morte' e o cristianismo declara ser 'morte e ressurreição em Cristo'.
Acceptance of not-knowing produces tremendous relief.

Winnicott

terça-feira, 5 de dezembro de 2006


Cozinha de retiro. Muitas vagens picadas, cenouras cortadas, e silêncio. Eu, logo atrás da pequena estátua de madeira.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Ciência versus Religião.

Boooooooooooooooooooom... (reboa um sino)

Ciência versus Religião.

Boooooooooooooooooooom...

Ciência versus Religião.

Boooooooooooooooooooom...

Ciência versus Religião.

Boooooooooooooooooooom...

Ciência versus Religião.

Boooooooooooooooooooom...

domingo, 1 de outubro de 2006

Olho no olho

Diz-se que estamos todos cegos, de alguma forma. Estamos cegos para quê, exatamente? Não escutamos, mas escutamos - o que escutamos? Não vemos, mas vemos - o que vemos? Não sentimos, mas sentimos - o que sentimos?

Você aí que me lê, na frente de uma tela de computador. Talvez na pressa, ainda com as costas não encostadas no espaldar; ou talvez escutando uma seleção de domingo das suas músicas mais favoritas, chateando, lendo seus interesses múltiplos e variados. É uma boa, não? Como é bom fazer as coisas de que gostamos... um daqueles dias em que sentimos a tranquilidade de uma vida bem vivida batendo de leve na janela.

Mas quem te ensinou a gostar? De onde vem isto? "Eu desenvolvi estes gostos, estas qualidades, estes planos de vida..." ou "alguns eu já os tenho desde pequeno..." ou "pode ser filogenético ou ontogenético?". Quem te ensinou a gostar? De onde vem isto?

O gostar de cada dia, a tranquilidade de uma vida bem vivida, bem oleada - como se anda sobre o fio de uma navalha a cada dia. Estar certo de estar fazendo o melhor que se pode, o melhor que se quer, de ter escolhido uma coisa boa, de onde vem isto? Como pode você estar tão certo andando sobre o fio de uma navalha?

Um leve sussurro, um estremecimento qualquer, um vento frio que passa e levanta as cortinas - um alfinete que cai no chão - uma gota de chuva na janela - o latido de um cachorro - a palavra de uma pessoa amada - uma rachadura na parede, uma rachadura na sua cara. Em cima da navalha você está, como não?

E eu?

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

Coen

Festival mundial da Paz aconteceu aqui em Floripa, dia primeiro ao dia 6 de setembro.

Hoje é feriado, dia da independência. Eu não sou patriota MESMO, pois hoje eu acordei, vi que a Terezinha não veio, mas não estranhei, de vez em quando ela não vem. Mais tarde, escuto minha mãe roncando no quarto - ela nunca deixa de ir trabalhar de manhã, mas eu não estranhei, ela teve dias complicados. Então, meio dia e meia, desci para o meu almoço habitual no "aquilo" aqui perto - rua vazia, mercadinho fechado, o restaurante fechado. Claro, é feriado.

Não participei muito do festival não. Acho muito legal e interessante a iniciativa, mas não me agrada - falando em termos de preferência pessoal, somente - o trabalho da Unipaz. Mas eu passava lá de vez em quando, descobri a mulher das trufas, a primeira estava boa, que era somente de chocolate, mas as outras que não eram somente de chocolate pareciam ser somente de chocolate com aromatizantes. Peço delicadamente para a moça das trufas se dedicar mais a este aspecto, para o nosso próximo Festival Internacional da Paz.

Que é lindo um bando de gente se reunir para falar de paz, isto é.

Mas no último dia apareci. Tive de, conhecer a monja Coen, a famosa monja Coen que não irritou a Fernanda Young ("Irritando Fernanda Young", GNT). Ouço falar da Coen faz muito tempo. Ela falou algumas palavras no festival, e mais tarde ela proferiu uma palestra na Educação Física da Udesc - "Corporeidade, Sexualidade e Espiritualidade", junto com um doutor em sexualidade humana e mais um professor de tantra yoga, que veio para o festival também.

A palestra não importa tanto, em termos de ponto de vista sobre estes três aspectos. Praticantes religiosos costumam pensar tudo em termos de reconexão, de modo que o assuntou acabou caindo para outros lados. A platéia era pequena, pequena mesmo, assim todo mundo ficou bem à vontade para falar qualquer coisa que quisesse. E eu exercitando, como sempre, a minha (in)tolerância no escutar as opiniões "idiotas" dos outros.

Confesso, tive olhos somente para a Coen. Uma mulher de cabeça raspada, próxima dos seus 60 anos, de olhos brilhantes e vívidos, de sorrisos. E diversas vozes.

Uma suave, tranquila, e baixa, que penetrava na minha cabeça e me trazia o maior enternecimento. Principalmente quando ela falava sobre o darma.

Falando sobre baratos, sobre drogas e sobre o uso masturbatório da sexualidade, Coen nos contava sobre os meninos de rua que ela costuma visitar. Que ela chega para eles e propõe que fumem um baseado, mas sem maconha, sem tabaco, sem coisa alguma. Que fechem um - e ela vai lá e fecha e eles fecham muito melhor que ela, têm mais prática - e vamos então. Puxa fundo - ar, somente ar - segura, e expira bem devagar. O que é isso? Pranayama. Ter barato com oxigênio.

Que coisa fantástica, que coisa linda a monja Coen chegar nos meninos e meninas assim, dessa forma.

Dei um abraço nela. Foi um prazer conhecê-la pessoalmente.

quinta-feira, 31 de agosto de 2006

six-branched


Eu me quedo em assombro com a simetria natural. Desculpem-me, mas eu me quedo.

É um floco de neve. Não são todos que são assim tão simétricos, contudo. A maioria deles não o são. Mas, dadas as condições necessárias, voilà.

Quem precisa de mais mandalas do que esta?

Poema para os Atos Mortos

Um texto muito interessante.

"Ainda que lhes tenhamos tanto medo, e que nos esforcemos por toda a vida a não cometê-los, são justamente nos atos errados que se abrigam as lições mais fundamentais da condição humana. Quem jamais desejou viver sua própria vida como um grande equívoco? Todos nós acalentamos o sonho de acertar, acertar sempre, e desta forma obter o máximo do mundo. Mas a existência possui mais facetas do que imaginamos, e - principalmente - não somos perfeitos. Ou, sendo mais correto, os atos humanos são forjados pelas intenções relativas, e ironicamente são justamente as certezas absolutas que dão fruto aos nossos maiores erros - não somos perfeitos porque nos achamos quase sempre certos."

(continua...)

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Il y a?

Lembrando que, para um ponto de vista psicanalítico, homens e mulheres são definidos de formas diferentes com relação à ordem simbólica - independente de sua constituição biológica/genética. Este é o ponto de vista psicanalítico. Êêê. Assim, o texto abaixo não fala somente de homens e mulheres como os portadores de pênis ou vagina.

Tendo dedicado metade de um século ao estudo do amor, do sexo e da linguagem, Lacan apareceu, no final da década de 60, com uma dessas expressões-bomba pelas quais era tão bem conhecido: "não existe a relação sexual" ("il n'y a pas de rapport sexuel").

A redação em francês é ambígua na medida em que a expressão rapports sexuels pode ser usada para simplesmente se referir ao ato sexual. Entretanto, Lacan não estava afirmando que as pessoas não tinham relações sexuais - uma alegação no mínimo ridícula; o uso da palavra rapport aqui sugere uma esfera mais "abstrata" de idéias: relação, relacionamento, proporção, razão, fração e assim por diante.

De acordo com Lacan, não há nenhuma relação direta entre homens e mulheres uma vez que são homens e mulheres. Em outras palavras, eles não "interagem" uns com os outros como homem para mulher e mulher para homem. Alguma coisa impede tais relações; algo desvia estas interações.

Existem muitas maneiras diferentes de se refletir a respeito do que tal relação - se ela existisse - poderia envolver. É possível pensar que teríamos algo parecido com uma relação entre homens e mulheres se pudéssemos defini-los em termos um do outro, digamos, como opostos, yin e yang, ou em termos de uma inversão complementar simples como atividade/passividade (o modelo de Freud, se bem que insatisfatório até para ele). É possível até mesmo associar a masculinidade a uma curva seno e a feminilidade a uma curva co-seno, uma vez que isto nos permitiria formular algo que poderíamos tomar como uma relação sexual da seguinte forma: seno(ao quadrado)x+co-seno(ao quadrado)x=1.

[Segue uma figura de um gráfico com as duas funções, com uma diferença de fase de meio pi]

A vantagem desta fórmula específica é que ela parece explicar, de forma gráfica, a descrição de Freud dos diferentes tipos de coisas que os homens e as mulheres procuram um no outro: "Têm-se a impressão de que o amor do homem e o amor da mulher psicologicamente sofrem de uma diferença de fase" (vol.XXII, p. 164). Aqui, apesar da heterogeneidade aparente das curvas masculina e feminina, apesar de seus tempos distintos, seria possível combiná-los de tal forma a torná-los um.

Mas, de acordo com Lacan, tal igualdade é impossível: nada que se pudesse qualificar como uma relação verdadeira entre os sexos pode ser falado ou escrito. Não existe nada complementar a respeito desta relação, nem existe uma relação inversa simples ou algum tipo de pararelismo entre eles. Ao contrário, cada sexo é definido separadamente com relação a um terceiro termo. Consequentemente, só existe uma não-relação, uma ausência de qualquer relação direta imaginável entre os sexos.

