sábado, 29 de dezembro de 2007

Ficção (?) Científica (!)

Estou imerso novamente naquilo que um amigo definiu como "esta sua sanha por sci-fi".

Sci-fi, pronunciado issái-fái, é a abreviatura de science fiction, e não deve ser confundido com Issai-fai, também pronunciado com dois ditongos, que é "o termo antigo, usado pelas exuberantes culturas terrestres, para descrever uma área específica dos estudos sagrados: aquela da previsão."

Meu grande parceiro de estudos e relicário do conhecimento humano, Wikipedia, me diz que há diversos tipos de sci-fi: soft sci-fi, social sci-fi, fantasy-fi, hard sci-fi, bareback sci-fi. Também acrescento aqui a sci, que pode ser uma fi; a fi, que pode ser sci; a não sci; a não fi; a não-sci-mas-fi; a nem-fi-mas-sci; e a nem-sci-nem-fi.

Também acrescento os romances Júlia, Sabrina e Bianca, que são fantasiosos em sua perspectiva de que o amor existe e pode ser encontrado no seu parceiro de trabalho ou estudos, ou num cara másculo e viril, embora inteligente e sensível, ou numa viagem barata para uma ilha mediterrânea.


Enfim. A sci-fi (sem itálicos a partir de agora) bordeja, corteja, casa e pede divórcio com a ficção de fantasia, seja ela capa-e-espada ou sword-and-planet. Não é surpreendente, assim, que quando eu falo que gosto de sci-fi algumas pessoas têm a impressão que gosto de ler aqueles contos horrendos de monstros alienígenas.

Até mesmo, porém, o grosso da produção de sci-fi dedica-se a uma coisa tão chata e tão horrenda quanto monstros anfíbios das cavernas marcianas de Marte: o que pode ser mais chato e horrendo do que espinhentos nerds fanáticos por tecnologia masturbando-se com delírios de apoteoses tecnológicas? Eu não posso imaginar nada mais horrendo que isto, tirando a fome, o sofrimento and the thousand natural shocks that flesh is heir to. Eu acharia horripilante uma literatura que se circunscrevesse a relatar como uma casa, uma bolsa, um pão poderiam ser feitos de maneira muito melhor, muito mais eficiente, muito mais potente e, acima de tudo, failure-proof. E como isso seria o pináculo da evolução humana.

Pois então, não tratemos sci-fi como fantasia. Sci-fi é a literatura que, de certa forma, brinca com os possíveis trazidos por uma coisa que pode ser chamada de "ciência", ou "conhecimento". Alguns textos chegam a ser secos, por parecerem mais um tratado de futurologia do que outra coisa. Sci-fi, sendo literatura, precisa ir um pouco além disto: precisa, além de dar vontade de ler, ter aquela coisa, a qualidade que os trabalhos de literatura têm, por piores que sejam.

Toda literatura lida com possíveis; toda literatura se trata, em parte, de uma experimentação. Mesmo que não acrescentássemos nada, nenhuma novidade, mesmo que pegássemos este meu dia, este meu cotidiano, sem nada tirar ou pôr, mesmo assim, se escrevêssemos sobre ele, estaríamos experimentando, lidando com possíveis. Fosse lidando com os possíveis de um sujeito, fictício, de uma situação, fictícia, de um "quadro", fictício... ou mesmo lidando com os possíveis da linguagem.

Assim a sci-fi não é a única a lidar com possíveis, e creio que ela, ao trazer possíveis da ciência, por exemplo, é mais alegórica no uso destes possíveis. Como? A perspectiva de um primeiro contato com uma civilização extraterrestre, as reações humanas, mudanças culturais... não precisáriamos ir para o futuro possível, se temos eventos semelhantes no nosso passado, como por exemplo a navegação dos séculos XV e XVI. A analogia, certamente, exaure-se rápido. A sci-fi tem a vantagem de contar com coisas ainda mais estranhas, misteriosas e desconhecidas.

Grosso modo costuma-se dividir a issai... ops, a sci-fi em duas categorias: hard e soft sci-fi. Os nomes, herança da década de 50, referem-se nada mais a que sci está envolvido no meio da história. As hard sciences, nem precisamos nos perguntar quais são; as soft sciences, berço de agradáveis conversas em cafés, discussões intermináveis sobre gênero, experimentações subjetivas, criticismo literário. Ou assim se vê: fifties total. Mazenfim, a hard sci-fi lida com possibilidades reais e duras da física, da química, da biologia, destes afins. A soft softeia mais nos amorosos rincões da sociologia, antropologia, psicologia; onde, enfim, eu me sinto mais à vontade.

Não é preciso dizer, porém, que a melhor de todas é aquela que lida com as duas, obviamente. O nome é só uma questão de onde apostar mais as suas fichas.

Gosto de sci-fi pois ela lida com coisas que podem ser. Exercícios imaginativos são sempre bem-vindos, e em realidade a melhor definição de escritor é, justamente, aquele que não só imagina pessoas e "mundos", mas escreve sobre eles. Evitem, porém, de comentar isso em voz alta perto de um. A fantasia, contudo, tem um porém, que de tão libertador chega a ser opressor: na fantasia tudo é possível, e numa redução ao infinito tudo é possível de forma fortuita. Quer coisa mais sem graça do que isto? Prefiro aquilo que pode ser possível e tem limites. Afinal, tudo o que é possível ao infinito tem uma curva logarítmica inversa para o clichê, para o kitsch.

