quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Tenha um dezembro com dentes mais escuros

Antes mesmo de começar a escrever, lendo os escritos de blogue de um dos amigos do lado, me lembrei de uma frase da querida Hannah. A Arendt, Donamélia, qual delas eu falaria?

Arendt, H. escreveu uma obra muito inspiradora sobre os regimes totalitários, que eu chamo de inspiradora por puro desconhecimento: dela, só tenho o argumento principal. Mas a frase, um pouco de frase de efeito (retórico), estamos de acordo, tem uma "verdade" a ser pensada mais fundo. Verdade no sentido de "nó de senso-comum", a meditar a respeito do nosso século, o famoso século XX.

Ela diz que, quanto ao Holocausto, é preciso de uma reserva ao estudá-lo e tentar explicá-lo, pois explicar é compreender, e compreender é perdoar. Algo assim.

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Estou surpreso com a facilidade que eu tive de me desfazer da necessidade de cafeína, logo ao acordar. Nunca, jamais pensei que pudesse ter ocorrido de forma tão natural, sem o inferno imaginado de semanas torturantes de leves dores de cabeça, e ânimo indisposto.

DEvo dizer, contudo, que não teve nada de uma semana normal e rotineira, esta em que, tendo colocado meu piercing, tive de praticamente passar por uma purificação, comendo sopinhas de legumes processados com pouco sal e gordura. Parei de fumar, continuo apreciando meus vinhos, provei de uma centena de miligramas do derivado mais famoso do esporão-do-centeio, reviravoltas assombrosas e deliciosas na vida sentimental, enfim.

A minha história com o café é uma longa e gostosa história. Não, não terei de retornar aos arbustos farfalhantes da longe Etiópia, nem ao menos terei de lembrar dos lombos escravos tostados ao sol forte do pátio de café, assim como o café torrado mais forte que os mesmos lombos. Não, vim depois de muito de tudo isto.

Quando eu era criança, uma criança muito saudável, bem-nutrida, com mato, mangue, mosquitos e sol para brincar, eu tinha ataques de bronquite asmática. Minha mãe me conta que começou a me dar café, em pouquinhos, para ajudar a dilatar os brônquios; segundo ela, o café ajudou a curar este quadro. Vai ver, né, mãe é mãe e vaca é vaca, quem sabe ela tenha razão.

O café só voltou pra minha vida, porém, perto dos quinze anos. Desta vez, com força total; não apenas como mais uma bebida do irritante café ocidental (pão, leite e margarina - manteiga, para os puristas como eu), mas sim como fim em si mesmo. Como fonte de energia e de prazer ao paladar.

Faziam bons dois anos, no mínimo, que a xícara cheia de café matinal era o aspecto mais rotineiro e previsível da minha vida, onde quer que eu fosse.

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Estou desenvolvendo uma receita especial e minha. Algo entre um gateau e um suflê, com cacau em pó, muita manteiga, ovos caipiras de gema amarelo ouro, e açúcar mascavo de verdade (não açúcar branco misturado com melado). O mínimo de farinha. Alguém sabe onde eu consigo bagas de cacau para vender, baratas?

Também estou me preparando para me aventurar no perigoso, mas absorvente, pain au levain, o pão de fermento natural.

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Aliás, não é engraçado que eu me interesse tanto por coisas que escurecem os meus dentes? Falo do café, do fumo, do vinho e do cacau.

Não, não farei esta pergunta a um freudiano maníaco. Porém não deixa de ser, no mínimo, uma grata coincidência. Não me interesso pela cafeína, pela nicotina, pelo álcool e pela teobromina, como seria de se esperar; interesso-me pela coisa como um todo.

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E 75 milhões de reais e eles não aparecem. É uma falta de vergonha deles, ou excesso de inocência minha?

Que ano, que ano politicamente vívido! Todos os olhos virados para a grande cena da cidade-governo e seus corredores e salas e tribunas. Um imolado pelas águas do São Francisco. E aumento no salário mínimo. Uma bela história para as gerações futuras de leitores da Veja.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

Aeroporto

Mãe sempre chora; não tem jeito.

Não vi a minha chorar, ontem, quinta-feira de sol e céu de brigadeiro, sem nuvens. Vi a mãe do Will, depois de ver o filho (e meu mais querido amigo) embarcando e decolando para um destino que, em menos de 24 horas, seria o espaço aéreo internacional.

Não consegui dar o último abraço: ao chegar lá, 6 e 20 da manhã, ele já se encontrava na sala de embarque. Ao menos consegui pegar o Dicionário de política do Bobbio e cols, 2v, que ele se lembrou de me emprestar à última hora. E o tchauzinho, básico. Confesso que estou triste, confesso.

Já de tarde, seria a vez da minha irmã. Estava cansado, depois de três horas de sono; com fome, sem quase nada ter comido. Mesmo assim fui, dever fraterno. Deveria ter ficado em casa, mesmo, e de qualquer maneira voltei pra casa antes de ver a maninha embarcar, e de ver a minha mãe chorar.

Ela, eu sei que volta, e de quebra com um iPod pra mim.

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Botei um piercing na língua na segunda-feira retrasada, logo depois de escrever o último post.

Não dói na hora, como sói ocorrer na mente de muitos partidários do contra. É um músculo meio burro, acho eu, com exceção da fabulosa superfície sensitiva, que me faz a alegria e ainda me fará a glória.

Mas tive de ficar uma semana comendo tudo, tudo mesmo, processado. Tirei do antro umbroso em que se encondia o processador, e mandei ver.

Comer papinhas, contudo, não me atrai mais. Acho que passei da época. Senti falta de mastigar as coisas.

E aproveitei o conselho de evitar bebidas alcoólicas, cigarro e café para parar um pouco com as duas últimas; aquele, para evitar a quantidade absurda de cigarros que fumo toda vez que saio, e este, para sair um pouco da minha adição com a cafeína. Dito e feito, nos dois primeiros dias, dor de cabeça constante.

Agora já posso beijar novamente, e confesso que gostei de ter um piercing.

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Alice adoçou a minha vida na quinta-feira retrasada, e eu dancei como nunca havia dançado em minha vida.

segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Começo de dezembro

Depois do nosso encontro com os aqueus, debaixo de um solzão de lascar na Tróade, com seus barcos negros com a proa enterrada na areia, voltemos para cá, Ilha dos Patos, Meiembipe para os íntimos.

Céu azul claríssimo, como aqueles azul-bebê de porcelana de vó. Não a porcelana de azulejo, aquele anil mourisco de estalar os olhos; azul bebê de vovó.

Tenho apreciado muitos nasceres de sol, na janela da sala que, agora, menos de um mês para o solstício, aponta diretamente para o nascente. Hoje, por exemplo, foi um descortinar de nuvens escarlates, esfiapadas e empoleiradas em cúmulos mais gordos e robustos, violáceos e escuros contra o sol nascente. O lado bom de se ter uma constituição propensa à insônia é, justamente, os nasceres do sol.

O ar da manhã é muito mais gostoso que a sua contraparte do final de tarde. Sabe-se lá o porquê; mas a "sabedoria milenar sinojaponesa" diz-me que, de madrugada e manhã, o mundo inspira, e de tarde e noite ele expira, e que o melhor a fazer, para um longeva e saudável vida, é respirar junto com ele. O que isto quer dizer, exatamente, eu não sei.

Mas é nessas épocas, em que me contorço na cama, ansioso por várias coisas que não dão certo, por oportunidades perdidas, por foras dolorosos, por coisas a dizer que não disse, a fazer que não fiz, que tenho inveja do sono pesado da minha irmã e de seu namorado.

É só esperar que tudo passa.

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Estou relendo Harry Potter 4, depois de ver o filme, e enjôo mais e mais ainda desse papo todo de bem & mal. Devo dizer que nesse caso, da Rowling, a história é um pouquinho mais bem-bolada, para não ser maniqueísta. De qualquer maneira, é sinistríssima esta propensão a bem-dizer e mal-dizer tudo, como se tudo, no final, fosse e tivesse um estrato moral, por mais obscuro que seja, e que tudo será "julgado" por ele, por mais pós-moderno que este julgamento pode ser.

Além do fato que H.R. inspira o exercício da retórica como arte de puxa-saquismo, e das várias falácias, principalmente o argumento de autoridade.

Há coisas legais, também. Me esqueci delas, por enquanto.

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Recomendo, recomendo, recomendo para aqueles interessados: Psicanalisar, de Serge Leclaire. Claro na medida, o mais claro que um psicanalista pode ser.

Resumo da Ilíada para o vestibular 2006

Minhas hipérboles estão assumindo feições... hiperbólicas?

Minto quando falo de oito palavras diferentes para "flecha, bólido" em menos de vinte versos da Ilíada. Foram apenas quatro, ao menos no livro alfa. Oistos, ion, bélos e kêla, para os curiosos. Acho que me confundi com tóksos e bios, arco.

A Ilíada fulgura em atos e palavras. O desenrolar é muito interessante: Homero não perde tempo em caracterizar ou introduzir ambientes, ou mesmo personagens, com detalhamento. A primeira palavra do poema, aliás, é o tema, ou a "causa" (na típica acepção grega de causa; lembrem-se do Filósofo) do desenvolvimento seguinte: mênis, a ira de Aquiles, e as suas consequências nefastas.

Já entramos, então, na ação propriamente dita, sem mais delongas. O bardo pede para a deusa cantar a ira destrutiva de Aquiles, filho de Peleu; que mandou tantos aqueus ao Hades, seus corpos de presa para cães e aves de rapina.

Isto tudo, no nono ano da guerra de Tróia, pois um sacerdote da cidade de Crisa veio às naves dos dânaos/aqueus/gregos resgatar a filha, espólio de guerra de Agamêmnon, irmão de Menelau; aquele, rei-de-homens, se ultraja e manda o velho embora. A mulher é dele.

Sôfrego, ao longo do mar polissonante, o velho sacerdote roga a Apolo, flechicerteiro, para vingá-lo, se ao deus agradou, alguma vez, o perfume das gordas coxas incensadas. Apolo, com seu arco-de-prata (argurotoksos) senta-se numa elevação perto das naves dos aqueus e manda seus arcos, com um horrísono clangor, na direção do acampamento, matando os cães e mulas primeiro, e depois seus donos. Ruína cai sobre o povo.

No décimo dia de matança Aquiles, o semi-divino, convoca o povo à assembléia, pedindo a opinião de um adivinho, a razão da cólera do deus. Calcas se levanta, pede a proteção do forte Aquiles contra a ira de um homem, o mais poderoso entre todos, e fala então do agravo de Agamêmnon. Este, com os olhos negros voltados para Calcas, fala que retornará, enfim, a moça ao pai se for presenteado com outro prêmio.

Aquiles diz que é injusto dividir o dividido, que ao final da guerra ele será premiado três, quatro vezes mais; Agamêmnon discorda, ameaça tomar a força a moça que coube de prêmio a Aquiles. Ao que tudo indica, Aquiles se afeiçoou e assim começa a contenda, o quiprocó que é o desenrolar todo da Ilíada. Aquiles se retira da guerra e só volta 20 livros depois, quando o seu companheiro Pátroclo é morto, passando-se por ele, instilando ânimo nos já exangues gregos ("Aquiles é nosso muro nesta guerra má".)

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Novembro

Como é bonito ver pessoas de bem-querer dormindo no sofá...

Dias bravos, estes. Mudanças de humor infernais e gelíferas. Insights para toda uma vida. Beijos e afins, velados para os não-amantes. O ócio que acompanha as greves na federal.

O desespero por Homero passou. Depois que eu percebi que a língua grega antiga tem tantos verbos quantos os gregos/aqueus/dânaos que a falavam (aproximadamente 800.00, pelo último censo), e depois de ver, no espaço de apenas 20 versos, 8 palavras diferentes para dizer "flecha, bólido", desesperei em outro sentido, na enormidade do léxico, e agora só estudo 2 horas por dia.

Em compensação, o próprio latim ficou ridiculamente mais fácil, depois deste mergulho jônico.

Pra variar, então, estou lendo Leclaire, "Psicanalisar", Umberto Eco, no livro que Will me deu de niver 7 meses atrás, e

tcharam

comecei a estudar Aristóteles.

(ALGUÉM MANDA ESTE MENINO FAZER ALGO MAIS ÚTIL, MARIQUINHA!)

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Os tempos começam a esquentar, e as comidas a mudar.

Se bem que, com o tempo louco de Floripa, nunca se sabe, e nunca se deve.