Lacan procura mostrar que (1) que os sexos são definidos separada e diferentemente, e (2) que seus "parceiros" não são simétricos nem sobrepostos. Os analisandos demonstram dia após dia que seus sexos biomédica/geneticamente determinados (órgãos genitais, cromossomos, etc.) podem estar em conflito com conceitos socialmente definidos de masculinidade e feminilidade e com suas escolhas de parceiros sexuais (ainda concebidas por muitas pessoas como estando baseadas nos instintos reprodutivos). Os analistas são, portanto, diariamente confrontados com a inadequação de definir a diferença sexual em termos biológicos.

Bruce Fink, O sujeito lacaniano. Jorge Zahar; 1998.

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

(Kissing, Alex Grey, 1983)

Il n'y a pas de rapport sexuel

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Unhas e estrelas

Minha irmã perdeu a unha do polegar direito, numa rave, depois que a mesma foi esmagada por uma porta de carro. Uma coisa muito feia, diga-se de passagem. Ficou preta, parecia que o dedo ia necrosar por inteiro, tomando todo o corpo dela.

A unha caiu, e ela está crescendo de novo. Hoje ela me mostrou a unha, que está cobrindo já metade da área de uma unha de polegar normal. Pode-se ver que a unha é grudada na carne, mesmo. Lembrei-me que a unha cresce da base para a extremidade, deslizando e empurrando a camada córnea acima dela. E nós vamos cortando, ou se somos indianos e queremos entrar para o Guiness deixamo-las crescerem até ficarem negras e encurvadas.

Isto me faz pensar sobre os processos vários que acontecem no nosso corpo, e dos quais sequer sentimos alguma coisa. Processos microscópicos, como o crescimento dos pêlos, das unhas, até mesmo dos membros. A tal da renovação celular - a maior parte da poeira de nossas casas é pele humana.

Olhem para o lua no céu claro, e tentem distinguir o seu movimento. Qualquer estrela, se for lua nova. A lua está lá, parada; eppur si muove.

Isto não é fantástico?

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

(Estou no lugar de um novo post que virá em breve. Por favor, sejam gentis comigo. Por mais que pareça curto ou mesmo desprezível, eu tenho sim algo a dizer. Todos os posts têm.)

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Associação Coral de Florianópolis, ontem, em sua apresentação de aniversário de 46 anos, no CIC.

Regida pelo fofo Heller, que desta vez resolveram "inovar" e fazer uma apresentação chamada Rock, juntamente com a banda Zawajus, esta que anima muitas festinhas de formatura e afins aqui pelos arrededores.

Na primeira metade do espetáculo fiquei insatisfeito: a acústica do CIC continua um tanto menos do que sempre se espera, mas as vozes das dezenas de integrantes do coral simplesmente eram apenas um murmúrio, um white noise, e se ouvia somente a bateria, o baixo, a guitarra e nem o piano do fofo Heller podia-se ouvir. Eu fiquei descontente.

Mas na segunda metade parece-me que equalizaram direito, e foi mais interessante. A interpretação da "Bohemian Rhapsody" do Queen foi muito linda: contando que eles a apresentaram ano passado, este ano ficou muito, muito melhor.

De qualquer forma, eu gostei, achei interessante, mas eu gosto de ouvir um coral ou um grupo vocal pelo o que ele é, mesmo.

Lembrei-me ontem de quando eu cantava num grupo vocal, uns quatro, três anos atrás, não me lembro. Eu não sabia (e ainda não sei) ler partitura, então o baixo cantava tudo para mim (eu era barítono), eu gravava na cabeça e mandava ver. Tenho esta boa memória musical.

Não exagero em nada ao dizer que um dos momentos mais "felizes", mais "completo", mais "banal" da minha vida foi quando, sendo uma música específica ou não, não posso lembrar, estava lá cantando de corpo e alma com todo o pessoal e uma consonância que para mim só poderia ser perfeita tomava conta. Era uma coisa linda.

O meu pequeno quinhão de voz que me cabia apoiado pelas vozes ao meu lado, reverberado, amplificado, vibrando em conjunto, até que a distinção entre a minha voz e a dos outros continua, mas importa pouco, ou de uma maneira diferente.

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Terminou hoje a gloriosa semana da SBPC que ocupou a nossa querida federal daqui.

Digo gloriosa, pois foi legal ter a minha universidade, onde passo grande parte do meu tempo ultimamente, cheia de gente de diversos lugares. As pessoas que estão visitando, que vieram de longe (Paraíba e afins, e todo o resto) estavam muito mais felizes do que o pessoal daqui. Turistas (ainda mais cientistas e protocientistas) ficam muito felizes quando estão turistando. Tiram foto de cada arbusto, de cada folha seca à luz do sol da tarde. Senhoras de vestidos grossos sentadas na grama no sol baixo das três horas da tarde.

Uma feira enorme se estendeu perto do prédio do Convivência. Barraquinhas de bugigangas e comidas e mais bugigangas, e o sempre presente cheiro de incenso. Mulheres que vieram da Bahia para vender mandalas feitas de linhas coloridas esticadas numa base de metal. Os eternos gringos que vivem de vender brincos enroladinhos, como gavinhas de uma planta patagônica.

Aproveitei e assisti quatro palestras de graça (não era difícil). A primeira com a "filósofa da corte"; escutei a expressão e, apesar de saber que neste contexto ela é ofensiva, eu gostei; Marilena Chauí, a grande maga do ensino de filosofia para aqueles que nada sabem, como eu, falando sobre utopia. Um texto muito interessante, indo de encontro a um interesse meu de grande data: as distopias literárias modernas. Dois livros que apreciei muitíssimo, e ainda aprecio, foram 1984 e Admirável mundo novo. Eu tenho esta veia para ficção científica, quando na verdade a própria FC se trata de um futurismo, e todo futurismo literário tem seu tantinho de utópico.

Enfim, uma apresentação cheia do que me pareceu de leves indiretas à situação política atual.

Conheci Peter Fry, antropólogo britânico que estuda o "homossexualismo" no Brasil já faz 35. Considerações muito, mas muito interessantes sobre a questão das "paradas gays" e a saúde pública. A Míriam estava com ele também, e falou bem da questão das diferenças entre os objetivos de grupos GLBTSRHLDKAQQ aqui no Brasil e na França.

Conheci a Mara Lago, que apesar de ser daqui e de eu ter lido textos dela, eu ainda não a conhecia. E terminei com uma palestra de um antropólogo, que parecia ser bem conhecido, brasileiro, falando sobre Gregory Bateson.

Pra quem me conhece faz tempo, sabe o quanto eu tenho uma admiração secreta por este cara, o Bateson.

Ah! Eu ia quase me esquecendo que conheci também o Gabriel Cohn, este sim conhecido por aqueles que circulam pelo meio científico, que não é o meu caso, falando sobre "interdisciplinaridade" - que foi este, aliás, o tema do encontro da SBPC este ano, interdisciplinaridade.

Para mim foi muito interessante, e de uma certa forma construtivo, ver, principalmente, todas estas discussões ao meu redor. Não sou, e não pretendo, ser "cientista", mas é neste "mundo", de discussão, que eu vivo e espero fazer a minha vida em termos profissionais.

quinta-feira, 20 de julho de 2006

Então:

Daniel Cravinhos, 25, teve que ser retirado nesta quinta-feira do plenário do 1 Tribunal do Júri de São Paulo, onde acontece o júri do caso Richthofen, durante a leitura das cartas de amor que Suzane von Richthofen, 22, escrevia para ele na época em que os dois namoravam. Em contrapartida, os apelidos, a intimidade e as promessas de amor de Suzane para Daniel arrancaram risos da platéia.

Estes risos, por quê? O que faz uma pessoa rir das palavras de amor de um réu de assassinato?

Senso de justiça?

Senso de ironia?

Negar que um casal de "assassinos" teve tais sentimentos como amor e etcs?

Achei vil. "Entendo", mas achei vil.

terça-feira, 18 de julho de 2006

Ah, o jazz.

Tem dias que só mesmo a Sarah pra estar do meu lado.

Alguém tem que fazer a estatística pra confirmar a minha impressão: as letras de jazz usam tanto o would quanto eu escuto? é would pra cá, would pra cá... it would be nice, it would be good, if i'd, if you'd.

Tem para nós, falantes do português, aquele gostinho do futuro do pretérito, este tempo tão ausente das nossas falas e tão presente nos nossos atos cotidianos: amaria, ficaria, faria, seria...

Ah, este gostinho amargo do futuro do pretérito.

terça-feira, 27 de junho de 2006

Uma fonte que, em vez de água, jorra mercúrio. Fundação Juan Miró, Barcelona.

Atualmente fechada em um compartimento de vidro, ela foi criada por Calder em tributo aos mineiros de mercúrio de Almaden. Muito tempo atrás ela era aberta, e bem em sua frente ficava o Guernica de Picasso.

Mercúrio, como sabemos, é tóxico; dizem que mergulhar o braço em mercúrio é uma experiência fantástica, devido a sua densidade, 13 vezes maior que a água (e consequentemente grande empuxo). Mas não tentem com mãos nuas, por favor.

domingo, 25 de junho de 2006

Para Vitor


Há doenças piores que as doenças

Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta cousa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.

Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 23 de junho de 2006

"What the bleep" redux

Nesta quarta-feira passada aconteceu, no auditório do centro de Educação Física e Fisioterapia da UDESC, mais uma discussão/mesa-redonda sobre o filme "Quem somos nós", o mesmo que eu critiquei algumas semanas atrás, sem o ter assistido por completo.

