quarta-feira, 26 de abril de 2006

Gato torneiral

É delicioso e saboroso entrar no banheiro de madrugada e, ao acender a luz,
ver o gato da casa deitado na pia, como se fosse uma cestinha de porcelana, olhando com aquele olhar de gato
, misterioso de séculos
, atento
, pronto.

Levantei a tampa da privada e gargalhava enquanto mijava.

segunda-feira, 24 de abril de 2006

I thrive best on solitude.

Henry David Thoreau, em seus diários. Pra quem não conhece, o Thoreau é um escritor norte-americano, viveu nas metades das metades do século XIX; escreveu A desobediência civil, depois de passar uma noite na prisão por se recusar a pagar impostos; e Walden, o nome da lagoa onde ele passou dois anos de sua vida em uma cabana que ele mesmo construiu. Eu diria que Walden foi, e ainda é, um dos meus livros de cabeceira. Foi de uma forma e é de outra; mais crítica, atualmente, a umas certas posições extremadas, mas ainda me admiro muito quando leio Thoreau, e sinto que me teria dado muito bem com ele e com o tal do Whitman. Pelo menos gostaria de ter tentado.

Essa frase é meio mântrica. Dá vontade de repetir e repetir e repetir do fundo do diafragma em suspensão até gozar extaticamente pelo poro 493 da seção D da narina esquerda.

Tradução liberal:

Eu floresço melhor na solidão.

sábado, 22 de abril de 2006

Hofmann em Basiléia

É mesmo um mundo de contrastes, contrastes medonhos mesmo.

Isso que o faz tão interessante.

(Sabe aquelas coisas ou pessoas que você não entende, que você não concorda, que parecem indiferentes à tua presença, que chegam e vão e parecem que não se importam se nisto você se fode ou não, e mesmo assim você se preocupa, sofre, geme, se alegra ou chora com estas mesmas coisas ou pessoas? Esse mundo é assim.)

Albert Hofmann é o químico suíço que sintetizou a dietilamida do ácido lisérgico.

Dou o nome completo para não ter de ouvir o comentário que escutei estes dias: "ah, então o ácido lisérgico não é um ácido, de verdade? Pensei que ele fizesse mal por ser um ácido, mesmo" (como, derretendo o cérebro? Deveria ter investigado melhor).

Ele comemorou 100 anos de vida no começo deste ano, e uma conferência foi celebrada na cidade de Basiléia, na Suíça, a cidade onde ele trabalhou nos laboratórios da Sandoz durante muito tempo.

Foi neste laboratório que ele, ao procurar sintetizar um novo analéptico derivado de derivados do esporão-do-centeio (um fungo) sintetizou uma série de compostos, um deles o lsd-25, em 1938. As pesquisas com animais não mostraram nada significativo, e ele deixa de lado; cinco anos depois, porém, ele, por pressentimento, segundo suas próprias palavras, sintetiza uma nova leva da substância, e durante o processo começa a se sentir diferente. Acha que é gripe e vai pra casa, e quando se deita vê um monte de fogos de artíficio. Dias mais tarde ele decide experimentar uma fração que ele considerava mínima da substância e voilà! a primeira viagem de ácido do mundo. Vai pra casa de bicicleta, e enfim... Adoro esta história; acho que vou contá-la pros meus netos e bisnetos.

Dizem que ele tem olhos brilhantes, que tem voz forte para se dirigir a 1500 pessoas que estava na conferência, um aperto de mão forte, e manca um pouco, claro, 100 anos já não são 90. Fica todo mundo especulando donde esta tal vitalidade; ele diz que é por causa do ovo cru diário de manhã (espero que sejam ovos caipiras). Nesta conferência foi discutido abertamente as questões colocadas pelo ácido, pela sua criminalização, seus usos, enfim. O prefeito da cidade manda uma carta pra ele, crianças cantam musiquinhas pra ele, ele é recebido com honras e alegria e festejos, um parque ou um banco, sei lá, é dedicado em sua homenagem e a a rua onde ele teve a sua famosa bicicletada em 1943 foi renomeada em seu nome.

Cartas de prefeitos, crianças com musiquinhas e um parque/banco vá lá; creio que este Albert tem outros motivos pra ser um cidadão emérito. Agora, quer coisa mais direta que o nome da rua?

É a Suíça, claro. A Suíça não deve nada a ninguém, e suas vacas gordas e felizes, de úberes cheios e vazando leite grosso, morno, gorduroso, descendo em cascatas por colinas de pastagens verdes emolduradas por montanhas gris, são as testemunhas vivas disto.