Estava lendo, terminando de ler, Do androids dream of electric sheep?, o livro de Philip Dick que inspirou o filme Blade Runner. Mas este é para o próximo poste. De certa forma, continua...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A importância de um sesshin

Perguntar-se sobre a importância de um sesshin, para aqueles que o fazem, fizeram ou farão, é uma das questões que soa desnecessária, até mesmo retórica. Um sesshin é importante; por que, de outra forma, as pessoas deslocariam-se de longe para passar dias e dias sentados no zafu? Eu, contudo, peguei-me fazendo esta pergunta, inspirado pela lembrança das minhas dores, dramas e desistências.

Há várias coisas das quais sentimos a diferença somente depois que elas acabam. Engana-se quem acha que, findo um evento, findas as suas repercussões. Durante um sesshin podemos sentir e vivenciar várias coisas, todos nós o sabemos. É somente, porém, quando voltamos para casa, quando voltamos para a nossa rotina, que vemos coisas novas desenrolarem-se – algo que talvez estava lá antes mesmo da viagem.

Uma das importâncias óbvias de um sesshin é o simples fato de que os praticantes reunidos ajudam a manter a prática uns dos outros. Podemos passar a admirar a coragem de Sidarta em sentar-se em zazen sozinho, sem professor, preceptor ou colegas, depois que vemos o quão fracos somos se não praticamos com outros. Não precisamos evocar forças ou energias: a simples pressão social de não abandonar uma sessão de zazen faz maravilhas – eu teria escapado muito, muito antes do terceiro dia.

Importante, também, praticar, neste caso, do lado de um roshi , e de pessoas que praticam o zazen por anos e décadas.

Importante ter a oportunidade – devido a um tempo planejado de prática intensiva – de aprofundar-se no zazen, de poder descobrir estados ainda não conhecidos, de poder ir um pouco mais longe que a prática cotidiana nos permite.

Tudo isto, enfim, importante. Valioso.

Mas há outra coisa importante que desejo deixar para falar aqui: importante é fazer um sesshin, com todas as suas importâncias – e desimportâncias – para ter esta experiência e voltar para as nossas vidas.

Como dizia antes, há coisas das quais o peso delas cai depois: seja fazer sentido depois, seja cair a ficha depois, seja simplesmente revestir-se de outras vivências, depois. Para ser sincero, não tinha muita certeza de porque eu fazia o tal sesshin – ah, por causa do rakussu, uma península de orgulho (o lado bom do orgulho, nos faz fazer coisas que não faríamos com pretensa humildade), para não decepcionar a mim mesmo e aos outros, por uma sede de saber, por um desejo inominável, para pura e simplesmente praticar. Ah, miríades de razões. Mas não tinha certeza e, acima de tudo, nos momentos mais desesperados, para a pergunta "por que você não vai embora?", eu só sabia dizer, depois de um certo tempo: "eu não sei". Prometia a mim mesmo que iria até o final do dia e então, somente de noite, iria ver se ia embora ou não. Cada dia acabava em si mesmo: cada dia um novo dia, nova prática. Cada novo momento. Apesar das várias coisas, apesar das dores e delícias, apesar do rakussu para terminar, apesar dos transeuntes noturnos de São Paulo, apesar do delicioso nabo amarelo, íamos somente indo, fazendo zazen na hora do zazen. Apesar dos diversos pensamentos e distrações.

É agora que, então, olhando para lá, para a semana passada, me pergunto: como foi possível? E não é que aconteceu? Aconteceu. Ao mesmo tempo que pode parecer um sonho, ter um toque de irreal, tem a realidade das coisas não-sonhadas.

O valioso de um sesshin é ter a experiência da prática viva, presente, como um marco. Esta prática constante, este breve período em que nos permitimos e permitimos aos outros que praticassem com mais afinco, ecoará dias e semanas e meses depois, nos lembrando da nossa prática. Mesmo que sentemos muito pouco, mesmo que esqueçamos temporariamente do zazen, mesmo que o ritmo de nossas vidas exija outras prioridades, a experiência está "lá", podemos (tentar) voltar a qualquer momento e nos servir dela.

Qual experiência?

Dogen usava uma expressão interessante para referir-se à prática: prática-esclarecimento, ou prática-iluminação. A prática é iluminação, iluminação é prática; uma não difere da outra. Dizer, porém, que elas são "uma mesma coisa", só que "duas faces de uma mesma moeda" é perder a experiência com palavras: mesmo dizer do Um é perdê-lo irremediavelmente como Um. As palavras vêm, necessariamente, depois, e têm o seu gosto peculiar, muitas vezes saboroso; mas a prática, porém, está além das palavras, não no sentido que as negue.

Zazen é negar nada e afirmar nada. Se tivesse eu feito um esforço para "livrar-me" de todos os impedimentos, de todas as distrações, de todos os "venenos" durante o sesshin, isto não seria zazen: isto seria eu fazendo esforço para livrar-me de impedimentos, distrações e "venenos". Na maior parte do tempo, era isto que fazia: lutando com a dor ou tentando agüenta-la, pensando em desistir e depois arrependendo-me de pensar em desistir. Mas, embora isto não seja o zazen, isto é zazen: eis a nossa vida, eis a nossa prática. Nada de especial, de excepcional, no sentido de que antes mesmo que pudéssemos falar enquanto praticamos ela está lá. É simples, não é? Todos nós o sabemos. Simples mesmo em sua tremenda dificuldade.

"Nadem quanto queiram, os peixes não encontram um fim no mar; voem quanto queiram, os pássaros não encontram um fim no céu." Dogen Zenji.