Nesta ocasião o filme foi exibido, antes da discussão, e eu pude ter a oportunidade de assisti-lo por completo. Olha, ele é pior do que eu pensava. Qual o sentido de pior no qual me refiro aqui? Bem, juro pra vocês que estou tentando ser crítico somente com os aspectos científicos-filosóficos do filme, mas acontece que sou jovem, eventualmente fico irritado com ele como um todo.

Passei grande parte do filme chocado, literalmente, com certa manipulação de evidências - ou, pra deixar mais claro, com certa apresentação de má evidência. Isto seria manipulação do senso crítico dos espectadores, que ficam em uma situação complicada; nada é apresentado com o seu contraponto crítico, e não se pode sair no meio do filme pra verificar se os dados apresentados ali se encontram em algum lugar decente e foram escrutinizados decentemente. E isso deve ser feito, pois o filme se apresenta como uma discussão "científica" (ou pra que servem, então, aqueles intectuais/cientistas que nelem se apresentam?); se não o fosse, e se e somente se, tudo poderia ser colocado como metáforas, opiniões pessoais, divagações sobre a sina humana, uma maneira "poética" ou "diferente" de olhar as coisas.

No final das contas, portanto, eu terminei o filme me sentindo um idiota, pois nem mesmo eu conseguia mais pensar direito. Da metade em diante eu fui bombardeado com uma tal confusão de argumentos e falas que, daí em diante, me despreocupei em tentar entender (pois criticar é uma forma de entender) e simplesmente aguentava uma cena após outra. Quer dizer, uma coisa quase hipnótica.

Algum de vocês já passou por uma situação altamente incompreensível? Como, uma figura, "conversar com um esquizofrênico"? Foi mais ou menos assim, pra mim. No final, quando a mulher ficou "curada" de sua baixa-estima ou qualquer coisa que ela tivesse ou achasse que tivesse e se começa a falar de "Gahd" (a maneira como o atlante de 35.000 anos de idade... perdão, a maneira como a mulher loira que é "canal" para este guerreiro atlante fala "god") com cenas da beleza do mundo e uma música sintetizada com graves longos...

Eu já li, vi e escutei muitas obras como esta. O porquê desta, especialmente, ter me chamado tanto a atenção? Em primeiro lugar que dois amigos meus, de faculdade, os quais considero pessoas inteligentes e críticas, assistiram o filme e me indicaram fervorosamente, por ter colocado "questões novas". Tudo bem, disso eu realmente não posso duvidar. A questão é que um deles, por exemplo, é ardente nas suas críticas contra "terapias alternativas" e em livros de auto-ajuda - uma discussão valiosíssima. Mas e este filme, então? O que ele é?

Ah, relaxa, Luquinhas... é só um filme.
:D

De qualquer forma, eu pretendo escrever um texto claro e direto sobre algumas críticas, aquelas mais palpáveis. Aceito sugestões, se alguém tiver alguma, ou qualquer outra coisa pra mandar.

quinta-feira, 22 de junho de 2006

Ócio criativo

ingrishonline.wordpress.com

É, realmente não se tem mais nada a fazer.

domingo, 18 de junho de 2006

Antinôo

Fernando Pessoa escrevia em inglês, e, para meu grande prazer, ele escreveu uma poesia chamada "Antinous".

Antinôo foi o amado - eromenos - do imperador Adriano. Adriano era dado a estes estranhos costumes helenísticos. A morte de Antinôo, aos 20 anos, porém, coloca em turbilhão o imperador;

He weeps and knows that every future age
Is looking on him out of the to-be;
His love is on a universal stage;
A thousand unborn eyes weep with his misery.
Adriano foi um dos "cinco grandes" imperadores de Roma, e a sua história me fascina.

quarta-feira, 14 de junho de 2006

Calma que eu escrevo mais em breve.

Enquanto este dia não chega, porém, porque não escrever um comentário comentando algo do seu interesse? Vamos, vai ser divertido!!

terça-feira, 6 de junho de 2006

Zazen

Hoje (ontem, que eu escrevi isto ontem de noite) foi a primeira vez que eu fui em um zendo ("templo" zen budista, ou melhor, lugar de prática zen). Zazen de 40 minutos, uma pequena cerimônia entoada, uma pequena mommy preleção do monge (o Gensho, o mesmo da palestra) e chá de hortelã. Simples assim. O povo muito cordial, mas nada de esbanjamento de sorrisos. Assuntos triviais e piadinhas discutidos em meio "coisas sérias".

O povo? Gente "normal", olhe só. :) Uma pequena and pletora de interesses e vidas, aparentemente distintas, todos sentados sobre a almofada preta, voltados para a parede. Estranho silêncio o do zazen conjunto.

E eu, o principiante. É a primeira I vez que eu pratico zazen em conjunto. Tenho uma prática prévia, mas solitária. Senti que todo o meu conhecimento "teórico" budista valia não tanto que eu acho que ele vale, no fim das contas.

Acho que rolou um estranhamento meu. Vou ter de voltar pra conferir isso direito. :)

*****

Impressionantesíssimo, vendo agora, a meditação de ontem. Fiquei com uma dor horrenda nas costas, como eu fico de vez em quando, principalmente quando eu me sento mal, e eu falo are horrenda de ruim mesmo, constante, forte. Decidi-me simplesmente sentir a dor. Senti a dor. Ela dói. Imagino que se estivesse sozinho terminaria parando pelo meio; mas eu tinha um monge zen exatamente às minhas costas.

Então a dor começou a parar de ser dor. Era apenas uma sensação. Se duvidar, ela chegou a ficar prazeirosa durante um pequeno one tempo. Impressionante, isso. A dor é somente uma sensação. Afinal, quem é que dói? :)

domingo, 4 de junho de 2006

Tirei da Wikipedia:

De acordo com estudos que determinam a habilidade da mente subconsciente em absorver mensagens subliminares, a frase subliminar "Mommy and I are one" é considerada a mensagem subliminar mais efetiva para ajudar na auto-motivação.

(...)

De acordo com Silverman e Wienberger, esta frase funciona porque "há poderosos desejos inconscientes de um estado de unicidade com 'a mãe boa da infância remota' ... e a gratificação destes desejos pode aumentar a adaptação."

Que merda é esta que eles estavam pensando?

Comecei a ver o tal do "What the bleep do we know", sendo este bleep uma forma mais educada de "fuck", se não me engano. Soube do filme através de colegas da facul, que pareceram ficar impressionados o bastante com as questões que ele levanta. Li a sinopse e achei interessante. O filme, segundo o que li, traz vários pensadores e cientistas na "velha" questão de realidade e física quântica, etc. Parecia ser interessante, e nunca é demais ver se realmente a discussão é válida.

Acontece que o filme parece ser uma grande palhaçada. Vejam vocês que, antes mesmo de assisti-lo, naturalmente eu olhei pela net, procurando discussões e opiniões. Decepcionei-me ao saber que o filme é escorraçado por todos os pensadores mais céticos, e que ele é, no final das contas, panfletagem de um culto religioso que tem uma mulher que diz encarnar um ser de 35.000 anos chamado Ramtha.

Pois bem, eu não posso criticar muito o filme pessoalmente, pois comecei a vê-lo uns 15 minutos atrás e infelizmente não posso continuar a vê-lo. Ele começa com uma animação que envolve galáxias e neurônios e pequenas partículas e múltiplas realidades, com a voz de trocentas e sete pessoas (entre elas "Ramtha") fazendo perguntas filosóficas clássicas, e falando que a quântica pode dar a resposta final, e jogos de palavras com as palavras "real" e "irreal", enfim, um aperitivo. Deixo passar, evidentemente, é divertido ficar com água na boca. Começaram, então, a falar, e eu parei exatamente na hora em que um cara, sentado em uma confortável poltrona, fala o seguinte (tomei o cuidado de ser praticamente literal): "quando o sujeito vê um objeto, uma área do cérebro se acende (no exame de PETscan); quando ele imagina, a mesma área do cérebro se acende também. Então quem vê, o cérebro ou o olho? a realidade é aquela que vemos com os olhos ou aquela que vemos com o cérebro?"

Bem, tive de parar. Se o resto do filme seguir com esta baboseira, não dá. Em primeiro lugar que o filme segue então com o mesmo tipo de questionamento, de que a "realidade externa" não precisa ser anterior à "realidade interna", de que a RI pode mudar a RE, ou seja, no final das contas, que a mente cria a realidade. Dicotomia de primário, isto.

Segundo lugar que o experimento que ele provavelmente cita deve ser da Nancy Kanwisher, em que se encontraram similaridades grandes entre as duas atividades e sua ativação cerebral, mas não exatamente equivalência. Pelo que sei parece que há um consenso, nesta área do conhecimento, de que, por mais parecidos que sejam, por mais processamento em paralelo parecido que tenham, há diferença entre os dois, perceber um objeto real, e imaginá-lo.

Esta questão do imaginado e do sentido aparece, por exemplo, na questão da sinestesia (com S, não com C!!). Um experimento que foi feito com fMRI (imageamento funcional por ressonância magnética, um dos métodos mais eficazes de determinar a ativação de áreas cerebrais) determinou que a percepção sinestésica visual é processada, no córtex cerebral, da mesma forma que uma percepção visual comum, e diferente da imaginação visual. Quer dizer, os sinestetas não imaginam, não mentem, dizendo que vêem percepções visuais "irreais" (ou seja, que nós não vemos). Ela realmente existe. Mas ela é limitada e determinada, e mesmo assim há uma diferença marcante entre uma coisa "alucinada" e uma coisa "real", e esta diferença é mais pragmática que teórica. (Ora, as pessoas não vivem tendo alucinações o tempo inteiro?) Uma percepção visual "irreal" é um fato, e levanta sim questões sobre a realidade da realidade, embora não chegue a dizer então que o "mundo interno" pode modificar o "mundo externo".