Em boa parte do mundo, porém, esta mesma substância é escorraçada, demonizada, criminalizada, tornada alvo de repúdio com base em preconceitos ignorantes, como o exemplo que dei acima, e vários outros que a maiorias de nós já conhece.

Tem gente que é presa (!!) por anos (!!) por ter experimentado dela.

E ainda não falo da maconha.

o tempora! o mores!

quinta-feira, 20 de abril de 2006

(Pontos interessantes de um artigo da Scientific American americana [The truth and the hype of hypnosis, Nash M.R., 2001] que eu acabei de fazer para a eterna e recorrente disciplina de Psicofisiologia. Desta vez eu vou!)

Quando o público fala de hipnose, a imagem que vem a mente, além dos clássicos relógios de bolso, é de uma pessoa que entra em um estado sonolento e cumpre todas as ordens do hipnotizador, fazendo ridículo como imitar um pato ou mesmo, dizem, demonstrando força e resistência e outros afins que não demonstraria em seu estado "normal". E, depois do estalar de dedos do hipnotizador, acorda e não se lembra de nada. "Perdeu o controle de si mesma" por alguns instantes.

A hipnose real é algo mais simples e mais fantástico que isto. Simples, no sentido que a pessoa não perde o controle de si mesma; e fantástico, pois a hipnose pode servir para propósitos mais interessantes que imitar um pato, como aliviar a sensação de dor, por exemplo.

É verdade que existem pessoas que são mais suscetíveis que outras de serem hipnotizadas, e existe uma escala para medir esta suscetibilidade. Esta suscetibilidade permanece constante durante toda a vida, e pode ter componentes hereditários. Ela também independe da pessoa do hipnotizador e da motivação do sujeito para entrar em hipnose ou não: pessoas suscetíveis entrarão em hipnose de várias formas possíveis, enquanto que os menos suscetíveis, por mais motivados que estejam, podem não ser hipnotizados.

Também não existe correlação entre certos traços de personalidade e suscetibilidade à hipnose, a não ser com a habilidade do sujeito de se absorver em atividades como ler, escutar música ou sonhar acordado.

Pessoas em hipnose não fazem tudo que lhes é dito: elas costumam aderir aos mesmos padrões morais de quando estão acordadas. Apesar disso, porém, elas não tomam parte ativa nas coisas que acontecem durante o episódio de hipnose, mas relatam que as coisas acontecem "por acontecer" (o braço simplesmente ficou mais pesado, meus olhos se fecharam sem eu decidir, etc.) Os sujeitos também podem dizer não e terminar a hipnose quando quiserem.

A hipnose também não se trata de imaginação vívida: pesquisas de PET scan demonstram que as áreas cerebrais envolvidas nas vivências alucinatórias hipnóticas são as mesmas ativadas quando se trata de uma vivência real, e diferentes daquelas ativadas durante imaginação ativa.

Quanto à questão da dor: a sugestão hipnótica pode aliviar sensações dolorosas, mas este alívio não se trata nem de placebo nem de relaxamento, como é pensado por alguns. Em um experimento verificou-se que em pessoas pouco suscetíveis a hipnose era tão eficiente quanto o placebo em diminuir a dor, mas pessoas muito suscetíveis beneficiaram-se três vezes mais da hipnose que do placebo. Pessoas hipnotizadas em atividades sem relaxamento (como pedalar uma bicicleta imaginária) são tão responsivas às sugestões que em um ambiente tranquilo. Hipnose não está diretamente relacionada com relaxamento ou sono.

Hipnose também não é fingimento; respostas fisiológicas demonstram que os sujeitos não estão mentindo.

Outro mito é de que durante hipnose as pessoas podem se lembrar com mais detalhes, ou podem se lembrar de coisas de um passado distante. O que se sabe que acontece é que pessoas em estado hipnótico podem se confundir entre memórias reais e imaginárias. Quando sugestionados a se remeteram à infância remota, os sujeitos em hipnose costumam se comportar de uma maneira aproximadamente infantil, mas pesquisas apontam que este comportamento não é autenticamente infantil, em termos de fala, comportamento, emoção, percepção ou padrões de pensamento. Não são mais infantis que adultos imitando (acting-out) crianças.

quarta-feira, 12 de abril de 2006

Betty Crocker e os Freudianos

Historinha interessante, que encontrei em um site que... me parece uma mistura de teoria de psicologia social, retórica e heurística e sei lá mais o que.