Mas, dias atrás, fomos surpreendidos com o calor honesto e sincero de um dia úmido, nordeste à proa, de verão mormacento.

No inverno como de tudo, além de fumar com gosto e provar de todas as variedades de álcool. O calor, porém, são outros bons quinhentos; dependendo do dia, mais de mil, para garantir. Detesto a sensação de gordura porejando na sombra, e o calorão depois de uma refeição mais pesada ao meio-dia.

As frutas mandam.

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Estou estupefato e desiludido comigo mesmo.

Faz tempo, e realmente bota tempo nisso, que eu não escrevo mais um poema. Não digo bom poema, ou mau poema, digo poemas, com s de plural e de abertura. Não sei do que se trata; simplesmente não rola. Boas idéias, ou melhor dizendo, as idéias de sempre, não me faltam:

- poemetos de amor, ou louvando as virtudes do beijo com gosto e frecura de maçã gala do meio-oeste;
- versos brancos para cantar (ou mugir) a melancolia;
- sonetos líricos, falando das minhas andanças e dos mergulhos e de "ó-eu-sei-sentir".

É isso mesmo, literatos revirantes em túmulos úmidos e caiados de pó de osso: estou farto, atualmente, de ser lírico. De me cantar somente.

O problema é que não sei alternativizar. Não sei ser nada mais do que eu, ou mesmo escrever nada mais do que eu.

domingo, 30 de outubro de 2005

Estou estudando desesperadamente o grego de Homero, com a ajuda de Clyde Farr, mais de cinco horas por dia. Confesso que este se tornou o projeto que me deixa de bom humor ao levantar todo santo e profano dia; não me surpreendi ao me encontrar sentado, de um bom banho quente tomado, traduzindo o verso 76 depois de uma balada das boas.

É, eu sou assim: mudanças de humor terríveis e maravilhosas, dependendo do que eu resolvo fazer com elas. Gosto de fazer algo que eu gosto até os braços caírem, que depois eu colo com cola cirúrgica.

Ontem foi o dia das anfetaminas. Curti muito, que coloquei o som (sem professionalismo algum, confesso) na festinha da Lama. O pensamento ainda anda muito serelepe, mas bom foi hoje de tarde, saindo para pegar um sol (que não tinha; nuvens escuras de chuva deslizavam vindas do sudeste), quando tive um insight maravilhoso (e qual deles não é?), de que a promessa da felicidade psicoquímica é papo de broxas e psiquiatras enrustidos (queriam ser filósofos quando crescessem) e de filósofos mal-comidos.

Obviamente que eu, com uma mente bem treinada nos caminhos da teorização, tenho meus bons argumentos, ao menos para colocar umas questões bem colocadas. Hoje, porém, fiquemos só com o conteúdo sentimental.

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Primavera

Pequenas considerações, depois de dias e mais dias (de chuva; não é surpresa na primavera florianopolitana).

Primavera úmida. É um prazer sazonal rever os aromas fragrantes das flores, do mato árvores e terras vermelhas e escuras. Prazer diferente, não menos indiferente, senti-los quando mais uma onda polar sobe do altântico sul, e em seu primeiro dia, uma viscosidade fria subir as ruas e mangues e mares; desta vez, porém, é olorosa, e é verde. Parece que as plantas e a terra carregam tanta água dentro delas!

Em breve, porém, veremos as folhas queimadas do verão, o cheiro de cascas e essências enquanto as madeiras estalam em alguns dias mais secos.

Hoje já peguei sol, e estou rosadinho como um camarão ao bafo.

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A água para o café, como se sabe, não deve ser fervida. Aliás, café que não seja novo, dentro de meia hora vira um líquido preto de gosto horrível e de péssimas consequências para o seu organismo, seu João. Sim, senhor. Café recém-feito é um bálsamo; fora isso, uma merda.

Descoberta minha recente foi o café turco à moda de Danijel, (o marido croata, se não me engano, da Mariana), que é um parente próximo do café cabeludo. O cabeludo é um café emergencial, para os dias sem coador ou qualquer meia velha que preste. Uma colher de sopa de café moído para cada xícara grande de água (que, pito e repito, mineral); bote a água em uma panelinha para esquentar. Naquele ponto clássico, em que a primeiras bolhinhas ameaçam juntar-se e encher de bolhonas a sua água preciosa, jogue o café, misture e desligue. Deixe decantar o restolho por uns três minutos. Eis o café cabeludo.

A variação turca é, depois destes minutinhos, ligar o fogo novamente; quando começar a borbulhar nos cantos, do lado da espuma formada anteriormente, desligue, sirva e tome.

Dizem que os turcos fizeram panelinhas altas especiais para cozinhar o seu café, mas em teoria qualquer panelinha serve.

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A editora Via Lettera lança, depois de anos sem quaisquer edições, Watchmen, a história em quadrinhos (nome horroroso) "de" Alan Moore. Fui um guri que lia muitas hqs quando 13, 14 anos, para desgosto para o bolso dos meus pais (são carinhas, as meninas). De Watchmen li umas duas edições de doze, o que me convenceu de que era a melhor que poderia ler, ou mesmo existir. Recomendo para todos a história de um mundo onde os "super-heróis" realmente tiveram algum impacto, em vários sentidos. Ou até hoje você não se perguntou o porquê do Super-Homem acabar com a fome no mundo em menos de três semanas?

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E Fernandinho Beiramar aqui em Floripa, justamente na própria Beiramar, numa das vistas mais bonitas. Ólhólhó. Não creio que ele tenha "vista" alguma, mas, recebendo visita da namorada, comendo o bacalhau que ela trouxe, e jogando uma bolinha na sede da Polícia Federal, não veria razão para sair daqui tão cedo.

Dona Ideli negocia, na nossa capital federal; enquanto isso...

Os mau-intencionados já falam dos pedestres e dos cooperistas que fazem grupinhos na calçada, e dos motoristas que passam em primeira marcha, defronte à PF, esperando talvez ver a cara dele na janela? Como apreciador da Beiramar, ainda não fui testemunha; mas não me estranha a curiosidade popular.

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Comprei o Ulisses, do Joyce, na tradução nova da Bernardina, pela Objetiva. Foi um dia muito feliz, depois de meses de namoro silencioso.

Estou lendo, entre as várias coisas que estou lendo, um livrinho interessante, que não precisei namorar muito não: foi na hora. O julgamento de Sócrates, por I.F. Stone, um jornalista que não conhecia, defensor ferrenho, ao que parece, da liberdade de expressão popular. Nos últimos dez anos de vida, depois de aposentado, voltou-se aos estudos filosóficos que haviam lhe chamado a atenção na juventude; por fim, fez um relato "jornalístico", baseado em várias fontes da época, do famoso julgamento de Sócrates, 2400 anos atrás. Muito, muito, muito interessante: é excelente ver esta história contada por alguém que não seja um filósofo, especialmente socrático.

E sempre acabo voltando para Hannah Arendt.

quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Camp Pêche

Tenho vontade é de descrever a vista da janela da sala de minha casa. Todos os dias eu tento, sem sucesso, ligar o computador. A tela está queimada.

Escrevo aqui na casa de terceiros. Não é inspirador.

Não me falta, na realidade, tempo de sentar e escrever. Isto eu tenho de sobra, e mais do que tempo eu tenho, é verdade, vontade. Tenho muita vontade de me sentar e, dia sim, dia não, ou hora sim, hora não, escrever para as poucas pessoas que me lêem. Escrevo, disse e digo novamente, para mim mesmo. O meu journal está jogado a um canto; creio que a vaidade fala um pouco aqui, na minha vontade de devassar um tanto da minha vida. Devassar somente aquela parte que eu quero que vejam, obviamente. Há um tanto muito que passa batido, praqueles que passam por mim na rua; os poucos que me vêem, e eu sei quando me vêem ou não, amo e odeio. Sentimento além deste: admiro-me com o meu olhar de cachorro sem dono.

Escrever, escrever...

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Sonhei esta noite passada coisas interessantes. O único fragmento que consigo me lembrar, 13 horas depois, é que sonhei com um lugar qualquer, onde moravam pessoas humanas, e que tinham o costume de, quando duas ou mais pessoas se uniam em uma união enigmática, mítica, a mãe de um deles era carregada pelo "portão das senhoras", largada suavemente em um descampado obscuro, e acariciada quase devotamente pela meia dúzia mais próxima, talvez como uma divindade telúrica. O nome de uma delas era Clemenzil, o que me parece o nome comercial de uma pomada para acnes.

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Os pescadores estão desistindo de ser pescadores. Artigo lido recentemente no nosso jornal local. Não me surpreende em nada, isto: quem quer ganhar o seu pão na profissão menos reconhecida?

Fico triste, porém. Tinha um projeto de me meter a conversar mais com os pescadores, e escrever sobre eles. Todos eles: os que pegam camarão na água calma da Lagoa. Os que metem o pé no lodo das previsíveis baías internas, e aqueles que pegam "siria" com ova no mesmo lodo dos mangues. E, principalmente, aqueles que se metem nas pequenas bateiras, ou nos barcos fortes betumados, e se lançam às aguas mais geladas, revoltas e azuis do lado atlântico.

Ainda há tempo, tempo de suave melancolia.

domingo, 25 de setembro de 2005

Devassa ontem. Edição mais chiquê, com Zuleika e os convidados e Cansei de ser sexy. Mais uma edição do torneio de desmoralidade, de ampla base epistemológica. Circulação infinda de figuras-pessoas repetidas em corredores caseiros e boiteros, com amplas declarações de amor sempiterno, ad nunc.

Odeio pessoas desmemoriadas. Odeio o que o álcool faz com muita gente. Gosto de sexo no meio do dia, com os pulmões cheios de ar fresco e o corpo bem, e minha cabeça livre.

Comecei a frequentar uma aula de ashtanga, acho que se escreve assim, né não? Para complementar e ampliar a minha prática caseira. Professor substituto tudo de bom, sentidos mil; ótimas razões para dedicar meu horário de almoço contraindo o períneo e respirando como um aspirador de pó.

Muita psicanálise e gestalt, e o resto é silêncio, pois não me sobra tempo para sentar e escrever. Ponto.

sábado, 17 de setembro de 2005

Inefável

http://www.geocities.com/orchatasecunda/textos/inefavel.html

Aquele, aquele que eu tinha escrito. Lindo de paixão.

O blog da querida Liz, novidade até para mim, está ali do lado: La farfalla.

E a chuva continua. Estou ensopado até os miolos.

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Eu tenho de vir em casa de amigos para escrever estas coisas aqui; não tenho muita vontade de prolongar as minhas impressões neste ambiente.

Escutando Miss Kitten, though.

Willuzitos, Iso, Bruno e eu estamos pensando em promover uma puta festa para o dia de finados, ou qualquer coisa assim. Will e Isa vão pros EUA no final do ano; a proposta é esta, festar sem ganhar nada.

Estou lendo muito Dogen ultimamente. A lógica da filosofia zen (que precisa de uma lógica, claro) é um tanto alternativa, e excitante. É sobre isto que eu queria escrever um pouco mais, se estivesse à vontade.

O tempo em Floripa está melequento, de tão contínua chuva que cai. Tenho feito a saudação ao sol todos os dias, várias vezes, e o meu banquinho de meditação nunca foi tão usado em sua curta vida. Em compensação, tenho exagerado na bebida, bastante para ser mais exato, e a palavra heavy boozer fica pipocando de hora em hora. Eis o superego.

Meu pai passeia em Cachoeiro, provavelmente procurando a mão na cabeça que ele não encontra mais entre nós aqui. É um cara muito sacana, este seu Luiz.

Mari e suas idas e voltas emocionais, e mamãe finalmente está mais calma em quase tudo.

O gato continua se lambendo, e me vence fácil fácil na flexibilidade. Quando eu tinha quinze anos eu me gabava de ser flexível "como um gato", mas vejo que não era bem assim.

Estes são os tempos de greve na Federal; três paixões por semana, todos belíssimos, por sinal, e niente de alguma coisa mais. Vacas magras ou gordas? Vacas, se as forem de verdade, o que já dá prum cottage.

Marisinha, agora, Pale Blue Eyes. Lindona; lembra os meus tempos de musicagem total com a Madame Liz.

quinta-feira, 8 de setembro de 2005

Independência?

Duas novas poesias na madrugada pós-independência!