Pois este tipo de discussão é fundamental, eu creio, quando se trata de ser o mais esclarecida possível. Se se for de tratar com o problema da epistemologia, da ontologia, enfim, não vai ser a mecânica quântica que vai responder. Aliás, alguém atualmente tem a pretensão de responder? ora, seriam tantas as áreas do conhecimento aptas a dar uma contribuição a isto, por mais ínfima que seja...

Pra compensar tudo isso, estou lendo um livro que a Carmen Moré me emprestou, um tal de "É real a realidade?", do Watzlawick. Leitura linda e recomendada, um livro bom de ler; a proposta dele é que o que chamamos de realidade é resultado da comunicação. Na verdade ele não chega a defender esta tese: o estilo do livro é mais "anedótico", coloquial. Muito interessante.

E saiu, pela Companhia de Bolso, o livro do Sagan, "O mundo assombrado pelos demônios". Vou fazer uma petição pública para que este livro se torne obrigatório nas primeiras fases de todas as faculdades :)

Vou parar esta discussão, agora.

sexta-feira, 2 de junho de 2006

Ontem eu fui a uma palestra sobre zazen, aqui mesmo na UFSC, com o monge Gensho, o cara que "mestreia" o Centro Zen-Budista aqui de Floripa.

Em termos "teóricos", nada de surpreendente. Mas é inspirador ver um praticante do darma, poder conversar com ele, ver as suas respostas às mais diferentes perguntas.

E perceber que passou da hora de conhecer a sangha daqui.

Uma historinha que encontrei na página deles:

"Minha mãe tem 92 anos, sofre de Alzheimer e, atualmente, confunde todas as coisas.

Na minha família, há o hábito ancestral de pedir a benção. Mesmo sendo monge budista eu conservo esse hábito. Todas as noites, meus filhos pedem a benção antes de dormir. Mesmo aqueles que já são adultos o fazem, até por telefone. Sempre respondo 'Deus o abençoe', como faziam meu pai, minha mãe e meus avós.


Por causa da doença, minha mãe hoje troca tudo: chama-me de papai, pede-me a benção. E eu a abençôo. Às vezes, consigo que ela me chame de filho e acerte em me abençoar.

Em todas as ocasiões, quedo-me comovido, pensando que mesmo doente, ela continua a me ensinar: todos agora são seus irmãos já mortos, que para ela estão vivos; a empregada pode ser sua mãe, a quem ela beija a mão e chama de querida; os filhos são seus pais e ela é mãe e avó de todos.

Exatamente como nós deveríamos ver os outros seres."

A historinha é dele mesmo.

terça-feira, 30 de maio de 2006

Fiquei estarrecido com o acontecimento de ontem.

Segunda-feira de manhã, um belo dia talvez, a aula pré-prandial, chegando atrasado como sempre, abro a porta e encontro a sala em círculo. Penso estar na sala errada, dada a história sempre "expositiva" do professor. Mas era a minha sala, sem sombra de dúvida. Entro, encontro uma cadeira para sentar, fora do círculo; penalidade dada àqueles atrasados de segunda de manhã. Descubro que a sala está discutindo entre si um texto, que eu também não li, como é o meu costume inconsciente. Algumas regras postas, contudo: que o professor não interviria em nada, e que ninguém podia sair até que a primeira prerrogativa terminasse.

Peguei o texto de uma mesa abandonada e comecei a ler ali mesmo, enquanto algumas pessoas colocavam pontos e questões. Era um texto curto e interessante, de um assunto que me interessava, e foi muito interessante estar lendo ali o texto, junto com os (poucos, devo dizer) comentários da turma. Tudo muito interessante. Falava da "linguagem dos sentimentos" em grupos, e embora este termo esteja meio caduquinho e breguinha, ele colocava alguns pontos interessantes, e, melhor ainda, concernentes à situação que estava ocorrendo ali e naquele momento. A intenção deste exercício provavelmente era, além da discussão do texto, uma vivência mesmo das "linguagens" em jogo.

Foi um processo bem interessante. Em certos momentos algumas das poucas pessoas que estavam discutindo pediam a intervenção do professor, em termos de conceitos a ser esclarecidos, e coisa e tal. Ele se recusava e a coisa continuava. Estes pedidos começaram a ficar mais frequentes e mais "afetivos", sublinhando o papel dele como professor e estas coisas assim. No final das contas uma menina ficou realmente nervosa, praticamente com raiva. Logo depois ele parou e perguntou como nos sentimos com isto. E os comentários me impressionaram.

Quem não falou nada durante o tempo todo, uns 80 porcento da turma, continuou calado. Foi só ele liberar a turma, e faltava bastante tempo para o término da aula, que este pessoal (que eu carinhosamente chamo de "as meninas da psico") debandaram com graça e elegância, uma por uma, sem um piu ou ai. Literalmente uma por uma, e se duvidar em ordem alfabética. O restante, obnubilado por tal enxame de futuras psicólogas, continuava a discussão. Uma disse que achou chato e que ficou a aula inteira lendo um outro texto; outra, que ficou confusa e que achava que tinha sido "não-legal" da parte do professor proceder desta forma, não respondendo às suas dúvidas. Outra disse que tinha sido uma perda de tempo, e a raivosa disse que aquilo não era uma aula de verdade. Me foco aqui nas críticas, mas os que falaram de resto foram mais neutros que outra coisa. Eu só comentei que me senti totalmente de fora com a opinião da sala como um tudo, contudo, pois eu realmente tinha ficado muito contente, com a leitura e com a dinâmica.

Teve um comentário que me chamou bastante a atenção: "nós somos uma sala quieta, realmente". Não me lembro do contexto, mas enfim, eles assumem para eles mesmo esta "qualidade"? Puxa vida. Eu não sei se fiquei mais estarrecido com o desinteresse das meninas da psico ou com esta relação professor-aluno, desta relação específica com o conhecimento, destes apelos à "autoridade" sobre o assunto e até mesmo, por que não dizer, desta carência de..,. autodidatismo?

Enfim, não posso colocar isto como generalizável para a minha faculdade como um todo, mas me alegra saber que eu ajo de forma diferente.

*****

É praticamente uma aventura pessoal descobrir até onde a experiência de nossos contemporâneos e de nossos antepassados pode nos guiar em certas formas de proceder na nossa própria vida.

(Começo falando de forma geral e abstrata, mas todos aqui devem saber que falo de mim mesmo. :))

Tenho visto que a minha escolha profissional será/é marcante, em vários sentidos. Hoje eu falo do sentido da marca, da alfinetada na almofada da vida cotidiana que uma escolha de caminho sempre dá; uma escolha escolhe quem escolhe.

Se eu decido ir pro lado da psicoterapia ou mesmo, por que não, da psicanálise, qual será a relação que eu vou ter de manter com a comunidade onde estou e, mais especificamente, com a língua? É uma pergunta que eu tenho me colocado por motivos óbvios, pensativo que estou em que mudanças de lugares e afins. Eu tenho de ser um ótimo falante de uma língua, para uma prática psicoterapêutica? Ou psicanalítica, então?

O que eu tenho percebido é que a experiências dos meus contemporâneos e dos meus antepassados pode indicar perguntas, mas não caminhos. Não mais. Em realidade é o meu papel ou meu destino ou sina ou bolhinha-de-sabão trilhar as novas configurações, como todos fazem todo o tempo e acham que não fazem.

iê!

*****

Acontecimentos marcantes me fizeram lembrar da famosa frase do Sócrates, no seu julgamento.

"Uma vida não-examinada não é digna de ser vivida."

Na verdade a frase me veio (e ficou um dia inteiro) em inglês, mas digamos que esta é a tradução formal da frase, que em grego é praticamente a mesma. Eu acho uma frase aterradora e marcante.

Aliás, como eu estou falando tanto de "marca" e "marcante"! Engraçado...

*****

O veranico de maio está aí, em sua força total. Hoje eu suei toda a gordura acumulada em dias e mais dias glaciais, e então temos o último suspiro de calor antes do frio.


Agora eu tenho um aquecedor a óleo e nunca mais passarei frio... dentro do meu quarto.

terça-feira, 23 de maio de 2006

Adoro bandinhas de menininhas. De pequenas mini-punks narcísicas, de belos sorrisos raros, de olhos escuros e olhares desconfiados, de rostos lisos e brilhantes e rostos redondos e bochechas vermelhadas e maçãs do rosto salientes e cabelos pretos de ângulos retos e obtusos como uma fina placa de ébano laqueado.

Adoro como elas cantam, como se pouco se importassem, com a fina camada de atenção sublimada. Como strippers. A maneira de abraçar suas pequenas guitarras de boca, como armas que embalassem em seu colo gentil e quente e enrolado em tiras róseas.

Adoro a podre corroída misère maquiada das finas moças gentis, de amplo sorriso.

You know, like the Big Dipper.

quinta-feira, 18 de maio de 2006

Pelas termas de Caracala!!

Voltei a ser adolescente.

Estou escutando, com o maior tesão, a minha trilha sonora de meus 15-16 aninhos, radiantes aninhos, os aninhos de... bem, quem me conhece sabe que aninhos foram estes... E que trilha é esta, d'na Mareea me pergunta?

