sábado, 29 de dezembro de 2007

Ficção (?) Científica (!)

Estou imerso novamente naquilo que um amigo definiu como "esta sua sanha por sci-fi".

Sci-fi, pronunciado issái-fái, é a abreviatura de science fiction, e não deve ser confundido com Issai-fai, também pronunciado com dois ditongos, que é "o termo antigo, usado pelas exuberantes culturas terrestres, para descrever uma área específica dos estudos sagrados: aquela da previsão."

Meu grande parceiro de estudos e relicário do conhecimento humano, Wikipedia, me diz que há diversos tipos de sci-fi: soft sci-fi, social sci-fi, fantasy-fi, hard sci-fi, bareback sci-fi. Também acrescento aqui a sci, que pode ser uma fi; a fi, que pode ser sci; a não sci; a não fi; a não-sci-mas-fi; a nem-fi-mas-sci; e a nem-sci-nem-fi.

Também acrescento os romances Júlia, Sabrina e Bianca, que são fantasiosos em sua perspectiva de que o amor existe e pode ser encontrado no seu parceiro de trabalho ou estudos, ou num cara másculo e viril, embora inteligente e sensível, ou numa viagem barata para uma ilha mediterrânea.


Enfim. A sci-fi (sem itálicos a partir de agora) bordeja, corteja, casa e pede divórcio com a ficção de fantasia, seja ela capa-e-espada ou sword-and-planet. Não é surpreendente, assim, que quando eu falo que gosto de sci-fi algumas pessoas têm a impressão que gosto de ler aqueles contos horrendos de monstros alienígenas.

Até mesmo, porém, o grosso da produção de sci-fi dedica-se a uma coisa tão chata e tão horrenda quanto monstros anfíbios das cavernas marcianas de Marte: o que pode ser mais chato e horrendo do que espinhentos nerds fanáticos por tecnologia masturbando-se com delírios de apoteoses tecnológicas? Eu não posso imaginar nada mais horrendo que isto, tirando a fome, o sofrimento and the thousand natural shocks that flesh is heir to. Eu acharia horripilante uma literatura que se circunscrevesse a relatar como uma casa, uma bolsa, um pão poderiam ser feitos de maneira muito melhor, muito mais eficiente, muito mais potente e, acima de tudo, failure-proof. E como isso seria o pináculo da evolução humana.

Pois então, não tratemos sci-fi como fantasia. Sci-fi é a literatura que, de certa forma, brinca com os possíveis trazidos por uma coisa que pode ser chamada de "ciência", ou "conhecimento". Alguns textos chegam a ser secos, por parecerem mais um tratado de futurologia do que outra coisa. Sci-fi, sendo literatura, precisa ir um pouco além disto: precisa, além de dar vontade de ler, ter aquela coisa, a qualidade que os trabalhos de literatura têm, por piores que sejam.

Toda literatura lida com possíveis; toda literatura se trata, em parte, de uma experimentação. Mesmo que não acrescentássemos nada, nenhuma novidade, mesmo que pegássemos este meu dia, este meu cotidiano, sem nada tirar ou pôr, mesmo assim, se escrevêssemos sobre ele, estaríamos experimentando, lidando com possíveis. Fosse lidando com os possíveis de um sujeito, fictício, de uma situação, fictícia, de um "quadro", fictício... ou mesmo lidando com os possíveis da linguagem.

Assim a sci-fi não é a única a lidar com possíveis, e creio que ela, ao trazer possíveis da ciência, por exemplo, é mais alegórica no uso destes possíveis. Como? A perspectiva de um primeiro contato com uma civilização extraterrestre, as reações humanas, mudanças culturais... não precisáriamos ir para o futuro possível, se temos eventos semelhantes no nosso passado, como por exemplo a navegação dos séculos XV e XVI. A analogia, certamente, exaure-se rápido. A sci-fi tem a vantagem de contar com coisas ainda mais estranhas, misteriosas e desconhecidas.

Grosso modo costuma-se dividir a issai... ops, a sci-fi em duas categorias: hard e soft sci-fi. Os nomes, herança da década de 50, referem-se nada mais a que sci está envolvido no meio da história. As hard sciences, nem precisamos nos perguntar quais são; as soft sciences, berço de agradáveis conversas em cafés, discussões intermináveis sobre gênero, experimentações subjetivas, criticismo literário. Ou assim se vê: fifties total. Mazenfim, a hard sci-fi lida com possibilidades reais e duras da física, da química, da biologia, destes afins. A soft softeia mais nos amorosos rincões da sociologia, antropologia, psicologia; onde, enfim, eu me sinto mais à vontade.

Não é preciso dizer, porém, que a melhor de todas é aquela que lida com as duas, obviamente. O nome é só uma questão de onde apostar mais as suas fichas.