Na verdade, quatro, com direito a revisão de outra, o que conta cinco; uma delas, porém, quedou-se incompleta, e a outra, de título "Inefável", ficou por cima da minha cama, no prédio ao lado. Paciência. É uma bela poesia, devo confessar, e quase que posso transcrevê-la de cabeça, por ter não mais que umas duas dúzias de palavras. Estou em dúvida quanto a uma vírgula, porém.

É só sentar que as coisas saem.

Quanto à situação sócio-político-econômica, bem, não me lixo mais com ela. Ora pois. Confesso que me vi rimando, no ônibus, uma musiquinha que era mais ou menos assim:

Jean Charles, desce da cruz!
Nova Orleans virou cuscuz.
Quem levar "seo" Bush de joelhos,
mordendo o travesseiro,
ganha de brinde um bombardeiro.

Lindo, né?

Lá vão as duas, então: http://www.geocities.com/orchatasecunda/textos/muquiranas.html e http://www.geocities.com/orchatasecunda/textos/satie.html.

Bom apetite.

domingo, 4 de setembro de 2005

Dias muitos interessantes, estes últimos. Por onde começar.

Na sexta-feira, o dia inteiro dentro do meu quarto, pausa para uma caminhada no sol da tarde. Arrumando. tirando do armário aqueles quilos e quilos de papel (perto de quarenta, no total) que compunham textos e textos da facul, as milhares de outras coisas e, principalmente, as minhas cartas.

Lá pelos idos de 98-00 eu costumei trocar muitas cartas com muita gente. Maioria delas naquele negócio de excers e trekkers, que naquela época eu gostava bastante de X-files e Star Trek, mas isto é assunto pra outro dia. Eu já fui um pouco nerd, vocês precisam saber.

Havia também umas dezenas de cartas de amores, estas coisas. Muitas eu não cheguei a abrir, mas não consegui resistir a abrir algumas delas. E uma delas eu não resisti à idéia de guardá-la, novamente.

Só guardei, também, aquelas das duas pessoas com quem eu ainda me comunico. Adeus, Fernanda, Marjorie, Márcio, Roberta, Mari Sakaki, Dani Kumada, Valmir, Leonardo, ....

Maior surpresa foi redescobrir os apelidos carinhosos trocados. Pinguinzão foi o mais surpreendente deles, pois eu realmente não me lembrava. O resto é silêncio.

E alguns escritos, poemas, poemetos e pequenos textos dos meus 15, 16, 17 anos! Muitos, isso eu encho a boca para falar, me encheram de orgulho. São bons. Pra idade, são bons. E não estão na minha "gênese": são inéditos.

Impressão de uma viagem a Ouro Preto, nos meus 17:

Esta cidade é uma delícia para descer de bicicleta.
Descer somente.

Autocomentário:

"Olhe só" disse lucas [sic] ao se secar e botar a roupa ainda dentro do banheiro "a gente muda". Mais tarde, ao pendurar a camiseta azul no espelho, de modo que não amassasse para o dia seguinte, ele se perguntou se este ato não teria nada de simbólico a contribuir para a sua mitologia. Tenho pena deste meu rapaz.

Pequena poesia; a letra indica os 15-16 anos:

O que é tão assustador
e atraente agora
é que você vai acordar
sozinho

Um dos meus
melhores defeitos
é não enxergar
poesia
na poesia

Você pode?
Me diga
as suas dores não serão mais minhas

Você me escreve, me enrola,
me dá um tapa, ou um fora
mas eu gosto
seu realce traçado no rosto
e assim eu esqueço todo o resto

Que nome dar? "Masoquista"?

Eram nove horas da noite, indo pras dez, e eu ainda de vassoura em punho, arrancando as pobres aranhas dos cantos mofados da parede do leste, quando me ligam e pedem a minha presença. Eu vou, tomo uísques aqui e ali, com adições indianas, e tenho uma boa noite.

Algumas ressecas minhas me deixam com uma paz de espírito deliciosa. Nesta, eu não sabia que Mariana tinha acabado de descer do avião logo que eu acordei. Vinda da Bósnia e Croácia depois de três meses, Mari me presenteou com uma barra de Milka dos Balcãs, na tarde noite e madrugada que eu, Liz, Kati e ela ficamos conversando longamente, muito de sexo tantra e estas coisas, tomando suco de vinho.

Falta aqui, porém, os dois arremates: um pertence ao futuro, o qual não ouso tocar, e o outro foi uma chuvosa e bela tarde de quinta-feira.

Tenho esta vontade de deixar as palavras correrem soltas, a encontrar quem ou o quê que lhes creia, sinta ou afague. Dá alguns problemas, mas vale a pena, no final das contas. Pois no final das contas há um fecho, para não deixar as pérolas caírem no chão, e no final das contas que palavra há de bastar?

Quinta-feira, depois do café, senti vontade de ler um trecho do "Memórias de Adriano", da Yourcenar. Aquele que fala da "nuvem vermelha de que a alma é o relâmpago".

Não conheço, fora do amor, outra situação em que o homem deva decidir-se por motivos mais simples e mais inelutáveis. No amor, o objeto escolhido deve valer exatamente seu peso bruto em prazer, e é ainda no amor que o amante da verdade tem maiores probabilidades de julgar a nudez da criatura. A partir do desnudamento total, comparável ao da morte, de uma humildade que ultrapassa a da derrota e a da prece, maravilhamo-nos ao ver renovar-se, cada vez, a complexidade das recusas, das responsabilidades, das promessas, das pobres confissões, das frágeis mentiras, dos compromissos apaixonados entre nosso prazer e o prazer do outro, tantos laços impossíveis de romper e tão depressa rompidos! esse jogo cheio de mistérios, que vai do amor de um corpo ao amor de uma pessoa, pareceu-me belo o bastante para consagrar-lhe uma parte de minha vida. Aspalavras enganam, especialmente as do prazer, que comportam as mais contraditórias realidades, desde as noções de aconchego, doçura e intimidade dos corpos, até as da violência, da agonia e do grito. A pequena frase obscena de Posidônio sobre o atrito de duas parcelas de carne, que te vi copiar nos teus cadernos escolares com aplicação de menino ajuizado, é incapaz de definir o fenômeno do amor, assim como a corda que o dedo faz vibrar não pode explicar o milagre dos sons. Essa frase insulta menos a volúpia do que à própria carne, esse instrumento de músculos, sangue e epiderme, essa nuvem vermelha de que a alma é o relâmpago.
Confesso que a razão permanece confusa em presença do prodígio do amor, da estranha obsessão que faz com que essa mesma carne, que tão pouco nos preocupa quando compõe nosso corpo, limitando-nos somente a lavá-la, nutri-la e, se possível, impedí-la de sofrer, possa inspirar-nos uma tal paixão de carícias simplesmente porque é animada por uma personalidade diferente da nossa e porque representa certos traços de beleza sobre os quais, aliás, os melhores juízes não estariam de acordo. Aqui, como nas revelações dos Mistérios, tudo se passa além do alcance da lógica humana.

terça-feira, 30 de agosto de 2005

Desfeliz

Aproveitando o mal-estar e o pessimismo e o jejum, estes que são os momentos em que penso mais, escrevo mais e sou mais desfeliz.

Digo desfeliz pois neguinho mal fala "infeliz" dona Maria já pensa em uma nuvem de lágrima sobre os olhos, testas franzidas, o solo proprício para o arrastar soturno, lento, frio e quase erótico, se não matasse, da melaina kholé.

Não vou, não vou, não vou explicar o que é m.k. Quem lê já sabe, quem não lê, mande um mail com sua foto de corpo inteiro, nu ou seminu, artístico por favor. Brigado.

Desfeliz é simplesmente o não-estar feliz.

Olhem só, então, que coisa engraçada: eu tenho um diário, um journal, um caderninho, minhas anotações. Durante anos e anos ele tem se contentado com quase tudo: relatos de encontros sexuais polêmicos, especulações metafísicas sobre a cor do sapato de camurça de Deus, momentos poéticos, sessão descarrego, enfim. Menos para a pura experiência pura, pois a pura experiência pura é pura, como todos e todas já o sabem, enfim.

Recentemente, de duas semanas para cá, eu tenho anotado, ou pensado em anotar, nada mais nada menos que as minhas "neuroses". Isto é uma coisa muito esquisita pra mim. Não se trata de, enquanto me quedo a delirar na cama, sonhando com alturas alcançáveis, porém demasiado caras, fazer um bom retrato de mim mesmo, para depois me contentar com o que eu penso que sou. Não; na leitura de um jornal percebo, de forma opaca porém presente, uma forma especial do meu "desejo", uma base de preconceitos e de paixões de longa data, um sentir especial que é ambíguo e tão presente.

A minhas preferências, as minhas historinhas pessoais, muitos dos meus scripts.

Espontaneamente.

Um trabalho psicológico de primeira pessoa excelente, e espontâneo.

*****

Para fazer um bom café é essencial, além de uma boa água, não deixar a água ferver. Deve-se podar, instantaneamente, toda tentativa de ebulição da água. A primeira bolha é o sinal.

*****

Falando em bolhas, Luciano, sabe quantas bolhas existem em uma garrafa de champagne, ou espumante produzido pelo método Champenoise? 240 milhões, se não me falha a memória. Será? Foi um estudo realizado por um físico, tempo atrás.

Greve na Federal

A assembléia dos professores votou, esta tarde, pela greve do corpo docente. Logo antes, depois do almoço, os estudantes votaram por greve estudantil. Estava lá e vi os dois e, por mais que me sinta instado, por mim mesmo, a participar, confesso que não me sinto feliz com a possibilidade, e também com o que eu vi, apesar de ser só o começo.

Tenho uma visão política essencialmente pessimista, e não me sinto bem participando de corpos políticos grandes, como partidos ou comandos de greve, quaisquer que sejam. Verificar, mais uma vez, que existe um considerável "abismo" ideológico e afetivo entre duas gerações, estudantes e professores, me desanima. O que sobra em algums, falta nos outros, e poucos são os que conseguem fazer uma ponte usável entre os dois.

A situação parece um pouco mais favorável que nas greves anteriores, contudo. Há um posicionamento mais forte de ambos os lados.

Dormi muito mal esta noite apenas três horas, estou com prisão de ventre, muito cansado, ansiando pela minha omelete com queijo da janta. Há uma nuvem muito feia lá fora, e o tempo está maluco, com possibilidade de ventos entre 60-100 quilômetros por hora. Ontem de noite, num calor de 30 e poucos graus, liguei o ventilador e deixei a janela aberta, para somente ter de fechá-la com o chegar do frio da madrugada.

Imaginem então a quantas não anda o meu pessimismo?

sábado, 27 de agosto de 2005

Tem um monte de pequenos pensamentos, pequenas coisinhas, associações de idéias, sensações virgens que passam uma vez só, e não costumam voltar mais.

Tenho certeza que muitas delas iriam fantasticar a vida de muitos leitores.

A velhinha de Taubaté morreu no dia 19 de agosto. Uma perda, sinceramente. Tava na hora também, né, 90 anos e tal; mas o que será do Lula agora? Do Lula e da meia-meia dúzia de presidentes cujo destino ele recusou, no seu discurso desta semana. Quase péssimo, por sinal.

Nagarjuna é um nome tão bonito, tão bonito, que eu queria me chamar de Nagarjuna. Quer dizer, queria colocar "Nagarjuna" na lista de nomes que eu queria ter, ao menos por um dia.

Comecei, novamente (já fiz várias vezes, ao longo da minha vida) a anotar sistematicamente os meus sonhos. Uma das coisas mais interessantes nos sonhos, além de uma certa reflexão metafísica que todo sonhador consciente deve se dar ao luxo, é que eles apresentam situações-problema nos quais se age da forma mais criativa possível. Isso é muito interessante.

Além, é claro, dos vários caras gostosos e inteligentes que povoam o meu mundo do sono.

Tem muita gente que sente dificuldade em dormir, em se entregar para a perda da consciência. Isto é algo que entendo, mas não entendo. Outros acham que dormir é uma perda de tempo, o que também entendo, mas não entendo. Enfim.

sábado, 20 de agosto de 2005

Incêndio no Mercado

Saindo da aula que eu não tive, sexta-feira de manhã. Acabado de ler uma matéria da CartaCapital sobre a bomba A de Hiroxima e Nagasaki. As mesmas histórias, os mesmos horrores relembrados quando fazem aniversário, para sensibilizar a memória de curto prazo das novas gerações.

Hiroxima é um horror tão grande que nunca pensei muito sobre o assunto e, quando penso, ou tento pensar, sinto os pensamentos escorrendo pelos ombros e indo embora. Guerra é guerra, e já se matou muito mais em uma ou tanta; o que pega é aquele mesmo papo, muito em voga nos anos 80, de que "pela primeira vez na história da raça humana podemos nos exterminar, aniquilar, desaparecer completamente por um produto de nossas mãos".