Ora, ora, quem mais que No Doubt no Tragic Kingdom?

you came in with the breeeeeeeeeeeeze, on sunday morning...
I'm sure you've changed since yesterday, without any warning

E, confesso, foi uma redescoberta legal. O No Doubt, nesta época, ainda tava brincando com a música; despretencioso (é com s ou c?) e divertido, como muitas músicas deveriam ser. É legal. Além de suas letrinhas falando de coisinhas básicas, que eu estou me sentindo o mais básico dos humanos, humano, demasiado humano, no último mês.

Pois, no resto, como diria a Moùza, they only want you when you're seventeen... when you're twenty one, you're not fun.

sexta-feira, 12 de maio de 2006

Por que a água é azul?

Sim, a água é azul, em grandes quantidades. Sim, há dias que a a água tem sua cara marrom, como na BeiraMar "poluída", ou sua cara cinza, como no mar cinzento dos elfos de Tolkien e, na expressão mais desconcertante, o mar cor-de-vinho de Homero. E tem dias que a água do seu copo não quer, de jeito nenhum, deixar de ser transparente. Aliás, a água do meu copo nunca deixou de ser transparente. Mas água em grandes quantidades é azul. É porque a água reflete o céu?

http://www.dartmouth.edu/~etrnsfer/water.htm

Eu sou fascinado pela cor azul. Eu sou fascinado pelas cores naturais. O brilho de uma esmeralda, por mais azul e profundo que seja, não substitui o azul anil intenso e extenso de um dia de outono, céu de brigadeiro. Um rubi, nas suas entranhas de fogo, não se compara ao brilho preternatural e efêmero de uma chama.

terça-feira, 9 de maio de 2006

Solaris

Solaris. Planeta. Planeta? Talvez um organismo. Um planeta coberto por um organismo; um único organismo talvez, habitando um planeta.

Um século de pesquisas, e nenhuma resposta.

Sabe-se de suas complexas estruturas, de suas revoltas manifestações mutantes, arquitetura titânica escalofobética em compostos orgânicos. Parece intencional. Parece que percebe a pequena estação flutuante, perto de sua superfície.

Um século de investigação científica, de complexa catalogação, de ansiosa especulação metafísica; um século de estudos solarianos, de volumosos volumes encardenados em couro verde, de volumosos volumes de índices aos volumosos volumes, arranjados em ordem alfabética em uma estante em órbita.

Até agora, o nosso único contato, e ainda não se sabe se estamos a contatar o nosso único contato, organismo talvez, mostruoso, uma camada de plasma, talvez pensante.
Uma pequena estação em órbita, um século de pesquisa. Um iogue cósmico? Uma inteligência planetária?

Um século de contato frustrado, um século de catalogação do que talvez possa ser inteligência - a sublime simetria matemática de suas catedrais de esponja, efêmeras! - do que talvez possam ser causalidades desconhecidas, criatividade entrópica aos engulhos, destinada a ser engolfada, um turbilhão de leis físicas em meio a um espaço apavorantemente vazio.

Kris Kelvin, psicólogo. Dezesseis meses de viagem, desce em uma pequena cápsula até a estação, recepcionado pela voz mecânica do computador. Vem para investigar o comportamento aberrante da equipe a bordo, sua falta de respostas, seu estranho silêncio. Kris deve ser um excelente cientista, para ser recomendado a tal missão; foi estudante e amigo de um dos pesquisadores, que descobre então morto, Gibarian. Suicídio. É o que lhe fala Snow, que Kelvin descobre solitário na cabinde de rádio. Snow olha-o com medo, como se não reconhecesse, como se não soubesse de quem se tratava, como se ignorasse os avisos recentes de sua chegada. Outro, Sartorius, trancado no laboratório, parece ter medo de que Kelvin veja o que, ou quem, está junto dele. O som dos passos é de criança, e a risada também.

Kelvin vê uma negra andando pelos corredores da estação. Desce para ver o corpo de Gibarian no congelador, morto na última noite, e encontra, do lado dele, cadáver, a negra estendida ao seu lado, o corpo morno, como se estivesse dormindo, em meio a um frio enregelante.

Kris começa a perguntar se ele, também, não está enlouquecendo, alucinando, por um motivo qualquer, talvez os gases tóxicos do planeta. Monta um experimento e descobre que, infelizmente, nada daquilo é delírio. E então vai dormir.

"Tirei toda a minha roupa, fiz com ela uma bola que joguei longe e deixei-me cair sobre o travesseiro. Nem mesmo me dei ao trabalho de o inflar convenientemente. Adormeci sem apagar a luz.

Quando tornei a abrir os olhos, tive a impressão de haver cochilado alguns minutos. O quarto estava banhado por uma penumbra vermelha. Fazia menos calor. Eu estava me sentindo bem, deitado, com as cobertas afastadas, inteiramente nu. A cortina só cobria metade da janela e lá, defronte de mim, ao lado da vidraça, iluminada pelo sol vermelho, havia alguém sentado. Reconheci Rheya. Usava um vestido de prata, branco, cujo tecido estava esticado no bico dos seios. Tinha as pernas cruzadas e os pés descalços. Imóvel, com os braços abertos bronzeados até os cotovelos, olhava-me por entre os cílios escuros. Rheya, com seus cabelos pretos penteados para trás. Encarei-a durante muito tempo, calmamente. Meu primeiro pensamento foi reconfortante: eu estava sonhando e consciente disso. Não obstante, preferia que ela sumisse. Fechei os olhos e tratei de varrer aquele sonho. Quando tornei a abri-los, Rheya estava sentada ao meu lado. Tinha os lábios entreabertos, como de costume, num gesto de assoviar. Mas seu olhar era sério. Lembrei-me da véspera, quando fizera aquelas especulações a respeito dos sonhos. Rheya não havia mudado desde o dia em que a vira pela última vez. Tinha, naquela época, dezenove anos. Hoje teria vinte e nove. Mas, evidentemente, os mortos não mudam, ficam eternamente jovens. Ela fixava-me com o olhar espantado de sempre. Tive vontade de atirar alguma coisa sobre ela. No entanto, apesar de se tratar de um sonho, não tive coragem - mesmo em sonho - de maltratar uma morta.

- Coitadinha! Você veio me visitar? - murmurei."

[continua aqui.]

Este livro é fantástico; esta cena é fantástica. O livro não é fantasticamente bem escrito, a história não é fantasticamente bem bolada, nem desenvolvida, mas é exatamente, para mim, este deixar pontas soltas, este silenciar-se, o grande toque de arte do Lem.

É tocante a figura de Kelvin, o cientista, o psicólogo, assumindo paradoxalmente, com uma ansiedade reconfortante, a posição de crédulo, a posição de não querer saber quem Rheya é, quem ela está sendo agora, ao mesmo tempo de achar-se podendo resgatar uma culpa do passado, através do perdão desta Rheya, Rheya esta que pode ser um símile, um fantasma, uma tentativa de comunicação do "oceano"...

É tocante a própria Rheya, ao descobrir da sua morte.

Além do resto do livro, da própria discussão sobre o oceano em si, da história cômica e trágica de mais uma interface entre o mistério da fé e do conhecimento científico, "solarística", de som e fúria, significando nada. Nada?

Este foi o livro que inspirou dois filmes, um do Tarkovsky, de 72, se não me engano, que é mais fiel ao texto do livro, mas é um tanto maçante, e o recente, de 2002, do Soderbergh, com o George Clooney, que é interessante, mas nada demais. A música deste filme, porém, de Cliff Martinez...
eu até queria que este blog tivesse sons, pois a música é fantasticamente... silenciosa. Sem palavras. Leia o livro, e ouça a música.

"O silêncio destes espaços infinitos me apavora". Pascal.

sexta-feira, 5 de maio de 2006

Seria Horácio epicurista?

[Adendo do dia seguinte, seis de maio de dois mil e seis, data do sesquicentenário do nascimento do médico vienense, forefather da psicanálise, vida doçura esperança salve salve Sigmund Freud {lê-se "fróid"}. Sim, Quinto Horácio Flaco tinha sua ampla raiz epicurista. Depois de uma estafante busca pela internet encontrei fontes fidedignas deste fato, e descobri que Epicuro falava umas coisas muito mais interessantes do que eu imaginava, e que eu sou um cara tão genial que acabei sendo epicurista na minha pontuação da poesia, mesmo conhecendo três linhas biográficas sobre a vida de Epicuro, tirada de um velho manual de filosofia qualquer. Mentira, é que o epicurismo tem um pontos de contato com o pensamento budista. O texto, assim sendo, está sendo reescrito para o futuro próximo.]

Estou passando por uma época complicadinha. Não entro em detalhes, mas estava recentemente procurando alguma peça de literatura que refletisse este velho drama, o drama do amor e da separação; não o drama do amor-resto de um, e de outro que não ama mais. Falo sim do amor de dois, separados. Procurei, e algumas coisas que encontrei não me satisfaziam. Principalmente Romeu e Julieta, muito cristão, que a única parte que eu gosto é a linda declaração de amor dos dois.

Eu sou muito (pós?)moderno para ser romântico!

Hoje de manhã, do nada, me lembrei do Horácio, a tal falada ode do Horácio (Odes, I.11), que uma época eu cheguei a ter escrita em letras grandes no meu quarto, mas nunca eu parei para ler direito como eu fiz hoje. Ela fala o seguinte (a tradução depois é minha; valeu, Perseus!!):

Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.
seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias, uina liques et spatio breui
spem longam reseces. dum loquimur, fugerit inuida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero.