Afinal, quando falamos de prática, sobre quem estamos falando?

Agora mesmo eu falo de importante e não-importante, de valioso, de prática e iluminação e vida, como se fossem coisas ou separadas ou excepcionais. É uma maneira de falar, uma maneira de passar algo – que eu espero que agrade a uns e sirva a todos.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Bigville

Pontualmente sete dias atrás em que, sozinho no apartamento de um amigo em São Paulo, aumentava um pouco mais a temperatura do meu corpo. Febre durante três horas. Depois, passou.

Às três da manhã daquele domingo havia terminado o rohatsu sesshin do Busshinji.

Willian, o meu amigo, agora mora com Silas. Depois de perceber que dormir na casa deles - pessoas com hábitos noturnos e trabalhos demandantes - iria ser mais difícil que imaginava, tendo que acordar às cinco da manhã, a solução perfeita aparece do nada: o antigo apartamento do Silas estava vago, e ainda não havia passado de mãos. Ah, não tem colchão, nem travesseiro, nada; só livros pelo chão. Não importa. Mudei-me. E que bela vista da metrópole!

Agora eu vejo as dezenas de tonalidades de luzes diferentes, nas janelinhas que pareciam todas iguais. Que cintilamento cromático! No canto inferior esquerdo, a igreja da Consolação, do lado da praça Roosevelt, cujos sinos tocavam músicas românticas desconhecidas no meio do dia. A avenida Consolação subindo, em direção à Paulista.

Esta outra, um pouco desfocada, mais um pouco para o lado direito. Mais cores. Bonito de ver... a vista da grande cidade espraiando-se. Chegou-me a notícia que o grande prédio à esquerda é, praticamente, ocupado por travestis e drag queens. Uma torre só delas. O da direita, de vastos retângulos iluminados, era o famoso antigo hotel Hilton, agora esquecidamente abandonado e carcomido pelo tempo sem mãos humanas.

Era delicioso e muito instrutivo andar nas ruas de Sampa no comecinho da manhã, indo, e de noite, voltando.

Sobre o Rô, depois, talvez.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O que o mundo come

O livro Hungry Planet, de Peter Menzel, retrata - literalmente - algumas famílias ao redor do mundo, com a comida consumida por eles em uma semana - e o gasto disto em dólares.

Dê uma conferida.

Convite

COLIGAÇÃO AGNÓSTICA CONVIDA

...

(calma, meu caro amigo ou amiga. Não, não se preocupe; não se trata de nenhum movimento idealista, ou religioso, ou crítico que almeja criticar algo de criticável em qualquer rincão sócioantropocultural. Salvemos nossos fôlegos preciosos para outras coisas. Coligação Agnóstica é somente um nome difícil - e os nomes difíceis sempre chamam mais a atenção - para "grupo que não sabe". Não sabe do quê, do que não se sabe? Ora, não sabe o que fará na virada, na passagem, no reveillon; aquela comemoração civil em que festeja-se a mudança de um ano, no calendário gregoriano, para outro. Promessas são feitas, deseja-se um devir melhor para todos - a começar por mim mesmo, evidentemente - e até mesmo jubileus privados são celebrados em nossas ardentes piras internas. Vide Mircea Eliade, O mito do eterno retorno, para conferir o como a idéia não é nova.)

...

Uma constatação é feita: dezenas e dezenas de pessoas não sabem o que fazer na virada. Isto é maravilhoso. Pessoas que não sabem o que fazer na virada de ano, reunidas, sabem ainda menos do que uma só. Assim, convido a todos os interessados a participar da Coligação Agnóstica que entrem em contato com o autor do presente documento para reunir-se, enfim, à massa daqueles que ainda não sabem - pelo menos onde passar o reveillon.

sábado, 8 de dezembro de 2007

One Art

ONE ART
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent

to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:

places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.


I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

---Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident

the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

-- Elizabeth Bishop

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Drummond

(....)
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.

Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Confidência do Itabirano,
Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Também não morto

Mas este blog, como visto, anda um tanto largado às traças.

Tem me faltado o desejo e a vontade de escrever.

Mas não penso que fique por aqui. Gosto dele.

Até breve...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Site de línguas

Voltei de viagem... da qual falo mais tarde.

Minha irmã apresentou-me um site interessante, para aqueles que curtem aprender línguas:

www.mangolanguages.com

O método é parecido com o Pimsleur, é gratuito, pelo menos no começo, e parece ser de ajuda.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Uma piranha?


Tenho de dar os créditos sinceros deste fenomenal glimpse da vida selvagem: Mariana, minha irmã, flagrou uma arara provando da nossa mais famosa delicacy ocidental. Manaus, Tiwa Resort, em agosto deste ano. Mais fotos? Eu coloquei aqui. E sinto muito, mas não há piranha alguma.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Obituários

Eu acompanhei o drama. Claro que, com nossa idade, e eu falo daqueles que têm menos de um quarto de século, os dramas desenrolam-se, muitas vezes, em questões de dias ou semanas. Mas, enfim, acompanhei. Acompanhei de longe a vontade de picar a mula, de sair do buraco, de tentar outra coisa. Will escreve, nos últimos dois meses, o obituário da Folha de São Paulo, o que nos deu motivos para piadas irônicas e afins. No último domingo o ombudsman da Folha escreveu sobre o obitário do jornal, e "é um guri de 23 anos o talentoso redator do obituário da Folha. Willian Vieira cursou jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina. Na sua opinião, o 'New York Times' é 'modelo indiscutível para o gênero."