Carl Sagan, a cara dele. Ele dizia que essa é a nossa prova de maturidade: nossa espécie se dar conta disso. Depois, somente as estrelas.

Passei por trás do templo ecumênico, 8 e 40 da manhã. Olhei pro céu e, atrás dos pinheiros, atrás do morro da Serrinha, uma coluna de fumaça erguia-se. A lua cheia fica muito bonita atrás dos pinheiros, nas madrugadas de outono. A fumaça era branca, em cima, ficando mais cinza e mais estreita perto do chão, uns 700 metros totais de altura. Pensei que era uma queimada gigantesca no morro.

Só na hora do almoço fui descobrir que vi, de primeira mão, a fumaça do incêndio no Mercado Público. Minha irmã chorou; ela tem uma paixão por aquele prédio. Eu só lamentei a ignorância, mesmo. A fumaça preta era o resultado do incêndio de 68 lojinhas que vendiam entre roupas, vime e calçados baratos. Plástico e derivados de petróleo amontoados em um mezanino de mais de um século de idade. Parece que tudo começou numa lanchonete.

Na tevê, foi a cena mais manezinha que eu vi. Um cara de uns 50 e poucos anos, sotaque e camisa aberta de pescador, saudável e vermelho de sol, correndo pelas ruas, ajudando os bombeiros a trazer as pesadas mangueiras, que mal davam conta do recado. Prédios próximos foram percorridos em busca de mais mangueiras e extintores.

Ontem de madrugada passei pelo lado do mercado; ainda havia fumaça.

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Psicodelia dia-a-dia, parte I

Estou levando a vida que papai e mamãe queriam que eu levasse desde os meus 17 anos: acordo cedo, pego o busão, vou pra faculdade e, olhem só, até chego a gostar de estar por lá!

Correlações, contudo: estou fumando bem mais de um cigarro, por mais light que seja, por dia.

Não tenho mais dúvidas, porém, entre voltar pro aikido ou começar yoga. A última opção venceu temporariamente, depois de uma aula gratuita em que tive visões. O fator determinante, na realidade, foi o meu joelho, que certamente seria massacrado nas tentativas cotidianas de shikko, o andar ajoelhado dos samurais. As visões que eu tive tiveram apenas um pequeno valor estético, e se eu fosse joalheiro eu criaria uma coleção com lindas ametistas violetas.

Estou lendo três livros, e todos eles relacionados à trajetória do LSD nos Estados Unidos: Millbrook, The Varieties of Psychedelic Experience e Storming Heaven (todos disponíveis online, para os interessados). Muito mais complexo do que eu imaginava, além de mais interessante e mais sofridamente idiota, como todas as boas atividades humanas, quando olhadas de perto. Depois que comecei a retomar a minha literatura psicodélica, comecei a ter mais visões, sonhos e delírios oníricos por metro quadrado desde 1999, o que reforça a minha teoria de que a psicodelia e "estados alterados de consciência" têm um fator cognitivo-social-histórico muito forte.

E por hoje é só, que mais de meia garrafa de chileno obnubila estas minhas mãos de concha!

quinta-feira, 4 de agosto de 2005

Voltei

Quem é que está a ler-me, hein, hein, hein?

Principal; depois de ter ficado vários dias sem escrever aqui. Em outros lugares, quase sempre escrevo, embora não mantenha um interesse corriqueiro em portas de banheiros e demais sítios democráticos.

Ora, o que tenho de bom para escrever? Notícias aos amigos? Espero que eles as escutem da minha boca, mesmo, a não ser aquele lá, distante. Um dos que me lê.

(Estou com saudades...)

Que, aliás, criou o seu próprio site de textos, obviamente inspirado por mim. Já não era sem tempo. Os interessados no site mandem um mail para mim, com foto de corpo inteiro, e currículo universitário. As fotos vão para o Painel, e os currículos vão para o meu currículo, no exercício salutar do CTRL+C e CTRL+V.

Depois de ter tido um febre arcadiana, com vontades de campos, pastagens e uma vida mais simples, saí de Buenos Aires com destino a Foz, e de Foz fui para São Lourenço d'Oeste (este apóstrofo é charmosíssimo), onde passei três deliciosos dias úmidos, comendo a comida da vó, e assistindo documentários na tevê a cabo.

Em Foz fui, sim, nas cataratas. Havia estado lá, anteriormente, por volta dos meus 2 ou 3 anos de idade, sei lá quanto. Até hoje tenho comigo uma foto em que estamos, eu e meu pai, defronte à uma bela queda d'água. Linda foto; eu era um bebê muito fofo e loiro, de chupeta azul clarinha.

As quedas são lindas, me senti perto de paradisiar, se não estivesse com pressa, temeroso de perder o ônibus. Sempre a pressa, sempre a pressa. Somente a sensação de sentir aquela névoa de água flotante, um spray gigantesco me molhando até a medula e o hipotálamo, contudo, valeu a longa fila de turistas, a espera e os 12 reais e noventa centavos da entrada.

Agora estou de volta em Floripa. Esta cidade é, realmente, muito pequena. Um bom lugar para se passar uma vida tranquila, em família. Depois de sair da Argentina querendo voltar, volto pra cá desejando ter conhecido mais Buenos Aires. Mas isso é uma outra história.

Mesmo sem ter pego uma balada forte, ou ter conhecido os famosos gatinhos portenhos?

Mesmo. Conheci os famosos gatos portenhos, como dois postes o atestam; pero...

*****

Vida cultural bombando: filmes, filmes e mais filmes. Deliciosos filmes. Eu e minha irmã.

Taxi Driver, Mujeres al borde de un ataque de nervios, Casablanca, Bagdah Café, Sin City; tudo em uma semana. Tem dois que não me lembro o nome. Tróia vale somente pelo visual, e nem mesmo isso. Harry Potter e o caralho à quatro cuspi no chão.

E peguei a trilogia do Godfather, até domingo. Quem quiser me acompanhar mande um mail para mim, com a foto de corpo inteiro e atributos fisícos, psíquicos e sociais em duas folhas A4.

Sabem quem está sentado no colo de Vito Corleone, na primeira cena do Godfather I? A primeira resposta correta ganha um alfajor relleno a maní.

domingo, 17 de julho de 2005

Visita ao jardim felino

Mais gatos.

Visita ao Jardin Botánico: uma piada, mas uma piada até gostosinha, quando se pensa na contraparte carioca.

Mas enfim, eram árvores, era mato, era solo, era grama, embora eu nao conseguisse cheirar coisa alguma pois está um frio do caralho, aqui.

E eu que, no meio da viagem tenho tido antipatia pela idéia urbana, tudo que ela representa e suas respectivas baladas;

eu, que comprei Whitman em Buenos Aires e gemi de alegria e reconhecimento quando soube das preferências literárias de Borges,

nao podia reclamar muito, de qualquer mato que fosse.

Eram muitos gatos no jardim botânico. Dezenas de gatos quase selvagens, em grupos solitários no sol, lambendo-se na grama, caçando pequenas coisas no mato. Eles realmente dominam o parque, e entrar ali de noite deve ser uma experiência felina.

quinta-feira, 14 de julho de 2005

Gatos portenhos

Mais uma dos portenhos: gatos. Ontem de tarde fui passear pela Corrientes, em sebos, estas coisas, e praticamente em todos havia algum gato, daqueles peludos, velhos, quase cegos.

Na lojinha natural do restaurante vegetariano também tinha um, o "mesmo", e nao fiquei surpreso quando, na volta para o albergue, vi o "mesmo" lambendo-se todo em cima de uma máquina de xerox, em plena avenida 9 de Julho.

A gripe foi realmente fortíssima, e somente agora estou a melhorar um pouco, depois de dois dias de febre.

terça-feira, 12 de julho de 2005

Lembranças

E nada como relembrar o atentado em Londres, que só fui saber ontem de tarde, para reduzir inda mais o meu interesse por urbanices.

Nao sei se sao os meus recém 22 anos, mas me sinto tao velho E tao menino ao mesmo tempo. Deveria ter ido a um outro lugar, e nao a Buenos Aires, agora.

Me sinto muito ridículo por haver criado raízes tao profundas em Florianópolis, para entao esquecer que eu as criei. Um outro eu, na verdade, mas eu. De qualquer maneira, os dias vao e vem, e meus medos de menino (e sao sempre de menino, os medos) misturam-se, jogam e tramam em si mesmos, uns com os outros.

É o mesmo com as ânsias; dois pesos, duas medidas.

Por falta de uma palavra disponível (uma boa disponível, que é zen, tem conotaçoes dantescas, como ando percebendo em conversas com os meus amigos), este estado de atençao sobrepairante (empréstimo psicanalítico) é interessante e... quixotesco.

Encontrei uma ediçao completa do Don Quijote por 19 pesos.

Buenos Aires

Incrível o número de cafés, de parrilladas e de medialunas aqui em Buenos Aires.

É basicamente isto que eles comem; um monte de carne, muita manteiga. As panaderías fazem um ótimo trabalho, devo confessar.

Assisti hoje, por 5 argentinos, Antígona, num teatrinho de uns 30 lugares. Fiquei feliz porque, sendo a primeira vez que via Antígona (nem havia lido Sófocles), nao me restou muito estranhamento com o castellano falado. O texto nao era original, podia-se ver claramente; havia umas modificaçoes. Agora estou vendo o texto original.

Buenos Aires me parece muito, mas muito com Sao Paulo, descontando o fato que em Sao Paulo me sinto em casa, e aqui nao. É o meu terceiro dia aqui e, sinceramente, nao estou realmente adorando.

O albergue em que estamos hospedados, Lime House, é sujo, barulhento, cheio de gente de muitos lugares. De cara nao gostei dele; todos aqui o consideram meio funky, mas agora fiz as pazes. Barato: 16 pesos por dia.

Descobri que o câmbio constante de línguas me faz perder a fluência do inglês, mas a do castellano continua melhorando.

Antes de Buenos Aires estivemos no Uruguai. Desculpem-me os uruguaios, mas detestei aquele país e nao quero voltar novamente, muito menos para Montevideo. Se tem cidade que eu nao gostei, foi de Montevideo. Estava frio de rachar, o que nao é ruim em si mesmo; mas o pessoal todo era terrivelmente antipático. Fomos assaltados lá também, mas fizemos por merecer. Depois de Montevideo fomos a Colonia del Sacramento, uma cidadezinha pequena, de onde saí com o cheiro de parrilladas até o osso. Adorável, de qualquer maneira, ficamos num albergue delicioso, y me quedé muy borracho en sus calles. A parte histórica era linda. E creio que isto era tudo para se ver no Uruguai.

Pegamos o Buquebus, a balsa, até aqui. A balsa era muito kitsch.

Umas das coisas que me deixa de muito mal-humor aqui em Buenos Aires é que, nas baladas, ou tem-se de saber exatamente onde vais, exatamente, e nunca se sabe quando vai poder entrar ou nao. Tentamos a entrada, neste sábado, numa disco (indicaçao do carinha do albergue) que parecia muito boa; falamos com o segurança-armário da porta, e ele simplesmente falou que nao podíamos entrar. Wrecked Machines ia tocar no Niceto Club; fomos lá eu e William, e voilà: nao tocou. Fomos a Palermo, atrás de uns bares com drum'n'bass, outra orientaçao de outro cara do albergue, e voilà: todo cerrado.

Estou perdendo minha paciência com esta cidade. Ao menos, os passeios turísticos normais sao muito belos.

A feira de San Telmo, por exemplo. Com uma feira desta nao tem, sinceramente, como uma pessoa nao fazer um estilo proprio. Eram milhares de quinquilharias e preciosidades, desde pregos enferrujados até Baccarat, de vitrolas tocando Gardel a coleçoes de caixinhas de fósforos antigas. Jóias, roupas, chapéus, acessórios gaúchos, regionais.

E o pouco que vi de tango, na rua mesmo, foi suficiente, por ora. Lindo. Era impressao minha ou a mulher ficava olhando-me fixamente?

Tenho ainda mais uma semana, dentro do meu cronograma. Descontando a fortíssima gripe que peguei, o que me deixa temporariamente desabilitado para beber ou sair de noite (amanha é sempre outro dia), muitas coisas mais virao.