Não queiras, Leuconoê - é ímpio - conhecer o fim que a mim, a ti, deram os deuses, e nem tentes os cálculos dos babilônios. Quão melhor suportar o que quer que virá! Sejam vários invernos, ou seja o último que Júpiter nos concede, e que agora enfraquece o mar Tirreno contra as pedras; sejas sábia, filtres os vinhos, e corte todas as longas esperanças, sendo nosso tempo breve. Enquanto nos falamos fogem os nossos instantes, invejosos: colha os dias, confiando o mínimo no futuro.

Enfim, estava bem ali, debaixo do meu nariz este tempo todo. Sentei-me hoje então e escrevi uma pequena análise leiga, baseado no que eu conheço, e algumas questõezinhas interessantes, esclarecendo e aumentando o pouco o sentido e o significado de algumas palavras e expressões. Não seria nem uma análise, e sim alguns pontos interessantes.

O que se segue é este texto.

Nefas é a palavra para "contra a lei divina". Sendo este poema romano e pagão, seriam as vontades e leis dos deuses; impiedade seria, por exemplo, a húbris, o orgulho humano em se exceder acima de sua medida (p. ex, de conhecer o que lhe reserva a vontade - ou mesmo o capricho, pois os deuses são caprichosos - do Olimpo). Este é um conceito grego, mas creio que pode se aplicar neste poema de Horácio. Os "cálculos (números) dos babilônios" se refere à astronomia caldéia - à previsão de um futuro através de sinais externos.

E por que seria "tão melhor" suportar o que vier? É uma boa pergunta. Eu mesmo estou me fazendo ela a torto e a direito. De três uma: ou há o destino, e mesmo que o pudéssemos prever não poderíamos controlá-lo; não há destino certo e seguro, e neste caso poderíamos conhecê-lo um pouco e controlá-lo um pouco, talvez muito pouco; ou não há destino. As Moiras, na mitologia greco-romana, eram as três deusas: uma fiava o tecido da vida, outra media o comprimento dele, e outra o cortava. Mas, mesmo assim, as vidas dos homens eram como folhas de árvores, sujeitas à vontade e necessidades dos deuses. Como fica esta questão?

Em qualquer um dos três casos, porém, não vale a pena saber do futuro. Em um, porque ele não vai mudar; em outro, porque ele é incerto, e no terceiro, porque não dá pra saber.

Os invernos e os verões e demais estações que se repetem e, apesar de ser cíclicos, marcam a linha reta unívoca que marca a vida humana; este mesmo inverno (se) enfraquecendo, debilitando (e a primavera começa antes do inverno terminar...) ao bater e bater e bater as ondas contra a barreira de pedras lambidas por muito tempo pelas mesmas ondas da água do mar Tirreno (pumex significa pedra, em geral, especialmente estas pedras erodidas pela água). Que visão magnífica! As pedras lentamente sendo dilapidadas pela água, pedras onde o próprio inverno deixa de ser... Quão prático, numa cena dessas, usar a palavra "inverno" para invocar um tempo natural e cíclico, sendo que o "inverno", tal como nós vemos, morre a cada ano...

Filtrar os vinhos, isto é, passar o vinho por peneira ou coador para retirar as impurezas: os pedaços de casca e de fruta ainda presentes, pedrinhas, os sais que se formam no fundo, e a parte da borra que ainda permanece. Como todos os visitantes da cantina da Pipa sabem (ou da sua cantina de vinhos coloniais local) vinho com impurezas dá uma dor de cabeça!, além de não ser a coisa mais fantástica de se tomar na vida. A sabedoria - invocada anteriormente - pode ser também a sabedoria de tomar dos próprios vinhos. Aliás, se uma pessoa filtra os seus vinhos, há uma grande chance de que a mesma os tenha produzido (e talvez plantado e talvez colhido e talvez pisado as uvas). Quer dizer, a pitadinha de ponos, de sofrimento/trabalho duro, presente na vida cotidiana.

Spatio brevi é ablativo absoluto de razão, "sendo a extensão (da vida) curta".

Spes longam é a "esperança que se estende (muito no futuro)"; "de uma vida curta corte todas as esperanças que apontam demasiado além". Quer dizer, não são todas as esperanças a ser cortadas de uma tal vida curta, mas sim estas longas esperanças. Aiaiai...

"O tempo invejoso nos foge enquanto falamos". Este inuida, além de invejoso, pode significar algo que nos odeia, algo que não nos é favorável. "Estamos aqui a falar, Leuconoê, e eu a te contar para colher os dias, enquanto estes mesmos dias estão a correr por baixo do nosso nariz". Invejosos do quê? Eu não sei. Me parecem mais impiedosos de não conceder a nós o que tanto queremos - o desejo de que eles não passem, o desejo de termos algo aqui para sempre.

E então chegamos a um ponto importante, o famoso carpe diem. Colha os dias, imperativo. Quando se trata de plantas, carpo quer dizer colher como se colhe uma flor, ou uma fruta. Para animais, é se alimentar (tomar como nutrição) de (plantas). O carpe do Horácio faz uso de quase todos os usos do verbo carpo, desde colher até alcançar, juntar, aproveitar, usar, perseguir, gastar. Me agrada, porém, pensar que este carpo me relembra os vinhos a ser filtrados. Os dias (momentos) podem ser como moscas para um rã, prontos a ser rapidamente agarrados (e usados, gastos, comidos, um atrás do outro...), mas de que forma, se não somos rãs?

Eu retomo este ponto por causa do significado que carpe diem acabou tomando com o tempo, desvinculado do seu contexto aqui no poema. "Aproveite o dia" é uma frase simples e equívoca demais, podendo ser lida de várias formas. Procure rapidamente na internet por carpe diem e literatura, e verás de tudo, desde os sonetos engraçadíssimos do século XVI (um dos quais traduzi, faz muito tempo, aqui - relevem que faz tempo), até definições e defesas do hedonismo. No poema inteiro, certamente, Horácio fala da brevidade da vida, de como ela nos foge em cada momento. Ao pedir a Leuconoê, porém, para que seja sábia e filtre os vinhos, ele está simplesmente pedindo que ela seja uma sábia hedonista e prefira uns prazeres que outros, somente?

A última frase pode apontar para um possível sentido: confiando o mínimo no (dia) posterior. Credulus é a mesma que o nosso crédulo: o que acredita com facilidade, sem suspeita. Acreditar no quê, porém? Acreditar que um dia seguirá o outro, certamente, e que amanhã certamente o sol levantará no leste e se porá no oeste. E talvez acreditar nos prazeres futuros, e nos sofrimentos futuros, o que não deixa de ser o destino, ao meu ver. Quam minimum credula postero, acreditando o mínimo. Acreditar e esperar, acreditar "um mínimo" e esperar "não muito além".

Até onde? Esta é uma pergunta fantástica que eu tenho me feito todos os dias.

[Aliás, para os budistas, estes últimos pensamentos podem ter lembrado, mesmo que de longe (para mim foi muito de perto) a famosa reflexão sobre a morte, que para muitos parece um pensamento pessimista, mas é uma prática que traz uma reflexão muito profunda.]

quarta-feira, 3 de maio de 2006

Resumo rápido de um conto zen-budista moderno:

- Mestre, eu quero aprender com o senhor.
- Então não pense em macacos.
Cara sai. Passa o dia inteiro vendo macacos, pensando em macacos: verdes roxos azuis amarelos.
E ele volta. E sabem de uma coisa? Eu esqueci o final.

A luta com palavras é a coisa mais vã. Palavras não são apenas os pequenos e grandes pensamentos que saem da nossa cabeça através da boca. As palavras surgem antes mesmo que nos demos conta; surgem mesmo de um corpo soçobrado, surgem mesmo de um corpo transfigurado. Especialmente destes corpos, as palavras surgem.

Vetores poderosíssimos, as palavras. Perfuram e transpassam três gerações de mamíferos de porte médio, em média, para desconforto dos seres viventes.

Estou em um momento de crise, poderoso, insurgente; mar martelante.

Rio de Janeiro, século XIX. Chuva de verão: quente. Água escorrendo pelos bueiros, levando a merda depositada nas ruas para o grande mar da pequena baía. Mais ou menos como Florianópolis, século XXI.

Vários nomes para isso, da extensa & fecunda produção literária-psicológica. Uma que me lembrei: vórtice. Fabio Herrmann, psicanalista brasileiro.

Outro nome: chuá.

quarta-feira, 26 de abril de 2006

Gato torneiral

É delicioso e saboroso entrar no banheiro de madrugada e, ao acender a luz,
ver o gato da casa deitado na pia, como se fosse uma cestinha de porcelana, olhando com aquele olhar de gato
, misterioso de séculos
, atento
, pronto.

Levantei a tampa da privada e gargalhava enquanto mijava.

segunda-feira, 24 de abril de 2006

I thrive best on solitude.

Henry David Thoreau, em seus diários. Pra quem não conhece, o Thoreau é um escritor norte-americano, viveu nas metades das metades do século XIX; escreveu A desobediência civil, depois de passar uma noite na prisão por se recusar a pagar impostos; e Walden, o nome da lagoa onde ele passou dois anos de sua vida em uma cabana que ele mesmo construiu. Eu diria que Walden foi, e ainda é, um dos meus livros de cabeceira. Foi de uma forma e é de outra; mais crítica, atualmente, a umas certas posições extremadas, mas ainda me admiro muito quando leio Thoreau, e sinto que me teria dado muito bem com ele e com o tal do Whitman. Pelo menos gostaria de ter tentado.