Confesso que comecei a ler os obituários somente depois que o Will começou a escrevê-los... e confesso também que interessa-me; não sei se devo ao texto dele, com suas pitadas, ou ao obituário em si.

Agora Will é o "guri talentoso" na redação. E, segundo o ombudsman, daqui a pouco, com paciência, terá o seu apelido de escritor de obituários, como é de praxe com os outros tantos, em outros jornais - "Senhor Má Notícia", ou "Boa Morte"...

domingo, 28 de outubro de 2007

A Parábola do Homem que Queimou o Dicionário de Grego Clássico

- Duvido que você encontre nike aí neste dicionário velho.
- E por que não haveria de encontrar? Estas palavras todas já estavam mortas quando o cara fez o dicionário.
Os dois estavam sentados em uma mesa de um café, com um dicionário de grego clássico, de capa azul, com um valor de três casas decimais de reais, escrito por um padre, e cheio de palavras gregas clássicas.
- Aposto mesmo.
- Claro que tem, mané. Maluco. Imagina só, nike ainda, podia apostar coisa melhor do que nike.
Namorados, um feio e um chato; um metido a helenista, o outro a hedonista, e no meio disto tudo, ninguém sabe de onde, juntos por mais de meio ano. Por uma lenta osmose, as características mais insignificantes de cada um tornaram um certo tipo de meio-termo indefinido de casal; o principal, porém, era que um continuava feio e o outro, chato.
- E se não tivesse? O que você faria.
- Rá, se não tivesse só restaria mesmo jogar fora uma merda de dicionário tão ruim assim.
- Deixa eu dar uma olhada.
E abriu no nu. Nu, iota, kappa... e nada. Nada de nike, nada.
- Olha, não tem.
- Ah, é? Fala sério. Deixa eu ver.
E viu, e viu que faltava justamente a tal da página. Nenhuma farpinha ou restinho de papel, prova amadora de que alguém havia arrancado nike do dicionário.
- Você tirou a nike fora?
- Nem. Pra que faria uma coisa desta? Vai ver que veio assim - sorrindo marotamente.
Pra bem ou pra mal, o helenista era honesto. Aposta era aposta - e o dicionário de grego clássico queimou num domingo de outono, num quintal de subúrbio.

Homenagem ao póstumo OCI; texto escrito em junho de 2004

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Kyosaku


Um dos detalhezinhos peculiares do zen é o kyosaku.

Kyosaku é o "bastão da compaixão"; um pedaço de madeira longo, reto e plano, uma espécie de palito de sorvete gigante.

Em ocasiões de prática de zazen mais intensivas, como retiros, o kyosaku entra em cena e assusta muita gente. Ele é usado aplicando-se dois golpes rápidos e fortes (dependendo da musculatura da pessoa) em cada um dos lados; no ombro, nos músculos das costas, dependendo do que a pessoa pedir. O estalo, para não se dizer outra coisa, pode chegar a ser alto (pá PÁ... pá PÁ...) Estes golpes são uma excelente ajuda para relaxar os músculos cansados e doloridos do zazen, e/ou para despertar um pouco uma cabeça um tanto sonolenta.

Qualquer um que pegue o kyosaku em mãos pode ver que, para machucar, ele precisa ser aplicado em outras partes do corpo, ou em ângulos diferentes dos usados. Acho que um golpe de kyosaku na cabeça não seria nada compassivo...

Tem uma historinha de um mestre zen famoso, da era moderna, que era atacado pelo cara que carregava o kyosaku: ele sempre levava na cabeça, ou de forma errada. Um dia ele cansou-se e meteu pau no outro monge, e foi expulso do mosteiro.

Via num site, aqui, uma opinião de uma mulher, que dizia que o kyosaku lembrava a palmatória que era usada no colégio de freiras, que aquilo não a agradava... outra, que a imagem de uma pessoa batendo na outra não condizia com a prática, "tão pacífica", da meditação. Como sempre, só depende da intenção com a qual uma coisa é utilizada.

Encontro Ecumênico do CBB

O CBB - Colegiado Buddhista Brasileiro - fará um encontro ecumênico em São Paulo, neste dia 25 às 20hs, na sede do templo Busshinji, na Liberdade. Por quê? Aqui.

Escadinha

Da esquerda para direita, do mais alto para o mais baixo, do mestre para o graduando. Adri, mestre em psicologia, rumando para a terapia familiar sistêmica se ele decidir qual abordagem seguir, o que talvez exija mais 27 anos. Liz, a mais recente psicóloga de Florianópolis, trabalhadora pública incansável, cantora nas horas vagas. Eu, e esse vocês já conhecem.

Uma imagem tirada ao acaso na festa de formatura da Liz, dias atrás. Que maravilhosa imagem, pega de surpresa, estes meus dois queridos amigos... Surpresa também foi ter, como trilha sonora de fundo, a própria Liz cantando, com a sua voz inconfundível.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Farewell

FAREWELL

1

Desde el fondo de ti, y arrodillado,
un niño triste, como yo, nos mira.

Por esa vida que arderá en sus venas
tendrían que amarrarse nuestras vidas.

Por esas manos, hijas de tus manos,
tendrían que matar las manos mías.

Por sus ojos abiertos en la tierra
veré en los tuyos lágrimas un día.

2

Yo no lo quiero, Amada.

Para que nada nos amarre
que no nos una nada.

Ni la palabra que aromó tu boca,
ni lo que no dijeron las palabras.

Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni tus sollozos junto a la ventana.

3

(Amo el amor de los marineros
que besan y se van.
Dejan una promesa.
No vuelven nunca más.

En cada puerto una mujer espera:
los marineros besan y se van.

Una noche se acuestan con la muerte
en el lecho del mar).

4

Amor el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.

5

Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.

Pablo Neruda, 1923

Mar Português

Um dos poemas mais belos da língua portuguesa, ao meu ver; por sua brevidade, por seu ritmo, por sua coloquialidade, pela mensagem, e pelas belíssimas figuras. Esses são não os motivos para que ele seja um belo poema: ele é um belo poema, e pronto. Esqueçam, então, o dito pelo dito. Há nele um sentimento muito humano, ao qual todos os fatores unem-se para tornar-se poema simples, a ser cantarolado, distraidamente, e então...

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

gato colo; colo gato

domingo, 14 de outubro de 2007

Casamento

Adélia Prado

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como 'este foi difícil'
'prateou no ar dando rabanadas'
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos pela primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Foto de família

Que milagre é poder ver as galáxias distantes como folhas a cair, ou pequenas faíscas de massa ígnea depois que a acha está a arder-se, terminada a sua chama. Aqui acaba-se nosso senso de proporção; dizemo-nos que vivemos em um pequeno sol no meio-caminho do centro à periferia da galáxia, e num planeta deste pequeno sol, e em um ponto deste planeta, já tão imenso, apesar de pequeno, e as árvores e gatos que nos cercam e este corpo que nos cerra - e onde é que estamos, afinal, onde estou eu, eu que o pergunto? A minha pele. Grande parte da poeira de casa é pele humana, que descama-se em particulazitas discretas como galáxias. Dizemos tudo isto, mas não temos a idéia - temos apenas as palavras.

Eis duas galáxias que colidem. Talvez acontecerá o mesmo com a "nossa", em breve, poucos bilhões de anos, no máximo. Estas duas aí continuarão na mesmissíssima posição, caro leitor, quanto tu morreres em poucas décadas, até mesmo quando os teus filhos e os netos deles procurarem pelo mesmo ponto; a foto será a mesma. Mudanças ínfimas. O tempo de vida na terra talvez seja da ordem de um suspiro, se é que o vazio cósmico suspira; não o posso confirmar, contudo, imagino-o como um suspiro, talvez. Fleeting moment passing by. Se vai-se repetir tudo, ou se tudo está repetindo-se infinitamente agora; se o tempo é redondo, quadrado ou da forma de uma bala melada, se não existe ou ainda não decidiu tempar-se... isto não importa para o fato que sei de um tempo, que sei de um gato e de uma árvore, e enfim. É um milagre que possamos ver duas galáxias batendo-se como trapos na máquina de lavar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

i thank You God for most this amazing
day:for the leaping greenly spirits of trees
and a blue true dream of sky;and for everything
which is natural which is infinite which is yes

(i who have died am alive again today,
and this is the sun's birthday;this is the birth
day of life and of love and wings:and of the gay
great happening illimitably earth)

how should tasting touching hearing seeing
breathing any--lifted from the no
of allnothing--human merely being
doubt unimaginable You?

(now the ears of my ears awake and
now the eyes of my eyes are opened)

ee cummings XAIPE 1965

domingo, 30 de setembro de 2007

Postado em Sangha Margha:

Nesta manhã de domingo fizemos uma caminhada pela paz, no centro de Florianópolis. Cerca de 30 pessoas - gente da comunidade zen-budista, do budismo vajrayana, da fé Baha'i e do catolicismo - passearam calma e alegremente, entre conversas, cartazes e cuias de chimarrão, em adesão a outras tantas manifestações sobre nossos colegas, monges ou não, de Mianmar. Uma alma mais virtuosa que eu poderá falar melhor, com fotos e demais quetais.

Eu e Joshin, por idéia dele, fomos antes na missa das 7 e meia da manhã, na Catedral Metropolitana. Desejávamos dar um aviso para o povo todo da caminhada; alguém talvez gostaria de juntar-se a nós.

Fazia muitos anos - quase 10, se não me engano - em que não ia a uma missa. Se duvidar, a última vez em que fui numa missa foi quando eu "recebi o Espírito Santo", a minha crisma. Desde então, perdi o hábito - se é que o tive - de ir à missa. Durante a liturgia de hoje, pensamentos e lembranças de tantas missas que eu fui, quando criança, voltaram com aquele caráter fragmentado e distante das lembranças muito antigas. Vi-me ora sentado, ora ajoelhado, ora caminhando, ora escutando. Era somente uma coisa a mais, como outras tantas coisas chatas.

De uns tempos para cá, porém, tenho sentido um desejo de aprofundar-me, de conhecer mais, na e sobre a experiência cristã. É interessante que o zazen me tenha aberto, de certa forma, a querer saber mais. Afinal, assim como um crente sofre com a "perda da fé", uma pessoa sem fé sofre ao ver-se amolecendo debaixo da chuva. Mas não se perde, ou ganha, nada.

Deixo um pouco liturgias e dogmas de lado - a forma - e olho de perto, para um "Deus vivo", que é a expressão que me veio à cabeça. Oxalá que possam viver sua fé, e este sacramento, nas suas vidas.