Só sei que, se morasse aqui, ia viver tomando vinho. Nao é nenhuma França, mas há muitos vinhos aqui, na faixa dos 4-6 pesos, que sao incomparavelmente melhores que os vinhos do mesmo preço no Brasil. Os mais caros, contudo, custam o mesmo.

sábado, 2 de julho de 2005

Não ter net em casa, ficar dependendo de amigos para ver orcutes e coisas mais, é uma situação que dispõe a um monte de coisas, menos escrever tópicos & tópicas interessantes num blogue.

Fiquei contente por ver, ontem, dezenas de poesias incompletas numa gaveta da minha mesa. Tenho o que escrever. Aliás. A palavra "contágio" está reboando em mim faz tempinho; sim, Madalena, foi "Mil Platôs" que eu li.

Vou para Buenos Aires em breve e estou excitado e ansioso.

sábado, 18 de junho de 2005

Estranheza

Depois do meu encontro espírita domingo passado, de madrugada

(eu dando a minha famosa caminhada - eu me perfumo e faço a barba para ir caminhar na BeiraMangue, vejam vocês - paro pra fumar um cigarro, o segundo do dia, e lá me vem um cara se alongar. Puxamos papo, papo clássico de abordagem ao Desconhecido Jovem da Madrugada - "qual o seu signo? você parece carente; dá de ver por você" - e não sei como o assunto descamba pra uma coisa mística espiritual o caralho de todas estas coisas aí a quatro - "eu que vim aqui te cantar saio elevado espiritualmente", diz ele)

segunda de manhã acordei às sete da manhã. E tem sido assim até hoje, sábado.

Falei pra minha mãe que eu realmente não me entendo mesmo.

Creio que esta semana fui levado até um dos extremos da minha visão de mundo - ou seja, de uma forma de hedonismo por mérito - e vi que, como visão de mundo, uma hora ela se esgota e só deixa o vazio, este que nem chega a ser cotidiano.

Tomei um dia para mim, para fazer justamente nada. Não falo de deixar de fazer as coisas que eu penso que deveria fazer, como ser cordato, gentil, inteligente e bonito, ainda por cima, mas sim de fazer nada mesmo - estritamente o necessário para não ficar inconsciente (aí tive de fazer o corte epistêmico).

Percebi então que a minha vida é um passar-tempo, por mais "honorífico" que possa parecer. A princípio fiquei um tanto quanto vazio, mas para quê isto? No momento, não me sabe nem bom ou nem mau.

Shortly thereafter, li "O estrangeiro", do Camus. Gostei do livro de saída, por ser pequeno. Li de duas sentadas (levantei para o café), e no final do livro estava sentindo tudo meio leve, enevoado. Puta livro bom. De tão bom, vou esquecê-lo e ler depois de três semanas. Peguei uma vontade de não tocá-lo mais.

E depois eu li "O processo", do Kafka. Outro livro bom que não quero tocar nem com a ponta das garras do Gato. História ao mesmo tempo tão irreal e tão real.

Vou tentar parar de ler, prometo. Só coisas leves, frugais, imberbes, como Júlia e Sabrina. Hoje corri, pela primeira vez em três semanas, e fiquei muito contente por não ter perdido o meu fôlego primário antigo. Final de semana passado fodi bastante. Fui o primeiro homem de alguém, o que me deixa sempre num misto de euforia, enternecimento e cuidado.

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Ócio

Ócio, bons momentos de ócio. Incompreensível para mim e para outros, embora precioso e necessário.

Daqui a pouco termina, de qualquer maneira.

paracetamol e fenilefrina:
uma boa maneira
de morrer na esquina

(esses remédios de gripe me deixam dopado: quase fui atropelado, de leve, hoje)

domingo, 5 de junho de 2005

Completa, amanhã, uma semana do movimento estudantil contra o aumento da passagem de ônibus, aqui em Floripa.

Até agora vi a situação somente pelo ponto de vista de relatos e discursos: mídia, colegas, rádios. Amanhã irei dar uma olhada ao vivo, mesmo do ponto de vista de espectador. Preciso conferir pessoalmente o que é, aos meus olhos, que está acontecendo.

Apesar de atos de vandalismo de terceiros, de catarse e demais "movimentos de massa", da falta de informação e de engajamento de muitos, e de todos aqueles pirralhos que acham que aquilo, sendo divertido, é a maneira mais autêntica de "protesto", tenho certeza que,

se as reinvidicações forem bem-sucedidas neste exato momento da política do município, tal movimento arrendará uma voz política de verdade, perto das eleições para governador. Qualquer coisa neste sentido que aconteça aqui, em Florianópolis, por mais baderna que contenha, é muito bem-vindo, na minha opinião.

Esta cidade que quase morre, por falta de ar.

*****

Saí, definitivamente, do meu curso de psicologia, depois de bons e ruins quatro anos e meio. Um pouco transtornado, mas uma decisão bem tomada; época de negociações com as várias partes.

terça-feira, 17 de maio de 2005

Guia de Latim do Leitor Desavisado

Para o leitor desavisado, que pretender ler a deliciosa poesia de Catulo, ao pé do ouvido da pessoa que bem querer e desejar, aqui vai o Guia de Latim do Leitor Desavisado.

A pronúncia restaurada é como os estudiosos da atualidade pensam que era pronunciado o latim erudito, na época dos césares (e na velha república, também, época de Catulo). A importância dela? Bem, sei lá; mais para fazer grande figura, uns aos outros, nas leituras de Cícero, talvez.
Brincadeira: é importante no estudo de fonologia e de filologia. Muitos sons não existiam no latim daquela época, como o tal de j ("jáctabit audácia", no dizer do meu Ludus Secundus). É iactabit audacia; audaKia, para ser mais exato. Sem acentos, que o latim tem vogais duplas, e não acentos em si.

- c tem o som do nosso k, sempre. Jamais o som de s. Cicero é um exemplo clássico: por mais estranho que possa parecer, é pronunciado Kikero.
- g (ge, gi) é sempre pronunciado como gue de Guevara/ gui de "guia", e não como "je", de gerânio/ "ji" de gilete.
- o som de v não existia; acréscimo posterior. Todo v que ainda possa encontrar é, na realidade, um u. Os textos mais modernos já fazem esta substituição, com exceção das maiúsculas, que são sempre V (pronunciadas como u). Viuit, "vive"; uiui. Valerius (VALERIVS); Ualerius.
- qu é como se tivesse trema, jamais com o som de k. Quemquem fica parecendo um pato grasnando.
- r sempre soa como o italiano "amore"; nunca como "rua".
- s, sempre como "sapo", "cera", "cima", "some", "surucucu".

Como dito anteriormente, o latim se baseia, como o grego, na duração das vogais na métrica poética, diferentemente de nossa poesia que se baseia nas tônicas.
No verso de Catulo,

uīuāmūs mĕă Lēsbĭa. ātque ămēmŭs.

o ā é longo e o ă é curto, e a métrica é feita em cima disto.
Existem algumas regras para aprender onde vão umas e outras, mas são chatas, e não quero dar uma aula.

Lendo um pouco de erótica

Estou me divertindo fantasticamente com a nova comunidade que criamos no orkut, a Sociedade dos Putos de Espírito. Não me sobra muita... criatividade para escrever aqui.

Nem quero escrever, mesmo.

Li, depois de amargar mais de um mês de namoro platônico (eu não podia gastar... 19 reais!), o Delta de Vênus, da Anaïs Nin. E tenho de concordar com a tese de que a história toda de um colecionador que a pagava para escrever, que ela teve de se render à descrição do "sexo puro, sem filosofia", a pedidos, apesar de todos os puxões de poesia, de que eram os primeiros passos de uma mulher em um território dominado pelos homens, e coisas afins, seja mais mentira que verdade. Não me parece.

Hão alguns, verdade, que chegam perto do burlesco e do kitsch (e, mesmo assim, dão tesão). Porém, ao terminar de lê-los todos, num rompante de mais de quatro horas na madrugada de ontem, não posso crer que aquilo é Anaïs escrevendo erótica quase como pornografia pura, principalmente depois de "Elena", o mais longo dos contos. "Elena" é fantástico; fiquei fascinado, como um inseto enredado numa teia, vendo a aranha dançar.

Procurei por Burroughs aqui na biblioteca, mas o volume deve ter sido surrupiado, como um entre sete. Fiquei curioso para lê-lo.

Encontrei o Neuromancer, do Gibson, que estava mais curioso ainda. Finalizei com Bachelard, A água e os sonhos, por recomendação de um amigo meu.

segunda-feira, 16 de maio de 2005

Catulo

Gaius Valerius Catullus.

Das tantas incertezas que rodeiam Catulo, uma delas se refere ao seu nascimento. Acreditam que tenha nascido na Gália Cisalpina - provavelmente Verona - em 84 a.C. Maiores especulações rodeiam a sua morte: talvez 54 a.C.; não há referências suas a eventos depois de 55.

Filho de uma família abastada (seu pai era amigo de Júlio César), teve acesso à educação que um jovem em seu lugar teria. Com isto, também, o que era esperado: vida política, ao que imagino que tenha sido constantemente empurrado. Muda-se cedo para Roma, que faz de sua casa para o resto da curta vida.

O que lá fez, não se sabe. Sabe-se, sim, que entrou no high society romano, onde conheceu quem seria a sua Lésbia, a sua musa de poemas líricos, satíricos, obscenos. De tanta dor e prazer.

Alguns poemas vão, de uma forma especial, para um tal de Juvêncio.

Numa época em que os melhores poetas eram aqueles que escreviam, épica e didaticamente, para Roma - senatus populesque -, Catulo era tido como um dos poetae novi, os neotéricos; escrevia para si e seus amigos, usava da linguagem coloquial, ao mesmo tempo que abusava do helenismo aprendido na escola. Versos urbanos e sofisticados de um jovem inteligente - e um tanto abusado, também.

Aceitou, durante um ano, um cargo no governo da Bitínia, entre 57 e 56 a.C. Não prosseguiu adiante.

O que nos é conhecido como a sua obra vem de um único manuscrito que sobreviveu à Idade Média, achado no começo (e perdido no final) do século XIV. Duas cópias deste manuscrito foram feitas, e uma delas se encontra preservada até hoje.

domingo, 15 de maio de 2005

Basho

Matsuo Basho, 1644-1694.

Samurai, depois da morte de seu suserano vira ronin, samurai sem suserano, com 23 anos de idade. O que ele pode fazer? Vai para Edo, atual Tóquio, trabalhar no funcionalismo.

Superintendente de águas, o que provavelmente era um cargo de responsabilidades, num Japão agrário. Não fica muito tempo. Vira professor de poesia, poesia esta que aprendeu, juntamente com o treino zen, num mosteiro; disciplina espiritual digna de um samurai.

Teve aproximadamente 3.000 discípulos; no Japão, poetas têm discípulos. Versado nas artes (do) da espada (kendo), do arco (kyudo) e conhecedor e apreciador do chado, inaugura o caminho da poesia (haikudo?), através dos seus belos haikais, continuados através dos seus discípulos/aprendizes.

Escreveu vários diários de viagem. Estes diários, nikki, são um tipo de literatura muito apreciados no Japão. O mais famoso deles, Oku no hosomichi, é a viagem de 156 dias que empreendeu, com um discípulo, nos caminhos do norte. Tinha ele 46 anos.

Ponto alto da viagem: santuário de Ise, xintoísta, dedicado a Amaterasu Omikami, a Deusa do Sol. Dois templos que são reconstruídos a cada 20 anos desde 960 d.C.

Basho é bananeira, a planta que considerava mais bonita. Uma delas permanece do lado do seu túmulo, às margens do lago Biwa.

sábado, 7 de maio de 2005

Sonhos

Tem sido dias, estes últimos, de devaneios oníricos profundos. Como é chamado aquele momento entre o sono e o acordar, em que muitas pessoas experimentam delírios tão reais? Estado hipnagógico? Pois, tenho redescoberto o tal estado hipnagógico, o que tem me levado a reconsiderar algumas questões sobre teorias psicanalíticas, o que não vem ao caso agora.

Três dias atrás tive um sonho... como dizer... desconcertante. Não digo medonho, nem assustador, mas foi um sonho com um toque de amargo na língua; algumas coisas boas sabem a ressaibos amargos. Sonhei que estava em minha cama, deitado supino, entrecoberto por um edredom, desnudo na parte de cima. Brincava com um bebê, um bebê nos meus braços, um menino, ao que me parece. Uma fofura de bebê. Balanço ele de um lado pro outro e, numa dessas, percebo algo de errado com a mãozinha direita dele. Viro-o e olho, assustado, que ele era maneta; não tinha a mão. Tinha uma cicatriz em forma de estrela, uma estrelinha vermelha e tão fofa quanto o bebê. E então acordo.