Essa frase é meio mântrica. Dá vontade de repetir e repetir e repetir do fundo do diafragma em suspensão até gozar extaticamente pelo poro 493 da seção D da narina esquerda.

Tradução liberal:

Eu floresço melhor na solidão.

sábado, 22 de abril de 2006

Hofmann em Basiléia

É mesmo um mundo de contrastes, contrastes medonhos mesmo.

Isso que o faz tão interessante.

(Sabe aquelas coisas ou pessoas que você não entende, que você não concorda, que parecem indiferentes à tua presença, que chegam e vão e parecem que não se importam se nisto você se fode ou não, e mesmo assim você se preocupa, sofre, geme, se alegra ou chora com estas mesmas coisas ou pessoas? Esse mundo é assim.)

Albert Hofmann é o químico suíço que sintetizou a dietilamida do ácido lisérgico.

Dou o nome completo para não ter de ouvir o comentário que escutei estes dias: "ah, então o ácido lisérgico não é um ácido, de verdade? Pensei que ele fizesse mal por ser um ácido, mesmo" (como, derretendo o cérebro? Deveria ter investigado melhor).

Ele comemorou 100 anos de vida no começo deste ano, e uma conferência foi celebrada na cidade de Basiléia, na Suíça, a cidade onde ele trabalhou nos laboratórios da Sandoz durante muito tempo.

Foi neste laboratório que ele, ao procurar sintetizar um novo analéptico derivado de derivados do esporão-do-centeio (um fungo) sintetizou uma série de compostos, um deles o lsd-25, em 1938. As pesquisas com animais não mostraram nada significativo, e ele deixa de lado; cinco anos depois, porém, ele, por pressentimento, segundo suas próprias palavras, sintetiza uma nova leva da substância, e durante o processo começa a se sentir diferente. Acha que é gripe e vai pra casa, e quando se deita vê um monte de fogos de artíficio. Dias mais tarde ele decide experimentar uma fração que ele considerava mínima da substância e voilà! a primeira viagem de ácido do mundo. Vai pra casa de bicicleta, e enfim... Adoro esta história; acho que vou contá-la pros meus netos e bisnetos.

Dizem que ele tem olhos brilhantes, que tem voz forte para se dirigir a 1500 pessoas que estava na conferência, um aperto de mão forte, e manca um pouco, claro, 100 anos já não são 90. Fica todo mundo especulando donde esta tal vitalidade; ele diz que é por causa do ovo cru diário de manhã (espero que sejam ovos caipiras). Nesta conferência foi discutido abertamente as questões colocadas pelo ácido, pela sua criminalização, seus usos, enfim. O prefeito da cidade manda uma carta pra ele, crianças cantam musiquinhas pra ele, ele é recebido com honras e alegria e festejos, um parque ou um banco, sei lá, é dedicado em sua homenagem e a a rua onde ele teve a sua famosa bicicletada em 1943 foi renomeada em seu nome.

Cartas de prefeitos, crianças com musiquinhas e um parque/banco vá lá; creio que este Albert tem outros motivos pra ser um cidadão emérito. Agora, quer coisa mais direta que o nome da rua?

É a Suíça, claro. A Suíça não deve nada a ninguém, e suas vacas gordas e felizes, de úberes cheios e vazando leite grosso, morno, gorduroso, descendo em cascatas por colinas de pastagens verdes emolduradas por montanhas gris, são as testemunhas vivas disto.

Em boa parte do mundo, porém, esta mesma substância é escorraçada, demonizada, criminalizada, tornada alvo de repúdio com base em preconceitos ignorantes, como o exemplo que dei acima, e vários outros que a maiorias de nós já conhece.

Tem gente que é presa (!!) por anos (!!) por ter experimentado dela.

E ainda não falo da maconha.

o tempora! o mores!

quinta-feira, 20 de abril de 2006

(Pontos interessantes de um artigo da Scientific American americana [The truth and the hype of hypnosis, Nash M.R., 2001] que eu acabei de fazer para a eterna e recorrente disciplina de Psicofisiologia. Desta vez eu vou!)

Quando o público fala de hipnose, a imagem que vem a mente, além dos clássicos relógios de bolso, é de uma pessoa que entra em um estado sonolento e cumpre todas as ordens do hipnotizador, fazendo ridículo como imitar um pato ou mesmo, dizem, demonstrando força e resistência e outros afins que não demonstraria em seu estado "normal". E, depois do estalar de dedos do hipnotizador, acorda e não se lembra de nada. "Perdeu o controle de si mesma" por alguns instantes.

A hipnose real é algo mais simples e mais fantástico que isto. Simples, no sentido que a pessoa não perde o controle de si mesma; e fantástico, pois a hipnose pode servir para propósitos mais interessantes que imitar um pato, como aliviar a sensação de dor, por exemplo.

É verdade que existem pessoas que são mais suscetíveis que outras de serem hipnotizadas, e existe uma escala para medir esta suscetibilidade. Esta suscetibilidade permanece constante durante toda a vida, e pode ter componentes hereditários. Ela também independe da pessoa do hipnotizador e da motivação do sujeito para entrar em hipnose ou não: pessoas suscetíveis entrarão em hipnose de várias formas possíveis, enquanto que os menos suscetíveis, por mais motivados que estejam, podem não ser hipnotizados.

Também não existe correlação entre certos traços de personalidade e suscetibilidade à hipnose, a não ser com a habilidade do sujeito de se absorver em atividades como ler, escutar música ou sonhar acordado.

Pessoas em hipnose não fazem tudo que lhes é dito: elas costumam aderir aos mesmos padrões morais de quando estão acordadas. Apesar disso, porém, elas não tomam parte ativa nas coisas que acontecem durante o episódio de hipnose, mas relatam que as coisas acontecem "por acontecer" (o braço simplesmente ficou mais pesado, meus olhos se fecharam sem eu decidir, etc.) Os sujeitos também podem dizer não e terminar a hipnose quando quiserem.

A hipnose também não se trata de imaginação vívida: pesquisas de PET scan demonstram que as áreas cerebrais envolvidas nas vivências alucinatórias hipnóticas são as mesmas ativadas quando se trata de uma vivência real, e diferentes daquelas ativadas durante imaginação ativa.

Quanto à questão da dor: a sugestão hipnótica pode aliviar sensações dolorosas, mas este alívio não se trata nem de placebo nem de relaxamento, como é pensado por alguns. Em um experimento verificou-se que em pessoas pouco suscetíveis a hipnose era tão eficiente quanto o placebo em diminuir a dor, mas pessoas muito suscetíveis beneficiaram-se três vezes mais da hipnose que do placebo. Pessoas hipnotizadas em atividades sem relaxamento (como pedalar uma bicicleta imaginária) são tão responsivas às sugestões que em um ambiente tranquilo. Hipnose não está diretamente relacionada com relaxamento ou sono.

Hipnose também não é fingimento; respostas fisiológicas demonstram que os sujeitos não estão mentindo.

Outro mito é de que durante hipnose as pessoas podem se lembrar com mais detalhes, ou podem se lembrar de coisas de um passado distante. O que se sabe que acontece é que pessoas em estado hipnótico podem se confundir entre memórias reais e imaginárias. Quando sugestionados a se remeteram à infância remota, os sujeitos em hipnose costumam se comportar de uma maneira aproximadamente infantil, mas pesquisas apontam que este comportamento não é autenticamente infantil, em termos de fala, comportamento, emoção, percepção ou padrões de pensamento. Não são mais infantis que adultos imitando (acting-out) crianças.

quarta-feira, 12 de abril de 2006

Betty Crocker e os Freudianos

Historinha interessante, que encontrei em um site que... me parece uma mistura de teoria de psicologia social, retórica e heurística e sei lá mais o que.

Betty Crocker é uma marca de bolos semi-prontos americana, exatamente aqueles que temos aqui no Brasil que você somente tem que adicionar ovos, leite e óleo, bater e botar para assar que alá! olha o bolo... quer dizer, é uma farinha com fermento flavorizada e aromatizada. Eu nunca entendi porque todo mundo gosta de comprar estas "misturas prontas" para bolo se, na minha opinião, fazer o bolo completo é quase a mesma coisa (e SEMPRE fica muito mais gostoso).

Então, minha irmã falou que essa mistura Betty Crocker aí faz um bolo gostoso. Eu não sei, não posso dizer. Mas a historinha conta que na década de 50 essa tal lançou um bolo pronto que era só adicionar água e botar pra assar que alá! olha o bolo... e desta vez, até eu concordo, era realmente uma mistura pronta. No dia em que houver água em pó, então...

Mas acontece que não vendia. As donas-de-casa (que existiam aos montes, naquela época - a era dourada das donas-de-casa americanas! baby-boom! plástico! a tecnologia alienígena de Roswell!) achavam que, realmente, era muito prático, mas não vendia. A tal da Betty, então, foi, contratou uns psicanalistas e perguntou, "por quê eu não vendo?", e a resposta deles era que as mulheres se sentiam culpadas, blábláblá, por estarem decepcionando os maridos e/ou convidados blábláblá... e sugeriram que se desse instruções para adicionar um ovo à receita.

E as vendas subiram.

Culpa inconsciente? Princípio de investimento? Vote aqui, no seu blog favorito.

sexta-feira, 7 de abril de 2006

Sócrates redux

"Não é de mal gosto lembrar-nos que dentre em breve futuro próximo estaremos a discutir certamente com fervor a novidade-então-presente que agora tomamos como certa e definida."