Joshin falou bem para o povo na catedral, com presença, palavras justas e bonitas. Comungamos, recebemos as bençãos da comunidade para nós, "irmãos de outras religiões", e tomamos café - todo mundo sabe que eu me rendo ao ser convidado a partilhar duma mesa... Agradecimentos ao padre Egidio e ao padre José; este último nos acompanhou em nossa caminhada.

domingo, 23 de setembro de 2007

5 livros que "mudaram a minha vida"

Meu amigo Robizito desafiou-me, seguindo o tal do meme que rodeou por outros blogs afins, a dizer dos cinco livros que mudaram a minha vida.

Ora bolas. Livros que mudaram a minha vida... são tantos, e tão diversos... eu posso dizer que 30 porcento dos livros que eu já li, efetivamente, mudaram a minha vida em uma escala mensurável. Mas certo, entendo o que se quer dizer - o que, aqui começam as más notícias, torna as coisas ainda mais difíceis. Além do mais, há de relevar todos aqueles deliciosos livros da biblioteca do Centro de Magna Sapiência de Santa Catarina (UFSC), e os deliciosos livros que ora peguei emprestado, ora peguei furtosamente e furtivamente - embora eu sempre devolva aos meus amigos.

Escrevendo, percebo que dizer de cinco livros sempre leva-me a falar de outros. Não tem como ser diferente. E, como não quero deixar muita coisa passar, eles vão aparecer.

O critério primordial, então, da minha seleção, será o seguinte: tirando uma ou outra lembrança que pode me vir a cabeça, os livros abaixo citados são todos meus livros de estante, da minha estantezinha branca. A estante não dá conta de todos os livros e das 27 toneladas de xerocópias que tenho, então também poderão entrar na lista os livros que se escondem na prateleira de cima do meu armário - também ele branco. Serão, também, todos livros "de literatura". Acho que vou deixar os outros livros - filosóficos e científicos - para outra deixa, deixa somente deles.

0 - O zero é um caso especial. Um livro que mudou muito a minha vida? Relembrei-me estes dias de um livro de receitas que tínhamos quando eu era criança, chamado A boa mesa. Eu pirava demais com as descrições das cocções e preparações, e pirava mais ainda com as fotos, muito boas por sinal. Sentia um prazer indescritível em acompanhar, passo a passo, o fazer de um prato, mesmo que fosse apenas na minha cabeça. Um dos gestos de carinho que me lembro mais fortemente é de quando a empregada que trabalhava lá em casa fazia o tal do "bolo amarelo". A receita era deste livro, e nele o tal do bolo tinha uma cobertura branca e um recheio, e era um dos mais simples. Ela me fazia sem nenhum dos anteriores, somente a massa, quando eu pedia, e eu adorava o sabor e a textura dele.

A lista continuaria, agora que li outro post sobre o mesmo tema. Como eu pude me esquecer da Droga da Obediência, um dos livros que mais me atiçaram a imaginação, que eu li mais de 3 vezes, que eu reli outras tantas?

Também, a minha experiência de pequeno leitor com a Coleção Vagalume da Ática. Desses, eu não tenho o que comentar, pois temo que todos os cinco livros que mudaram a minha vida eu tenha lido antes dos 12 anos de idade. Acrescento também os gibizões grossões, pelos quais eu era sedento; a uma série de mangá que ganhei por volta dos 12, também, Mai, a "garota psíquica" (esqueci da tradução), a um... bem, o critério mudou. 5 livros que mudaram a minha vida depois dos 15 anos.

... mas, antes, devo dizer: com 13 anos eu li os dois livros do Capra: O Tao da Física e O Ponto de Mutação. Logo depois, li O Mundo Assombrado pelos Demônios, do Carl Sagan. Isto, porém, é para outro post.

1 - O Admirável Mundo Novo, do Huxley. Nem me lembro mais quando foi a primeira vez que o li. Tenho uma edição da Globo, com um desenho engraçado na capa (que não é esta ao lado); suas folhas de papel-jornal estão amarelando lentamente. Ler o AMN foi uma espécie de iniciação na obra do Huxley, que passei a ler todos os que podia encontrar dele (embora eu confesse que até hoje ainda não tenha lido Contraponto...), donde eu cheguei à parte esotérica-mística da obra (e da vida) dele, passando pela Filosofia Perene, caindo no - surpresa! - As Portas da Percepção, terminando com A Ilha. As Portas... me deu muito o que pensar, e A Ilha foi uma leitura interessante, mas AMN continua o melhor dele, para mim. Foi um dos primeiros livros que eu li em inglês - "a squat grey building", ah, que memória boa eu tenho! Na época, não fiquei horrorizado - como muitos ficam - com a visão de futuro do Huxley, e confesso, com uma pitada de perversão, que na época eu achava uma idéia até natural e totalmente funcional, fazer com que as pessoas gostem de fazer o que têm de fazer. Mais tarde, vi que não se tratava somente disto... Uma cena que lembro-me sempre é do céu noturno de Londres, brilhante de outdoors e propaganda no céu, ofuscando a visão das estrelas acima. Que planeta solitário...

AMN levou-me, de uma certa forma, ao 1984, do Orwell. Este é um dos livros que eu releio sempre, volta e meia. Não tenho muito a falar, a não ser que é um tremendo de um livro, dado o contexto em que foi escrito. Acho que tenho um gosto pelas distopias. Confesso que o que eu mais gostei em Independence Day foi o fato de os ETs já meterem fogo logo no início do filme. Depois de 1984, comecei a ver mais as utopias, começando pela A Própria, do Morus, passando pela República do Arístocles, perdão, Platão. Não posso deixar de dizer que a República é o livro clássico mais nojento que eu já li - para um filósofo, aquilo é uma aberração.