*****

O meu colchão velho, finalmente, foi embora. Entrou um novo. Depois de um ano de negociações absurdas com MãeMãe, tenho um colchão novo; um colchão de densidade 28, um colchão de gente, um colchão em que posso dormir e acordar sem a sensação de ter sido esmagado por 27 tartarugas galápagos.
Subi com ele rumo ao meu leito, desembrulhei-o com uma devoção e um refinamento espontâneo de gestos, vesti-o com o meu lençol verde-bebê e deitei.
Cada músculo de meu corpo começou a relaxar.
Paraíso na Terra.

O meu velho colchão agora pousa, inerte e na vertical, na parede do porão do prédio. Penso nele, agora. Colchões são objetos fantásticos, em termos de simbologia; pensem nos seus colchões, leitores, e na vida inteira que passam em cima deles, sem o saber.
Desconto, claro, a vida que passo em cima dele, sabendo. Devo dizer, contudo, que por vários n motivos, principalmente familiares, o meu colchão velho não presenciou muitos embates amorosos de deixar marcas, ou cenas de fofura fofuríssima. Posso contar nos dedos das mãos; sempre preferi o colchão (chão, tapete, etc) alheio. Neste colchão novo, espero, as coisas serão diferentes.

*****

Fiz as pazes com minha irmã; tive de. Ela chegou em casa com um embrulho de jornais fechadíssimo, e falou que era a nossa janta. Era para ser um dos presentes de Dias das Mães, mas MãeMãe nos privou de sua presença; foi ao espaguete da vizinha. Paciência. Os camarões que fritamos no ái-ói, de Laguna, tinham acabado de chegar; fresquíssimos. No primeiro naco, a diferença marcante; o mar em minha boca. Comer camarões congelados é chupar bala com papel.

*****

Coisas incríveis têm acontecido ao meu redor.

Eu ainda não vou explicar nada disso, mas digo que rio e choro com o diafragma, de qualquer maneira.

Aforismo recém-descoberto, de tão óbvio.

quinta-feira, 5 de maio de 2005

Levante

A maior sacanagem com a vida intelectual, acadêmica ou não, brasileira, é o calor. Pode ser, pode ser que esteja fazendo uma daquelas absurdas reduções antropológicas que todo bom antropólogo faz;

mas estudar com 35 graus à sombra, ninguém merece! Agora que começa a esfriar paulatinamente, em supetões, percebo o quanto é bom e importante não suar, não ficar com calor e todo melado, fedido, rezando pra Deus e mais meio panteão uma hora pra ir pra casa e tomar um puta banho frio... agora percebo que posso ficar um dia todo arrumado e condizente com o convívio social que a vida de facul me pede. Também posso comer mais de meio quilo no almoço e ir pra aula numa boa: o máximo será uma sonolência gostosa que aproveitarei, metido no meu casacão batido.

*****

Sentei-me, ontem, com o meu poema que comemorará dois meses de incompletude; comecei a escrever, um poema crucial, que terminei, reli, e achei uma merda. Sentei-me com ele ontem, na madrugada, depois de duas horas de um sono muito repousante. Peguei os dois dicionários, de sinônimos & analógico, fiquei trocando algumas idéias e palavras, reconstruí as duas primeiras estrofes. Passei para a segunda parte do poema: suei em cima de duas estrofes que faziam um jogo muito interessante entre o mar e a lua, mas que pareciam ter nada a ver com a idéia do poema; fui ao final, versifiquei algumas coisas, troquei as falas do velho (nome provisório do poema: senex; "um velho, um velho vive em mim"), recitei-as para mim mesmo, estranhei este velho, voltei pro mar e pra lua, estava prestes a apagar as duas estrofes quando uma palavra, somente uma palavra, se insinuou na minha cabeça:

Levante.

Glória e hosana, amém! Era exatamente esta figura que eu precisava; o Levante, o Siroco, o Vento Sul. Ventos, ventos, ventos, eu preciso de ventos naquele poema! Que coisa louca estas inspirações repentinas, e mais louco ainda quando elas servem como uma luva naquilo que quero e preciso...

Agora estou aqui na net, pesquisando sobre climatologia e afins.

segunda-feira, 2 de maio de 2005

Fuga

Fui pra Mogadíscio; volto jamais.

Enquanto que acadêmicos (23 argumentos a favor, 8 contra) tiveram seu pedido de cursar, de maneira diferente, uma disciplina que envolve o uso e o desuso póstumo de 20 cobaias por semestre, na clássica repetição de experimentos clássicos na questão de condicionamento, extinção e recondicionamento, pelo colegiado; enquanto que colegas continuam a abrir perspectivas de futuro próximo - uns viajarão para Sampa, Bósnia, Argentina & Estados Unidos; enquanto que minha mãe continua a ler Julia e Sabrina e seu único comentário com relação a quase tudo envolve crianças; enquanto a outra mulher da casa, minha irmã, se emociona com a sua recente ligação edipiana com um gato (o "meu" gato, o "meu" bebê; perspectivas de alucinações psicanalíticas? infelizmente não, e a neurociência tem as respostas); enquanto a ligação virtual Brasil-Israel se fortalece, com perspectivas de comemoração antecipada do centenário de nascimento de Albert Hoffmann; eu

- me embebedo e esqueço de muitas coisas. Me vesti de melindrosa nesta sexta, o que acabou sendo conhecido como "Hilda Furacão". Se alguém tiver fotos, agradeço.
- perco meu celular com todos os números de contatos promíscuos. Tenho de fazer BO pelos documentos, e ficar uma semana (na perspectiva otimista) sem poder sequer tirar a minha moto da garagem. Fortunas em ônibus, que poderiam ser melhor gastas com amendoim.
- não tenho mais conseguido acordar de manhã, o que aumenta o meu desespero, e os pensamentos subsequentes: devo reconsiderar a partida da UFSC rumo a um curso noturno, porém particular? meu colchão velhíssimo me faz tão mal assim? Aceito sugestões, mas não ofertas de ajuda.

O mecenato realmente acabou na Renascença?
Eu vou ter de procurar, novamente, um psiquiatra?

sexta-feira, 29 de abril de 2005

Catulo

Não é à toa que, falando de impotências e coisas que não sobem, me lembro do meu tesudo Catulo, em mais um dos poemas, este à Ipsitila...

XXXII. ad Ipsicillam

AMABO, mea dulcis Ipsitilla,
meae deliciae, mei lepores,
iube ad te ueniam meridiatum.
et si iusseris, illud adiuuato,
ne quis liminis obseret tabellam,
neu tibi lubeat foras abire,
sed domi maneas paresque nobis
nouem continuas fututiones.
uerum si quid ages, statim iubeto:
nam pransus iaceo et satur supinus
pertundo tunicamque palliumque.

"(....) agora, deitado, depois de um bom almoço,
começo a perfurar minha túnica e meu manto."

Les herbes chinoises

Rolam histórias apócrifas, ditas em baixo-tom e discretamente, sobre ervas chinesas anônimas que nos fazem levitar e porejar prazer por todos os poros. Oh, céus...

*****

Estou me sentindo como um homem com impotência: não consigo escrever nada que preste. Tentei ontem uma poesia que envolvia vitrais góticos e a luz coralina pela/para a lua, mas saiu uma merda tão grande, que antes mesmo que eu pensasse "ay, estoy fodido", apaguei num átimo, não sem um suspiro.

E não há viagra nem levitra que resolva. Nem bomba de vácuo, nem anel peniano, nada, nada disso.

(E se tivesse seria demais pro meu orgulho, não é mesmo, minha gente?)

Acho que, depois deste poste em que humildemente exponho os meus problemas de escrita com mais escrita ruim, mereço entrar para o rol antigo de escritores amadores temporariamente falidos. Ao menos ainda me considero um escritor.

segunda-feira, 25 de abril de 2005

Electroclash

Dói, novamente, andar de moto neste frio cortante.

Para uma alma ascética não-confessa, contudo, isto chega a ser um gozo único.

*****

Tenho pensado bastante nos meus amigos, ultimamente. Também tenho conhecido uma pá de pessoas diferentes, por iniciativa própria. Os dois fatos estão relacionados. Estou conhecendo pessoas em ocasiões com controle da situação; quase como um contexto fechado, experimental. E são sempre encontros únicos, em TODOS os sentidos que a palavra pode assumir. Únicos de vivências, de possibilidades, e de ocorrência.

Daí então me quedo sem vontade de ter de me "explicar"/mostrar novamente para pessoas que mal acabaram de me conhecer, e cuja continuidade é tão fugaz. Conhecer & gostar é confuso e demorado, nada experimental. No final das contas sempre me vejo feliz a visitar os meus amigos, que me conhecem até melhor do que eu mesmo, algumas vezes.

Pra quê eu tenho de me mostrar? Não sei, acho que tenho pressa.

*****

Electroclash é uma delícia. Na onda do Party Monster, que assisti e gostei, desci no Kazaa e baixei umas trocentas coisas, entre Ladytron, Felix Da Housecat, Vitalic e Miss Kittin.

Ay meu Yamaha!

Uma delas até tem arranhãozinho de vinil.

Em outra onda, escuto La Llorona, que escutei no Frida. E ontem vi o Vol. 2 do Kill Bill e gostei. Tarantino é demais, não tenho comentários.

sábado, 23 de abril de 2005

Covardia

Conheci, esta quarta-feira passada, a concubina de uma amiga minha. Concubina entre aspas, certo; está morando com ela. É alta, morena, tem a pele do rosto e do pescoço suave como pêssego, e parece um menino para quem olha de primeira. Bermudão, corrente no pescoço, cabelo curto; um tesão.

Ora, as duas saem da Concorde, atravessam a rua pra pegar um táxi, e se postam na esquina. Neste momento vem um carro rápido, e tudo muito rápido, esta guria recebe uma pancada de um bastão, algo assim, do pessoal de dentro do carro. Braço esquerdo, parte das costas; ela cai na hora, e minha amiga só pensa em socorrê-la. Ninguém anotou a placa, ninguém sabe, e ninguém vai saber, a não ser estes covardes.

Este alguém é filho? É pai? É irmão? Este alguém chegou em casa e dormiu um sono bom?

Se fosse alguém mais baixo e menos forte, uma pancada desta na nuca arrombaria, decerto. Estou chocado, e não sei o que dizer, principalmente depois da minha noite de ontem.

Maldita cidade provinciana, e malditos os seus filhinhos de papai.

sexta-feira, 22 de abril de 2005

Pessach

Aye, sacrobosco!

Depois de ver, em Frida, tequila saindo de torneiras, tequila sendo usada como panacéia, tequila sendo pronunciada com sotaque mexicano e americano... encontrar uma garrafa de Jose Cuervo amarela na adega paterna é prenúncio de dias melhores.

Diz-se que tequila & cerveja é "o paraíso, a felicidade pelo resto da noite". Eu digo que circunscrever esta felicidade para e pela a noite é arbitrário. No final das contas eu duvido, por não ter provado desta felicidade; duvido e dum spiro spero aquele que me desduvidará.

Eu somente na vodka, que me manteve leve e sublime e radiante para presenciar a puta canalhice de uma falta de profissionalismo de um tal "dj" Mau Mau, que iria se apresentar na Concorde esta quarta. Bem, confesso que foi divertido, de qualquer forma;

ao menos não tenho que sair para a balada com o agradável pensamento de que os "homens da bomba" podem vir a se apresentar em uma danceteria de Tel Aviv. A festa do Pessach começa, para minhas amigas israelenses, no final deste shabat; a fuga dos hebreus do Egito, uma pá de tempo atrás. Chag Pessach Sameach!

Feriaduuu... comemore!

Feriados são ocasiões interessantes para duas coisas: botar todas as coisas em ordem, ou desdenhar a ordem e trazer mais caos, a ser encarado com mal-estar na segunda feira.

Diz-se que a segunda-feira é pior dia da semana; discordo. Afirmo que o momento mais trash de toda a semana é o domingo, principalmente à noite. Nada melhor, então, do que uma boa caminhada de madrugada, com a recém-chegada concessão de um pouco de frio nestas terras meridionais.

Ganhei duas botellas de meu pai. Duas santas, Helena e Carolina. Duas santas no armário. Ah, este frio promete!