Ufa! Como é difícil traduzir as coisas certinhas assim do nada, grego clássico para português pós-moderno. Essa frase aí é do Sócrates, mas não adianta procurar nos anais quaisquer que quereis, pois lá não estarão, tenho certeza. Essa coisa aí ele me falou, e pra deixar tudo claro e certo a conclusão é minha, embora ele tenha resumido em uma frase, como é do costume dele agora, embora ele ainda passe por aquela balbúrdia toda de ironia, de maiêutica, essas taizinhas.

O que na realidade eu queria dizer que, em termos de idéias, elas têm uma história, e esta história, muitas vezes incompleta ou mal-contada, reifica a idéia; não é de se estranhar que muitas das vezes, quando elas mudam demais, as idéias renascem, por assim dizer. Deixam de "ser elas mesmas" e passam a "ser outras coisas".

O problema é que o Sócrates é meio surdo. Sério mesmo: achei que devia ser cera na orelha (depois que vi o estado do coitado quando nos conhecemos não duvido que ele tenha cera até no cu), mas é velhice mesmo. Velhice relativa, digamos, a mesma velhice que ele tinha quando bebeu a tal taça e foi pro Hades...

aliás, tenho que encadear as coisas pra falar de tudo certinho, senão começo a ir de uma à outra e acabo falando de nada.

Sócrates é meio surdo, feio, mas não tanto assim quanto diziam, e é esquecido das coisas; agora sou eu que tenho de retornar às definições em jogo, mesmo que acabe indo contra o meu argumento, eu que sou um cara idôneo e honesto. Ele me diz que é assim já faz dois mil quatrocentos anos (eu que tive de lembrá-lo de quanto tempo ele tinha morrido). Para o meu grande horror inicial, infinita surpresa medial e astronômico divertimento atual ele lê muito devagar e lê mal, por causa dos olhos (quantos sóis na baía de Falera! quantos!), e por que foi alfabetizado nos padrões atenienses da sua época. E no Hades não tem nada pra escrever, embora ele tenha me dito que os Iluministas tinham planos de terminar a Enciclopédia antes de se mudarem para outro paraíso, mais conveniente às suas necessidades post mortem.

O interessante, apesar de tudo isso, é que na conversa ele é incomparável. Descobri, depois de um pouco de tempo, que ele aprendeu a falar de outras formas, em outros idiomas, muitos dialetos europeus obscuros, certo. Isso, em primeiro lugar, explica o conjunto incongruente de sons que ele chama de "meu grego", os quais eu nunca fui capaz de entender. Depois de me contar das conversas infindas com a gentarada grega que mal morria zupt! se mandava pra lá, deu pra compreender a razão: imagine você ter conversado durante centenas de anos com gregos de todas as formas e cores, da Jônia, Macedônia, falando o koiné de todo o Mediterrâneo, o helenístico, imagina só! além de todos os outros esquisitos barbudos de outras partes do mundo.

Nem sempre barbudos, segundo ele me conta. Alguns tinham rastas, e outros eram carecas.

sexta-feira, 31 de março de 2006

Visita

A coisa mais incrível aconteceu, mas estou receoso de contar aqui, nunca se sabe, a internet, dizem, todos ficam sabendo de cada vírgula mal colocada. Na verdade não ficam, pois alguém usa vírgulas na net? Mas enfim... conto.

Cheguei aqui em casa esta segunda feira, cansado e ferido de mais um dia acadêmico maçante e desconstrutivo, de idéias toscas e flácidas como... enfim, o conceito de tosco e flácido que você, leitor atento, tiver em mente - alguns são desaconselhados para menores - quando, ao chegar no portão do prédio, vejo um cara velho e barbudo sentado na escada.

Ele tinha a pele bem bronzeada, curtida, os olhos cinzas e uma basta cabeleira que, embora branca, ainda conservava traços de um antigo castanho queimado. E uma barba um tanto mal cuidada, nada que uma gilete de três lâminas e quatro crianças taiwanesas não resolvam. Ele me vê chegando e vem falar comigo. Achei engraçado ele estar somente com uma camiseta, ainda mais aquela da Embratel que tinha a Ana Paula Arósio, na época que ela considerada a beleza encarnada e todo mundo gostava dela, a pobre-menina-que-namorado-suicidou-se-defronte; mas relevei a camiseta, depois de ver que ele não tinha nada por baixo, deixando a semi-mostra sua vergonha, que na penumbra não era nada saradinha.

Balbuciou algumas coisas, balbuciou modo de dizer, pois falou alto - eu que entendi coisa nenhuma e achei que a caninha Camarão tinha tido mais um freguês esta tarde, e já entrava em prédio meu com aquela carinha burguesa de "por-favor-saia-da-minha-frente", nojinho, quando ele me pega pelo braço e começa a falar mais claro e mais devagar, fazendo gestos amplos com o braço, parecendo que queria o meu liquidificador emprestado, sei lá.

Mas tinha algumas palavras que me eram familiares. Será? Ele começou a apontar para si mesmo, dizendo "Sôôcrates, Sôôcrates, Sôôcrates", parecendo que ia vomitar. Deu um pulo pra trás, instintivamente, e depois me dei conta que Sôôcrates devia ser Sócrates. Me parecia que o sujeito queria dizer que se chamava Sócrates, o que achei muito irônico e até conveniente. Por causa disso relaxei um pouco, botei as coisas no chão e tentei entender o que aquele cara queria.

Mesmo assim continuava a entender bulhufas. Patavinas. E ele lá falando, e tentando arranjar um vidro sujo onde pudesse escrever alguma coisa, e me pegando o braço e falando mais alto, ficando meio sem ar e vermelho no processo, parecendo o tipo de cara que fica enfezado se ninguém o escuta. Parecia até que falava grego.

Me lembrei então que queria estudar mais um pouquinho de grego ainda aquele dia, e que tinha de dar comida pro gato e limpar a pequenina caixinha de areia higiênica do elegante senhor Gato, e já estava me desvencilhando dele e ele me olhando com um ar muito de perdido e desamparado, prestes a desabar no chão e clamar por misericóridia e eu achando aquilo tudo muito esquisito, quando de um átimo ele começa a murmurar, como se tivesse se dado conta de algo importante, sua face se ilumina e ele começa a gritar com todos os pulmões, para a felicidade dos meus vizinhos, "diaphteironta, diaphteironta, diaphteironta!"

Donde, donde um velho de rua aprendeu a ler grego clássico? Isto o que passou pela minha cabeça. Acontece que, como percebi três segundos mais tarde, ele não era um velho de rua. Bem, pelo menos não da minha rua.

quinta-feira, 16 de março de 2006

Qual o gosto de uma taça de cicuta?

"Sócrates pura e simplesmente queria morrer."

Uma das frases deliciosas do livro que estou relendo, aos pouquinhos e com bocadinhos de obras afins e alheias: "O julgamento de Sócrates", do jornalista americano que, mal conheci, sempre amei, I. F. Stone (as iniciais são de nomes tão horrendos que, dizem, quem os escutar terá dispepsia, sudorese noturna e dissociações esquizóides).

Neste livro Stone analisa, com detalhes e a finesse de um bom esquerdista defensor da liberdade de expressão individual, o mais famoso (e funesto) acontecimento da tão democrática Atenas. Não sei se falei deste livro antes: temo que me repita demasiado. Foda-se. O que Stone faz ver é que não, Atenas não está desculpada de ter assassinado um dos maiores usuários da parrhesia, da liberdade de expressão ateniense; o que ele deseja é dirimir um pouco a mácula e, principalmente, dirimir um pouco a aura heróica, quase santa, que cerca a morte do famoso filósofo.

Das idéias anti-democráticas de Sócrates todos os estudiosos já as sabiam, e não é preciso muito esforço para, lendo o que Platão e Xenofonte nos escrevem dele, chegar a uma percepção disto. Sócrates era alvo da gozação de várias comédias contemporâneas suas, o que era normal na Atenas daquela época, a comédia servir como meio de crítica e apontar incongruências dos figurões e detentores de cargos públicos. O homem que ficava o dia todo à palaestra, onde os jovens se exercitavam, e na agora, convocando as pessoas que achavam que eram sábias a se verem ignorantes (ou menos sábias que ele, dado que ele ao menos sabe que nada sabe), adorava fazer o mesmo com os cidadãos de mais influência, mostrando que a democracia era, enfim, uma merda, pois nenhum de seus governantes (o povo quase como um todo, no final do intrincado e até belo sistema democrático ateniense) tinha qualquer conhecimento de como governar, pois não conseguiam sequer definir o que é a virtude, o seu infatigável questionamento sobre a virtude...

... e se orgulhava de não cobrar nada por seus ensinamentos à juventude que o segue e passa a adotar o mesmo método para ridicularizar os poderosos, passando-os por néscios.

Até aí, tudo bem, adoramos fazer isto até hoje. É bem legal.

Acontece que as tendências...

(Você, leitor, quer conhecer o final desta fascinante história? Mande a sua opinião, ou até mesmo sugestões de o que poderia ter acontecido ao querido e feio Sócrates!! Continuamos no próximo poste.)

sábado, 18 de fevereiro de 2006

Depois de mais um mês sem escrever, continuo dizendo que meus dentes estão ainda mais escuros, e não é mais dezembro.

Yoga é uma coisa muito louca. Detalhes em duas semanas e meia.

O budismo, como filosofia, é muito fofo, mas bobinho. Detalhes em três semanas e dois quartos.

Xopenrauer (sou a favor do aportuguesamento de todos os nomes, menos Yoga) é um frustrado fodido, e eu, simplesmente, adoro frustrados fodidos: eles dão os melhores filósofos.

Em breve, escreveremos.