2 - Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago. Por que, exatamente, este livro em especial do Saramago como um dos livros que mudaram a minha vida? Eu não sei dizer muito bem. Sei dizer, somente, que sim; tinha 16 anos quando o li, e retenho até hoje a memória de como o livro me impressionou, e tenho textos que comprovam isto... uma espécie de sentimento de injustiça e compaixão e sei lá mais o que levantaram-se em mim como vagas mudas, e eu escrevi febrilmente. Até hoje guardo comigo uma frase dele: "uma coisa sem nome, esta coisa é o que somos."

Também, contudo, por volta da mesma época - ai, como eu tenho vergonha... - eu li aquela famosa série do Benitez, Operação Cavalo de Tróia. Toda ela. E, por pouco, quase deixei-me convencer e converter por um evangelho fantástico. Foi bom, pois depois do golpe meu senso crítico voltou mais maduro e com mais força que antes. Os detalhes pseudo-científicos, porém, eram bastante interessantes.

O que me remete a Madame Bovary, que é um livro com o qual eu me identifico muito. Se Flaubert dizia que a Emma era ele, vamos ter que resolver no muque, pois eu acho que ela é eu.

3 - Lolita, Vladimir Nabokov. Ah, eu sofri com o Lolita; como eu sofri com o Lolita. Li-o pela primeira vez poucos meses atrás. Eu tenho aqui comigo uma espécie de adágio: "o livro certo na hora certa". Tenho esta impressão fortíssima, muitas vezes: "ah, este livro veio parar nas minhas mãos justamente na hora em que estou apto para lê-lo!" Claro, não vou discutir, João: nada mais do que a velha tendência de prestar mais atenção a detalhes que referem-se a nós, certo, misturado com um pouco de psicologia literária. Tudo bem. Mas a impressão continua, e este foi o caso do Lolita. Se tivesse lido antes, tenho certeza, não teria tido a Lolita experience até o seu âmago, até o seu amargo, obscuro, afiado e límpido final. Lolita é um livro belamente muito bem escrito, com uma finura e uma sutileza distinta, sem deixar de ser legível por causa disto.

(Intermezzo: opa, alguns livros que queriam entrar na lista rebelaram-se e caíram por aqui... A Hora da Estrela, Lispector; Solaris, Stanislaw Lem; Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar; Afrodita, Isabel Allende. Clarice, que eu muito gostaria de ver, não aparece; soube mais tarde que se encontrava com Hilda Hilst para um gole de vinho do porto. Mas Allende aproxima-se com um brilho assustador nos olhos.)

4 - O Deus das Pequenas Coisas, Arundhati Roy. Este livro obscuro de uma autora médio-obscura, indiana inglesa, por assim dizer, veio parar às minhas mãos de uma forma muito especial: minha mãe comprou, começou a ler, não gostou e me deu. Imagino o porquê de ela ter comprado este livro, e tenho certeza do porquê ela não ter gostado: aqui está uma boa prova das diferenças de gosto literário, e expectativas quanto à vida, entre eu e ela. A história dos gêmeos Estha e Rahel envolveu-me da mesma forma que a doce floresta indiana no sol do fim da tarde. Extremamente sinestésico, um pouco delirante, como uma insolação, um pouco doce demais, como uma manga muito madura. Um tanto dividido, duas culturas distintas, duas gerações distintas, a promessa de morte, a morte certa... e um pé atrás, recuando do drama excessivo. Ah, que livro.

(Começo a escutar vozes, e elas dizem "Hesse, Hesse". Não posso mais dormir, então deixo aq
ui um canto para dizer que Hesse, Hesse.)

5 - And last but not least. Este aqui, eu não sei o que dizer dele. Um crássico, não é mesmo, minha gente? Estou falando do Hamlet. Chama a atenção o fato de que eu tenha pouco colocado as mãos nele; de tempos em tempos cruciais, porém, eu encontro-o novamente. Tenho a sorte de lê-lo no inglês. Nada a acrescentar.

A não ser o Walden, Henry David Thoreau. O mais famoso trancendentalista americano depois de Emerson, este cara constrói uma pequena cabaninha de madeira com suas próprias mãos na beira do lago Walden. Não estava isolado do mundo não: o vizinho mais próximo estava a dois quilômetros de distância. Planta seus feijões, faz seu pão. Durante e depois escreve suas memórias e impressões sobre a experiência. Além de escrever bem, nas horas certas as reflexões de Thoreau caem como chuva no telhado.

(Outros protestos enchem as avenidas da minha imaginação. Isaac Asimov, muito cortesmente, me pergunta: "e eu, e eu?" Ao que, evidentemente, eu respondo qual a diferença que um rapaz latino-americano com pouco dinheiro no banco e sem parentes importantes pode fazer para a sua glória imortal. Um grupo de pessoas chamadas/o "Homero" me circunda em um beco escuro e pergunta(m)-me se de nada adiantaram os seus milhares de hexâmetros dactílicos da Ilíada... Jorge Luis Borges sabe que eu já lhe devi as devidas honras em um café de Buenos Aires, mas Machado de Assim olha-me de longe, enfastiado. Fico me perguntando o quanto os escritores podem ficar carentes depois da morte.)