Luciano, que é que tu vais fazer com a tua beleza?

segunda-feira, 18 de abril de 2005

Abril

Enquanto caminhava na madrugada, escutando vozes inexistentes e vendo vultos humanos feitos de recortes de sombras míopes, tomei uma decisão muito interessante e gostosa.

Começa a esfriar; mais dias de aclimatação, mais dias de frentes frias e vento sul, e mais dias de céus azuis anil. Abril, além de ser a época gloriosa em que eu saí, capixaba, de dentro do útero da minha mãe, é a mais linda parte do ano. A mais fértil em encontros, em conversa de pé de ouvido, de pé de mesa, ao pé da serra. Em dois meses veremos nevar em Urubici; glória e hosana.

Até lá decidi que lerei Italo Calvino, Jorge Luis Borges e Graciliano Ramos.

Em escala menor, quero o que resta do Neruda e da madame Hilst.

Também revisitarei a receita de frigideirada de castanha de caju verde em Tieta.

sábado, 16 de abril de 2005

TPE

A Teoria das Personas Enológicas foi proposta inicialmente por um grupo latino-americano de pesquisas psicanalíticas, com ampla base de dados neurológicos e psicofarmacológicos. Ela propõe que o conjunto de fatores organolépticos, inclusos também os fatores ambientais (terroir, aclimatação, safra, acondicionamento, manuseio, prováveis fungos), em interação com um substrato neurológico específico (como o seu, leitor), resulta em um fenômeno psicológico denominado de "embriagez persona-motivada", cuja descrição é feita então em bases psicanalíticas, com especial ênfase na "clínica do real" lacaniana.


Os vinhos bons têm personalidade. Alguém já percebeu?

Para tornar mais clara a explanação, remeto a uma outra coisa engraçada, que me acontece com frequência. É a difusão de sentimentos, nada mais do que, ao estar com pessoas alegres, a probabilidade de seu humor melhorar é muito grande, mesmo sem nenhuma razão aparente.

(Tem gente que chama isso de vibe, imagina...)

Algumas vezes esta difusão assume um caráter tão proeminente, que chega a estranhar. Falando em termos mais... poéticos, sou "tomado" pelo que "os outros" estão sentindo, um tanto quanto não-intencionalmente, em várias gradações.

Muitas vezes, quando tomo vinhos bons, sinto que sou "tomado" por ele também. E o que eles me trazem costuma ser consistente, com base na minha pouca-a-média experiência de degustação, de acordo com o tipo de uva, lugar, blábláblá.

Most amusing thought, most amazing thing.

Ontem foi o Santa Helena, borgoña de 2003. Speedy & rushy; vontade de mover montanhas para ir atrás do que eu quero. Meia garrafa.

quinta-feira, 14 de abril de 2005

shabat



Judeus ortodoxos impedindo a passagem do ônibus em Ierushalaim. Era shabat, o motorista não devia trabalhar...

Amenidades

Ontem eu tive o meu primeiro "reflexo" de vômito na terapia. Isso quer dizer que, vchorando e soluçando e expirando com força, uma hora me deu vontade de vomitar, mas vomitar nada, que eu não tinha coisa alguma que vomitar.

Tá, tá, eu sei que não é uma coisa assim... linda de se colocar aqui na net, mas me impressionou de tal maneira, que não posso deixar os meus ávidos leitores sem este detalhe crucial.

Aliás, um dia eu ainda gostaria de me ver do exterior em três situações: num orgasmo, tomando banho e tendo estes turbilhões emocionais terapêuticos. São muito expressivos, creio eu.

Eu tenho, pessoalmente, um péssimo hábito que não vai me ajudar muito, no futuro. Tenho o hábito de achar que as pessoas não são totalmente sinceras no que dizem sobre o que fazem, e só me convenço de que certo tipos de coisas realmente acontecem quando eu passo por uma coisa destas.

Um exemplo? Até hoje eu não me convenci que as pessoas têm alucinações vívidas (como o caso Scottiano da mulher-que-via-a-cobra, e andava armada pra se protejer dela. E a a cobra ia com ela no carro, etc.) Intelectualmente eu "sei" que é verdade; mas não tenho convicção. Justamente pelo fato de que eu nunca tive uma.

O meu grau de empatia chega a ser nulo, algumas vezes (e não é quando eu estou com fome).

sexta-feira, 8 de abril de 2005

Tilo?

Não contei da história de Tila, a magérrima gata de uma noite de domingo? Então, Tila havia desaparecido, quando cheguei em casa. Esta era a história de 47 minutos de escrita (incluídas algumas considerações sobre a vida, em geral), que se perdeu com uma péssima conexão.

Tudo bem; a vida passa, Tila passa, e desejei de coração que alguém tenha pegado ela, e esteja cuidando com muito carinho.

Porém estas coisas sempre vêm em pares. Dois dias depois, um casal de pequenos gatinhos apareceu, muito casualmente, no nosso prédio. Passaram a tarde inteira miando, brincando e correndo pra lá e pra cá. Achei engraçado estes gatos todos ao meu redor.

Quando cheguei de noite, desci pra comer uma coisinha gostosa. Voltei e lá estavam eles; um branco no peito, todo rajado de escuro nas costas, e um outro cinza, um pouco rajado de um cinza mais escuro, com grandes olhos azuis, pupilas imensas, assustado. Minha irmã apareceu na janela, eu peguei o gatinho, levantei como um rebento perdido e gritei:
"Olha, Mari, que coisinha mais linda!" (sim, exatamente com aquele tom quase tatibitati...)

Mas não, não, não podia ficar com aquele gato! Oh, D'us! Oh!

Subi e comi. Não gatos. Não.

Foi então que, mais tarde, relaxado no sofá, minha irmã desce pra comer uma coisinha gostosa. E ela demora pra subir. Quando eu olho pela janela, está ela com um guri que me pareceu interessante. Desci.

Não gatos. Não podíamos ficar com eles. Que é que mamãe dirá? Oh!

O guri levou os gatos para casa, então. Nos olhos de minha irmã, porém, pude ver uma breve chama do instinto maternal, que leva dezenas de milhares de jovens de 18 anos a ter bichinhos, tamagotchis ou namorados.

Para encurtar, o cinzinha de olhos azuis (a coisinha mais linda) veio para nossa casa, dois dias depois. In memoriam ao primeiro gato, demos o nome de Domitila, vulgo Tila. Olhamos bem, não tinha bolinhas, então era uma menina.

Só anteontem, porém, minha irmã olhou melhor do que todo mundo e gritou da sala, "é um machinho!", o que a veterinária confirmou ontem.

Pessoalmente, sei que ele não sabe de quase nada do que falamos, mesmo, o que tanto faz ou fez chamar de Tila, Tilo, Bradoque, Silvety Montilla; importa pra esses humanos antropomorfizantes. O que muda, porém, é que teremos um macho preguiçoso, e não mais uma fêmea caçadora.

quinta-feira, 7 de abril de 2005

Challah Coffee

Ana Carlota, minha nova amiga orkústica, mora em Tel Aviv. Além de ser bela, escrever gostosamente e (provável) inspirar amores selvagens por onde passa, ela usa palavras como "carinho" ao se referir a Ierushalaim, um cantinho do mundo que eu também gosto tanto, embora não conheça.

Me abstive de colocar fotos da própria Ana Cê, com receio de ver a minha caixa postal entupida de marmanjos querendo conhecê-la.



Este aqui é o tal Challah Café, "um dos lugares mais gostosos para tomar café em Ierushalaim. Sempre que posso, paro aí quando saio da Universidade..."

terça-feira, 5 de abril de 2005

Achados e perdidos

Tem coisas que eu mereço não merecer, como isto aqui.

Tão pequena, tão estudiosa, tão simples! Quer somente a Bíblia, arrozfeijãoovo & batata-frita, nada mais... ao menos tem bom gosto, o que prova a sua finesse divina, ao escolher um esporte.

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Ultimamente eu tenho sonhado em cima da moto... tem sido dias um tanto frios e oníricos, aqui em Floripa. Movimentos autônomos, fluidez, fluidez, fluidez...

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O Papa morreu, sem muitos pensamentos da minha parte. Falei pra minha mãe que já estava na hora, o que ela misinterpretou como um desgosto meu com ele. Quisera eu ter desgostos com o Papa! Seria bom passar uns meses em Roma.
Devo dizer que as aparições dele dias antes da morte, principalmente aquela em que ele se contorceu todo, me moveram. Vá com Deus, Karol.

*****

Domingo, estudando para a prova de segunda, leio o que umas outras pessoas escreveram sobre o Rogers.

A psicologia humanista se opõe ao que considera como o triste pessimismo e desespero inerentes à visão psicanalítica do ser humano, por um lado, e à concepção de robô do ser humano retratada no comportamentalismo, por outro. A psicologia humanista é mais esperançosa e otimista em relação ao ser humano. Ela acredita que a pessoa, qualquer pessoa, contém dentro de si o potencial para um desenvolvimento sadio e criativo.

Não sei se foram os três "ser humano", ou os adjetivos, ou o meu estado de espírito; o parágrafo acima é um daqueles que, sendo típicos, todo e qualquer estudante de psicologia passa os olhos, já "sabendo" do que se trata, com tédio.

Só que eu li isto e, na última frase, um sentimento enooooorme, profuuundo e crystallino "apareceu" rapidamente; ao me dar conta dele, ele já foi. Não tenho palavras quaisquer para este sentimento. Só sei que tudo isto escrito me pareceu bem claro e óbvio. Não classificaria como uma experiência mística.

segunda-feira, 4 de abril de 2005

Coisas incríveis

... coisa incrível é ver o que escreveste com dedicação de 47 minutos ir pro ralo, por causa de uma confiança boba na conexão e problemas de rede.

Esperem os próximos postes.

segunda-feira, 28 de março de 2005

Tila

Foi uma cena muito fofa; estava andando com o Will na BeiraMangue que tanto gosto nas madrugadas, dividindo uma cerveja de canudinho, falando besteira, que ambos gostamos, e nos sentamos naqueles troços de ginástica perto da entrada do Córrego. No meio da conversa, escuto um miado rouco vindo em nossa direção, e vejo o gatinho mais magro que já vi na minha vida.

Pra quê! Trouxe ele pra casa em cima dos meus ombros; ele miando de fome, e eu fazendo um "ah" gutural grave, que misteriosamente fazia ele parar de miar (por medo ou conforto, eu não o sei). Meia hora de caminhada assim, ele escalando pela minha camisa, subindo na cabeça, passando de uma orelha a outra.

É a gatinha, pelo que sei até agora. O nome surgiu na hora; Tila, de Tila Tequila, um dos talentos drags ocultos que ainda hão de surgir.

Então, cheguei em casa ontem de noite, duas da manhã, esquentei leitinho pro gatinho, arrumei uma caminha, tirei todas as coisas rasgáveis do chão e fui dormir.

Acordei hoje de manhã cedíssimo. Fui no mercadinho e comprei aqueles negócios com trozos de pollo, e café pra mim. A tadinha devorou quase tudo com uma voracidade incrível, até ficar com um barrigão. Aí então levei ela pra baixo e deixei ela lá na entrada do prédio, num quintalzinho que tem.

Mas bah... eu realmente não quero ficar com ela em casa; não vai dar certo. Mas engraçado era me ver preocupado olhando volta e meia pra janela. Tila estava lá, sentada conteplativa, depois de comer, vendo as borboletas passando, o rabinho balançando. Um casal de velhos com suas netas quase-gêmeas (três delas) ficaram brincando com ela. E eu torcendo pra que alguém goste dela, e a leve para casa.

Última vez que vi ela estava sentadinha na porta, enquanto a faxineira limpava o chão. Vamos ver o que aconteceu desde então; tenho a impressão de que ela ainda vai estar lá. Para quem estiver interessado numa gatinha...

sexta-feira, 18 de março de 2005

papel jornal

Tentar escrever os postes deste blogue em papel jornal para depois digitá-los nos computadores da graduação mostrou-se um plano falido.

A minha relação com o papel é absorvente, sem nenhum duplo-sentido: se me sento para escrever trivialidades bloguísticas, como as que escrevo aqui, sempre acabo indo muito mais do que penso ir. Saem textos de três páginas, frente e verso, que nenhuma pessoa normal gostaria de ler para se distrair, num começo de tarde quente, como a de hoje.

No último, por exemplo, cheguei à conclusão (nada original) de que Deus foi criado para o mundo mítico ser esvaziado, um espaço mental eveterno e seminfinito ser criado, e assim o abismo entre tudo e nada ser continuamente forrado com idéias, suas combinações, direções espaço-temporais de deslizamentos e cadeias serem invertidas e submetidas à vontade... enfim, palavras são palavras.