Gosto de sci-fi pois ela lida com coisas que podem ser. Exercícios imaginativos são sempre bem-vindos, e em realidade a melhor definição de escritor é, justamente, aquele que não só imagina pessoas e "mundos", mas escreve sobre eles. Evitem, porém, de comentar isso em voz alta perto de um. A fantasia, contudo, tem um porém, que de tão libertador chega a ser opressor: na fantasia tudo é possível, e numa redução ao infinito tudo é possível de forma fortuita. Quer coisa mais sem graça do que isto? Prefiro aquilo que pode ser possível e tem limites. Afinal, tudo o que é possível ao infinito tem uma curva logarítmica inversa para o clichê, para o kitsch.

Estava lendo, terminando de ler, Do androids dream of electric sheep?, o livro de Philip Dick que inspirou o filme Blade Runner. Mas este é para o próximo poste. De certa forma, continua...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A importância de um sesshin

Perguntar-se sobre a importância de um sesshin, para aqueles que o fazem, fizeram ou farão, é uma das questões que soa desnecessária, até mesmo retórica. Um sesshin é importante; por que, de outra forma, as pessoas deslocariam-se de longe para passar dias e dias sentados no zafu? Eu, contudo, peguei-me fazendo esta pergunta, inspirado pela lembrança das minhas dores, dramas e desistências.

Há várias coisas das quais sentimos a diferença somente depois que elas acabam. Engana-se quem acha que, findo um evento, findas as suas repercussões. Durante um sesshin podemos sentir e vivenciar várias coisas, todos nós o sabemos. É somente, porém, quando voltamos para casa, quando voltamos para a nossa rotina, que vemos coisas novas desenrolarem-se – algo que talvez estava lá antes mesmo da viagem.

Uma das importâncias óbvias de um sesshin é o simples fato de que os praticantes reunidos ajudam a manter a prática uns dos outros. Podemos passar a admirar a coragem de Sidarta em sentar-se em zazen sozinho, sem professor, preceptor ou colegas, depois que vemos o quão fracos somos se não praticamos com outros. Não precisamos evocar forças ou energias: a simples pressão social de não abandonar uma sessão de zazen faz maravilhas – eu teria escapado muito, muito antes do terceiro dia.

Importante, também, praticar, neste caso, do lado de um roshi , e de pessoas que praticam o zazen por anos e décadas.

Importante ter a oportunidade – devido a um tempo planejado de prática intensiva – de aprofundar-se no zazen, de poder descobrir estados ainda não conhecidos, de poder ir um pouco mais longe que a prática cotidiana nos permite.

Tudo isto, enfim, importante. Valioso.

Mas há outra coisa importante que desejo deixar para falar aqui: importante é fazer um sesshin, com todas as suas importâncias – e desimportâncias – para ter esta experiência e voltar para as nossas vidas.

Como dizia antes, há coisas das quais o peso delas cai depois: seja fazer sentido depois, seja cair a ficha depois, seja simplesmente revestir-se de outras vivências, depois. Para ser sincero, não tinha muita certeza de porque eu fazia o tal sesshin – ah, por causa do rakussu, uma península de orgulho (o lado bom do orgulho, nos faz fazer coisas que não faríamos com pretensa humildade), para não decepcionar a mim mesmo e aos outros, por uma sede de saber, por um desejo inominável, para pura e simplesmente praticar. Ah, miríades de razões. Mas não tinha certeza e, acima de tudo, nos momentos mais desesperados, para a pergunta "por que você não vai embora?", eu só sabia dizer, depois de um certo tempo: "eu não sei". Prometia a mim mesmo que iria até o final do dia e então, somente de noite, iria ver se ia embora ou não. Cada dia acabava em si mesmo: cada dia um novo dia, nova prática. Cada novo momento. Apesar das várias coisas, apesar das dores e delícias, apesar do rakussu para terminar, apesar dos transeuntes noturnos de São Paulo, apesar do delicioso nabo amarelo, íamos somente indo, fazendo zazen na hora do zazen. Apesar dos diversos pensamentos e distrações.

É agora que, então, olhando para lá, para a semana passada, me pergunto: como foi possível? E não é que aconteceu? Aconteceu. Ao mesmo tempo que pode parecer um sonho, ter um toque de irreal, tem a realidade das coisas não-sonhadas.

O valioso de um sesshin é ter a experiência da prática viva, presente, como um marco. Esta prática constante, este breve período em que nos permitimos e permitimos aos outros que praticassem com mais afinco, ecoará dias e semanas e meses depois, nos lembrando da nossa prática. Mesmo que sentemos muito pouco, mesmo que esqueçamos temporariamente do zazen, mesmo que o ritmo de nossas vidas exija outras prioridades, a experiência está "lá", podemos (tentar) voltar a qualquer momento e nos servir dela.

Qual experiência?

Dogen usava uma expressão interessante para referir-se à prática: prática-esclarecimento, ou prática-iluminação. A prática é iluminação, iluminação é prática; uma não difere da outra. Dizer, porém, que elas são "uma mesma coisa", só que "duas faces de uma mesma moeda" é perder a experiência com palavras: mesmo dizer do Um é perdê-lo irremediavelmente como Um. As palavras vêm, necessariamente, depois, e têm o seu gosto peculiar, muitas vezes saboroso; mas a prática, porém, está além das palavras, não no sentido que as negue.