Betty Crocker é uma marca de bolos semi-prontos americana, exatamente aqueles que temos aqui no Brasil que você somente tem que adicionar ovos, leite e óleo, bater e botar para assar que alá! olha o bolo... quer dizer, é uma farinha com fermento flavorizada e aromatizada. Eu nunca entendi porque todo mundo gosta de comprar estas "misturas prontas" para bolo se, na minha opinião, fazer o bolo completo é quase a mesma coisa (e SEMPRE fica muito mais gostoso).

Então, minha irmã falou que essa mistura Betty Crocker aí faz um bolo gostoso. Eu não sei, não posso dizer. Mas a historinha conta que na década de 50 essa tal lançou um bolo pronto que era só adicionar água e botar pra assar que alá! olha o bolo... e desta vez, até eu concordo, era realmente uma mistura pronta. No dia em que houver água em pó, então...

Mas acontece que não vendia. As donas-de-casa (que existiam aos montes, naquela época - a era dourada das donas-de-casa americanas! baby-boom! plástico! a tecnologia alienígena de Roswell!) achavam que, realmente, era muito prático, mas não vendia. A tal da Betty, então, foi, contratou uns psicanalistas e perguntou, "por quê eu não vendo?", e a resposta deles era que as mulheres se sentiam culpadas, blábláblá, por estarem decepcionando os maridos e/ou convidados blábláblá... e sugeriram que se desse instruções para adicionar um ovo à receita.

E as vendas subiram.

Culpa inconsciente? Princípio de investimento? Vote aqui, no seu blog favorito.

sexta-feira, 7 de abril de 2006

Sócrates redux

"Não é de mal gosto lembrar-nos que dentre em breve futuro próximo estaremos a discutir certamente com fervor a novidade-então-presente que agora tomamos como certa e definida."

Ufa! Como é difícil traduzir as coisas certinhas assim do nada, grego clássico para português pós-moderno. Essa frase aí é do Sócrates, mas não adianta procurar nos anais quaisquer que quereis, pois lá não estarão, tenho certeza. Essa coisa aí ele me falou, e pra deixar tudo claro e certo a conclusão é minha, embora ele tenha resumido em uma frase, como é do costume dele agora, embora ele ainda passe por aquela balbúrdia toda de ironia, de maiêutica, essas taizinhas.

O que na realidade eu queria dizer que, em termos de idéias, elas têm uma história, e esta história, muitas vezes incompleta ou mal-contada, reifica a idéia; não é de se estranhar que muitas das vezes, quando elas mudam demais, as idéias renascem, por assim dizer. Deixam de "ser elas mesmas" e passam a "ser outras coisas".

O problema é que o Sócrates é meio surdo. Sério mesmo: achei que devia ser cera na orelha (depois que vi o estado do coitado quando nos conhecemos não duvido que ele tenha cera até no cu), mas é velhice mesmo. Velhice relativa, digamos, a mesma velhice que ele tinha quando bebeu a tal taça e foi pro Hades...

aliás, tenho que encadear as coisas pra falar de tudo certinho, senão começo a ir de uma à outra e acabo falando de nada.

Sócrates é meio surdo, feio, mas não tanto assim quanto diziam, e é esquecido das coisas; agora sou eu que tenho de retornar às definições em jogo, mesmo que acabe indo contra o meu argumento, eu que sou um cara idôneo e honesto. Ele me diz que é assim já faz dois mil quatrocentos anos (eu que tive de lembrá-lo de quanto tempo ele tinha morrido). Para o meu grande horror inicial, infinita surpresa medial e astronômico divertimento atual ele lê muito devagar e lê mal, por causa dos olhos (quantos sóis na baía de Falera! quantos!), e por que foi alfabetizado nos padrões atenienses da sua época. E no Hades não tem nada pra escrever, embora ele tenha me dito que os Iluministas tinham planos de terminar a Enciclopédia antes de se mudarem para outro paraíso, mais conveniente às suas necessidades post mortem.

O interessante, apesar de tudo isso, é que na conversa ele é incomparável. Descobri, depois de um pouco de tempo, que ele aprendeu a falar de outras formas, em outros idiomas, muitos dialetos europeus obscuros, certo. Isso, em primeiro lugar, explica o conjunto incongruente de sons que ele chama de "meu grego", os quais eu nunca fui capaz de entender. Depois de me contar das conversas infindas com a gentarada grega que mal morria zupt! se mandava pra lá, deu pra compreender a razão: imagine você ter conversado durante centenas de anos com gregos de todas as formas e cores, da Jônia, Macedônia, falando o koiné de todo o Mediterrâneo, o helenístico, imagina só! além de todos os outros esquisitos barbudos de outras partes do mundo.

Nem sempre barbudos, segundo ele me conta. Alguns tinham rastas, e outros eram carecas.