Lacan me semenlouqueceu, praticamente. Descobri e identifiquei três nós do desejo em mim mesmo; um deles tem a ver com o fato de que eu tenho a impressão vívida que tenho que achar a verdade filosófica. Imaginem a minha cabecinha, então, quando começo a pensar na pópó mómó, a pós-modernidade, no querido epíteto que meu amigo deu, em seu blogue.

Encontrei um pouco de ar fresco na fenomenologia, que nada explica, e bota o pensamento no lugar que merece.

Mas o que me pergunto é o porquê dos estruturalistas franceses teimarem em escrever criptograficamente. Será que a forma criptográfica é uma maneira mais direta de uma experiência metaintelectual? Será um koan com croissants? Será que eles tomavam anfetamina demais e não conseguiam parar de pensar, tentanto montar o discurso na mesma velocidade do pensamento? Será que eles simplesmente não sabiam escrever?

Dizem que Lacan, nos seus últimos anos de vida, final dos 70 e início dos 80, quase que não falava mais. Desenhava seus místicos grafos e nós, em padrões tão sinuosos e complexos quanto aos mais calidoscópicos tapetes persas. Dizem que em um deles, o Derradeirô, esconde-se a Resposta para o Universo, a Vida e Tudo o Mais.

Estou lendo também Mil platôs, do Deleuze e do Guatari. Muito divertido, e é somente isto que tenho a dizer.

*****

Encontrei no sebo o livro que esperei por uns bons três meses: Erica Jong, Medo de Voar. Maravilhoso. Recomendo a quem quiser a minha recomendação. Muito sexo, visto por uma mulher; psicanalistas comendo-se verbalmente, uma história complexa e gostosa, da qual não se ouve nem o mínimo, e sempre se volta pra um pouco mais do que já se passou.

Estou com vontade de ler mais erótica do ponto de vista feminino. Estive prestes a comprar a coletânea recém-lançada dos contos que Anaïs Nin escreveu por encomenda do Colecionador; antes, contudo, li ela dizendo que teve que "maquiar" o seu estilo feminino e escrever mais como um homem, já que o Colecionador não queria tanta poesia, e sim meteção chupação estas coisas todas.

Então eu não quis mais. Quando eu quiser ler erótica do ponto de vista feminino maquiado, daí sei onde vou.

*****

Masculino e feminino. Onde quer que eu olhe mais fundo, onde quer que eu sinta mais poeticamente, onde quer que eu pense mais agudamente, acabo sempre me defrontando com os Opostos. A solução pseudo-mística dialética, frouxamente adotada pelo projeto pópó mómó de MicroVivência Experimental-Existencial, não me convence. Não dá.
É muito mais sutil do que qualquer outra sutileza.
Muito mais vital do que parece ser.

sexta-feira, 11 de março de 2005

"point-de-capiton" o caralho

Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan Lacan

quinta-feira, 10 de março de 2005

mística

Procurando por Alexander Scriabin, vou parar em um site sobre pianistas famosos.

Conheço o tal de Satie.

(Já tinha o visto muitas vezes antes, mexendo nas prateleiras de cds das lojas.)

Escuto a primeira Gnossienne, lent.

Que coisa linda. Parece a minha música, desde séculos. Tenho a víviva impressão de que ela é minha.

Ainda mais que o título, Gnossiennes, remete (segundo o encarte do cdzinho) ao palácio de Knossos, em Creta. Fiz a minha pesquisa usual online e descobri que, na mesma época em que Satie compunha as tais, as ruínas de Knossos estavam sendo postas à luz.

Estou estudando, ultimamente, muita mitologia grega. Junto com ela sempre vem a história, ainda mais quando se trata de Junito Brandão, um ótimo autor. Estou fascinado por duas coisas:

- Uma reprodução fotográfica da pítia de Delfos, de acordo com as representações de dois milênios atrás, numa matéria da Scientific American. Esta fala sobre a redescoberta (a hipótese é bem antiga) de que fontes termais no subsolo délfico provocavam a emissão de gases utilizados no transe oracular. Descobriram que o templo de Apolo fica bem acima de duas falhas tectônicas, e que a câmara oculta onde a pítia sentava-se sobre um tripé recebia estes gases todos (tais como etileno).
A fotografia, preto e branco, me admirou de tal forma, que estou para colocá-la em uma moldura.

- Os Mistérios de Elêusis que, contrariamente a tudo neste mundo, ainda continuam místicos. Não se sabe, até hoje, no que se constituía os Mistérios, que duraram assombrosos dois mil anos. Elêusis era uma cidadezinha perto do mar, a 20 quilômetros de Atenas. Todos os anos ocorriam as Eleusínias; há, sim, descrições de várias cerimônias "públicas", dos preparativos reservados aos iniciados, das várias etapas de purificação, de pular no mar com um leitão no colo, este tipo de coisa. Mas era proibido, a qualquer iniciado, falar sobre os mistérios que ocorriam no telestérion, a câmara profunda. A pena para isso era, dependendo da época, a morte.

Mistério, em grego antigo, é mustéerion,ou, uma "cerimônia religiosa secreta", pois os iniciados eram chamados de mústees,ou, derivado do verbo múoo, "fechar-se, fechar (especialmente os olhos e a boca". O adjetivo "místico" também vem daí, mustikós,ée,ón; tudo relacionado aos mistérios.

O meu interesse por Elêusis nasceu, como já era de se esperar, na minha pesquisa sobre fungos. Há uma teoria (The Road to Eleusis; Wasson, R. Gordon; Hofmann, Albert; Ruck, Carl A.P.; 1978), refutada e defendida apaixonadamente, que o kúkeon, uma bebida mítica grega, tomada em jejum pelos iniciados, continha substâncias psicoativas muito semelhantes ao ácido lisérgico (o que só demonstraria que os gregos não eram bobos nem nada).

Independente disto, os mistérios de Elêusis "reviviam" a história do rapto de Koré (Perséfone) por Hades, e do resgate dela por Démeter, sua mãe. É um mito muito profundo, que vou me abster de contar aqui, do qual existe uma narrativa muito bonita no hino homérico a Démeter, cuja melhor tradução pro português que encontrei se encontra nesta dissertação de mestrado.

Aproveitem, quem quiser.

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Redux é uma expressão latina que significa "retomado". Creio que vem de re- e duco, "conduzo"; reconduzo. A etimologia é minha. Se não existir, acabei de criar uma palavra!

terça-feira, 8 de março de 2005

epokhê redux

epokhê é, complementando o poste anterior, nada mais e menos do que "redução fenomenológica". Assim fica bem melhor.

Estou com vergonha de mim mesmo; escrevi modus operandi como modus operanTi. Imperdoável. Vou me forçar a recitar a oratio prima das Catilinárias na aula do Guerra, como castigo.

sexta-feira, 4 de março de 2005

de volta

Sei que tem gente que sentiu saudades dos meus escritos.

Infelizmente o meu computador, lá de casa, está com o monitor tendo acessos de caráter, ligando e desligando ao bel-prazer. Ninguém merece. Não gosto de escrever nos computadores da universidade, e à mão sempre me cansa, e meus insights preciosos sobre a epistemologia se "perdem" nas brumas coloridas catexizadas do realissimum.

Ninguém merece este palavreado também.

Coisas incríveis me tem acontecido, todos os dias. Estou impressionado.

Leituras de gestalt, como sempre, e bioenergética. Estou gostando; felizmente perdendo meus preconceitos com o trabalho de Reich e além.

Detesto as matérias da quarta fase que me restam para completar. Detesto. Não me surpreendo de ter começado e me sentir mal por esta época. Não quero trabalhar com psicologia científica. Não quero.

Quero terapeutar.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005

com a permissão do autor

Meu querido Luciano postou este aqui ("fantástico, horroroso..."). Boa.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005

epokhê

Os gregos sempre têm nome pra tudo. Sempre. Eles são um saco. E se não tiveram 2500 anos atrás, tem sempre alguém que faz o favorzinho de traduzir termos atuais pro grego clássico (perdi o linque; é uma coisa assim preciosa).

Mas esta palavrinha aqui foi um achado. Descobri-a lendo sobre a fenomenologia, coisa básica de dicionário online de filosofia; uma atitude dos antigos céticos que Husserl retomou e os outros fenomenologistas não gostam muito dela. Eu a encontrei e bang! bang! voilà autour de moi.

epokhê, com o significado de "cessação, retenção, o ponto em que uma estrela pára depois de atingir o zênite, (filos.) suspensão do julgamento".
Mas talvez esta outra definição, a do texto de fenomeblábláblá, seja mais atraente;

Praticamos fenomenologia, propôs Husserl, "colocando em parênteses" (bracketing) a questão da existência do mundo natural ao nosso redor. Desta maneira, nós colocamos nossa atenção, em reflexão, na estrutura de nossa própria experiência consciente. O primeiro resultado é a observação de que cada ato de consciência é consciência de algo, isto é, intencional, ou dirigida à algo. Consideremos a minha experiência visual quando eu vejo uma árvore no meio da praça. Na reflexão fenomenológica não precisamos nos preocupar se a árvore existe; minha experiência é de uma árvore, exista esta árvore ou não. Precisamos, contudo, nos preocupar com o como o objeto é significado [...].

Oquei, oquei, o que isto tem de mais, Lucas?

Não sei se vocês conhecem... tem um livro famoso, Desenhando com o lado direito do cérebro, sabem? Pois bem, não é este. A mesma autora, contudo, escreveu Desenhando com o artista interior, e eu me refiro a este, embora eu creia que as idéias de que vou falar estejam no outro.

Ela propõe exercícios de copiar desenhos de cabeça pra baixo, para "desligar" o lado esquerdo e deixar o lado direito assumir a tarefa. Blábláblá. De qualquer maneira, o raciocínio é o seguinte: se te mostro um rosto, e te peço para desenhá-lo, o que você fará, com muita probabilidade, é desenhar um desenho "funcional" de um rosto; isto é, orelhas boca olhos nariz simplificados para dizer que é um rosto, e alguns detalhes simplificados que tornam aquele desenho oficialmente um desenho de um rosto parecido. Quer dizer, você desenhará a idéia do rosto que está vendo, e não a imagem do rosto que tem diante dos olhos, com todo o seu jogo de luz e sombras e espaços negativos.
O que ela propõe é apresentar um objeto qualquer de cabeça para baixo; no caso do livro, desenhos de artistas famosos, e pede para copiá-los, "sem pressa". E não é que funciona? Eu fiquei muito impressionado quando eu descobri isto. É um modus operanti diferente, porém não desconhecido; a pressa de "caracterizar", nomear, rotular e iconizar com a rapidez do "lado esquerdo" fica de lado, e aparece então um "desconhecimento" do que está ali. O que se tem pra desenhar não se trata então de idéias, mas sim de relações de tamanho, quantidade de luz, curvas; a experiência em si.

Depois de um dia inteiro desenhando de cabeça pra baixo, fui passear na BeiraMangue e comecei a tentar ver as coisas "de cabeça pra baixo".
E pronto. Extraordinário; parecia que estava a ver tudo "pela primeira vez". Não eram "árvores" que eu via, embora soubesse, obviamente, que eram árvores; mas o que eu via eram cores profusas e abundantes, espaços vazios, tudo com um frescor e uma intensidade muito maior do que a do dia-a-dia.
Foi neste dia que eu descobri que olho com os olhos da pressa e da razão, na maior parte do tempo, e não com olhos de criança. Os primeiros não são nada dispensáveis, já falo; sem eles simplesmente não rola todo o lado intelectual. O problema, para mim, é quando já não é mais "preciso" construir e utilizar idéias, e mesmo assim toda a minha experiência se baseia nelas.

Não sei se vocês perceberam, mas idéias são potencialmente ansiogênicas. Esta idéia de que as idéias são potencialmente ansiogênicas também é potencialmente ansiogênica. Pensem bem a respeito disto.

Quando encontrei a epokhê, portanto, encontrei algo familiar, nutritivo e interessante, e sei que gente há muito tempo se debruça sobre o mesmo "problema".

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Bem, lá vamos nós.

Hoje foi o meu último dia de trabalho aqui com o meu pai, no restaurante. Isto quer dizer, mais precisamente, que de net todo dia, só quem sabe quando começar as aulas.

Mas o labgrad da UFSC é o lugar menos inspirador para se escrever... oras...

Uma semaninha de férias, portanto, para este blogue aqui.