Zazen é negar nada e afirmar nada. Se tivesse eu feito um esforço para "livrar-me" de todos os impedimentos, de todas as distrações, de todos os "venenos" durante o sesshin, isto não seria zazen: isto seria eu fazendo esforço para livrar-me de impedimentos, distrações e "venenos". Na maior parte do tempo, era isto que fazia: lutando com a dor ou tentando agüenta-la, pensando em desistir e depois arrependendo-me de pensar em desistir. Mas, embora isto não seja o zazen, isto é zazen: eis a nossa vida, eis a nossa prática. Nada de especial, de excepcional, no sentido de que antes mesmo que pudéssemos falar enquanto praticamos ela está lá. É simples, não é? Todos nós o sabemos. Simples mesmo em sua tremenda dificuldade.

"Nadem quanto queiram, os peixes não encontram um fim no mar; voem quanto queiram, os pássaros não encontram um fim no céu." Dogen Zenji.


Afinal, quando falamos de prática, sobre quem estamos falando?

Agora mesmo eu falo de importante e não-importante, de valioso, de prática e iluminação e vida, como se fossem coisas ou separadas ou excepcionais. É uma maneira de falar, uma maneira de passar algo – que eu espero que agrade a uns e sirva a todos.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Bigville

Pontualmente sete dias atrás em que, sozinho no apartamento de um amigo em São Paulo, aumentava um pouco mais a temperatura do meu corpo. Febre durante três horas. Depois, passou.

Às três da manhã daquele domingo havia terminado o rohatsu sesshin do Busshinji.

Willian, o meu amigo, agora mora com Silas. Depois de perceber que dormir na casa deles - pessoas com hábitos noturnos e trabalhos demandantes - iria ser mais difícil que imaginava, tendo que acordar às cinco da manhã, a solução perfeita aparece do nada: o antigo apartamento do Silas estava vago, e ainda não havia passado de mãos. Ah, não tem colchão, nem travesseiro, nada; só livros pelo chão. Não importa. Mudei-me. E que bela vista da metrópole!

Agora eu vejo as dezenas de tonalidades de luzes diferentes, nas janelinhas que pareciam todas iguais. Que cintilamento cromático! No canto inferior esquerdo, a igreja da Consolação, do lado da praça Roosevelt, cujos sinos tocavam músicas românticas desconhecidas no meio do dia. A avenida Consolação subindo, em direção à Paulista.

Esta outra, um pouco desfocada, mais um pouco para o lado direito. Mais cores. Bonito de ver... a vista da grande cidade espraiando-se. Chegou-me a notícia que o grande prédio à esquerda é, praticamente, ocupado por travestis e drag queens. Uma torre só delas. O da direita, de vastos retângulos iluminados, era o famoso antigo hotel Hilton, agora esquecidamente abandonado e carcomido pelo tempo sem mãos humanas.

Era delicioso e muito instrutivo andar nas ruas de Sampa no comecinho da manhã, indo, e de noite, voltando.

Sobre o Rô, depois, talvez.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O que o mundo come

O livro Hungry Planet, de Peter Menzel, retrata - literalmente - algumas famílias ao redor do mundo, com a comida consumida por eles em uma semana - e o gasto disto em dólares.

Dê uma conferida.

Convite

COLIGAÇÃO AGNÓSTICA CONVIDA

...

(calma, meu caro amigo ou amiga. Não, não se preocupe; não se trata de nenhum movimento idealista, ou religioso, ou crítico que almeja criticar algo de criticável em qualquer rincão sócioantropocultural. Salvemos nossos fôlegos preciosos para outras coisas. Coligação Agnóstica é somente um nome difícil - e os nomes difíceis sempre chamam mais a atenção - para "grupo que não sabe". Não sabe do quê, do que não se sabe? Ora, não sabe o que fará na virada, na passagem, no reveillon; aquela comemoração civil em que festeja-se a mudança de um ano, no calendário gregoriano, para outro. Promessas são feitas, deseja-se um devir melhor para todos - a começar por mim mesmo, evidentemente - e até mesmo jubileus privados são celebrados em nossas ardentes piras internas. Vide Mircea Eliade, O mito do eterno retorno, para conferir o como a idéia não é nova.)

...

Uma constatação é feita: dezenas e dezenas de pessoas não sabem o que fazer na virada. Isto é maravilhoso. Pessoas que não sabem o que fazer na virada de ano, reunidas, sabem ainda menos do que uma só. Assim, convido a todos os interessados a participar da Coligação Agnóstica que entrem em contato com o autor do presente documento para reunir-se, enfim, à massa daqueles que ainda não sabem - pelo menos onde passar o reveillon.

sábado, 8 de dezembro de 2007

One Art

ONE ART
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent

to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:

places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.


I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

---Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident

the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

-- Elizabeth Bishop

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Drummond

(....)
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.

Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Confidência do Itabirano,
Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Também não morto

Mas este blog, como visto, anda um tanto largado às traças.

Tem me faltado o desejo e a vontade de escrever.

Mas não penso que fique por aqui. Gosto dele.

Até breve...