Uma coisa me chama a atenção: como os livros são experiências tão marcantes, e tão fugazes. Voltam sempre, sempre lê-se os mesmos livros, vezes e vezes e vezes. De alguns dos livros, aí em cima, eu me perguntava: cabe ele entrar nesta minha lista tão "nobre" ? Ficava a questão; outros passavam pela minha cabeça, e me questionavam "e eu, e eu, não fui forte para você?" A dúvida dissipava-se, porém, ao voltar-me para trás e poder ver-me lendo, como se fosse agora, como eu os lera pela primeira vez. Alguns são espumas flutuantes, outros pregam-te nas tardes de ócio e fazem sonhar. E nem sempre os livros mais marcantes são os "melhores".

(Oh não... quem eu menos esperava dobra a esquina... e não está sozinho...)

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

sombremo-nos


Por que há desejo em mim, é tudo cintilância.

Hilda Hilst

ars longa uita breuis

Ὁ βίος βραχύς, ἡ δὲ τέχνη μακρή, ὁ δὲ καιρὸς ὀξὺς, ἡ δὲ πεῖρα σφαλερὴ, ἡ δὲ κρίσις χαλεπή

ho bíos brakhýs, hê de tékhnê makrê, ho de kairos óksus, hê de peîra sphalerê, hê de krísis khalepê

Ars longa, vita brevis, occasio praeceps, experimentum periculosum, iudicium difficile

A vida, breve; a arte, grande; o momento oportuno, fugaz; o experimento, hesitante; a decisão, árdua.


A famosa fase de Hipócrates, o pai da medicina; traduzida e abreviada para "ars longa uita breuis". A arte, tékhnê, se trata da arte da medicina; "arte" eram consideradas a arte da retórica, da navegação, da escultura. tékhne e poiésis: a arte e o fazer, poiésis sendo o verbo utilizado para as coisas que se fazem, como poesia. Com o tempo é que se diferencia a técnica da arte: para os gregos um escultor era, antes de tudo, um fazedor, como um sapateiro ou um latoeiro.

A arte da medicina, muito maior do que a vida, curta demais: a vida dos doentes, a vida dos médicos. A vida de um médico não é o suficiente para englobar toda a arte da medicina; o aprendizado prossegue, ininterrupto, até a morte - e além, com outros médicos aprendendo a mesma arte.

kairos é o momento oportuno, a "oportunidade". Há duas palavras para tempo, em grego: khrónos e kairos. khrónos é o tempo em si, o tempo que passa, impiedoso. kairos é um momento no tempo, o momento certo em que uma determinada ação pode ser efetiva - ou não. Uma flecha zunirá para cima de qualquer forma, assim como uma pedra cairá, de qualquer forma; uma flecha acertará o alvo, porém, em um determinado "momento oportuno", dadas as "circunstâncias" - mira, força, e quetais. "Ah, aqueles momentos em que eu podia ter feito algo, e não o fiz...", imagino Hipócrates com os seus botões. Pois o momento oportuno é fugaz, muitas vezes.

kairos é uma das palavrinhas gregas que vale a pena aprender.

E o experimento é hesitante; "periclitante", para se dizer. peîra é uma tentativa, um experimento. Tem aqui este sabor de tentativa - e erro. Pois o experimento não nos garante certeza; pode ser um tiro no escuro, baseado no tatear.

Quão árduo, quão sofrido pode ser um julgamento e uma decisão, dado todos os anteriores. krísis é decisão, escolha, julgamento; mas também tem um significado, de acordo com o meu querido LSJ online, de um ponto de mudança de uma doença, para pior ou melhor - que também pode ser "muito difícil de aguentar" (khalepos), para o nosso Hipócrates.

A frase é contundente, e por mais sintético que seja o grego, há um caráter marcante e duro nela. Um certo sentimento de urgência, de algo a ser feito, empresta a sua sombra. Algo além do que uma simples meditação - meletan - sobre o tempo de vida de cada um, e a arte que continuará adiante. Há que se fazer algo, há que se fazer - a arte da medicina que encontra-se, muitas vezes, em cima do fio da navalha.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

"Não se deve limitar-se a escrever assim como não se deve limitar-se a ler. A primeira destas ocupações abaterá, esgotará a energia espiritual. A segunda a enfraquecerá, a diluirá. Recorramos alternativamente a uma e a outra, e temperemos uma com a outra, de tal modo que a composição escrita dê corpo de obra (stilus redigat in corpus) àquilo que a leitura recolheu (quicquid lectione collectum est)."

Nec scribere tantum nec tantum legere debemus: altera res contristabit uires et exhauriet (de stilo dico), altera soluet ac diluet. Invicem hoc et illo commeandum est et alterum altero temperandum, ut quidquid lectione collectum est stilus redigat in corpus.

Sêneca, Carta 84 a Lucílio.
Tirado de "A hermenêutica do sujeito", Foucault.

sábado, 8 de setembro de 2007

Duas do português brasileiro:

Will anda por Sampa e vê uma placa na rua. Ela anuncia que está-se procurando um pudo. É, um pudo, aquele cachorro branquinho e peludo.

Mãe vê, aqui em Floripa, se não me engano, uma placa de alguém vendendo guaraná em pó. Claro que, para vender bem, há de se anunciar as qualidades do produto, como a flor de síaco, por exemplo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Escritor é condenado por morte descrita em romance

Folha de S. Paulo - 6/9/2007 - por Clara Fagundes

Numa cidadezinha polonesa, um corpo é pescado de um rio, com sinais de uma morte sórdida: mãos ao redor do pescoço, atadas a uma forca. A polícia identifica Dariusz Janiszewski, o dono de uma pequena agência de publicidade, que não tinha dívidas ou inimigos. A descrição detalhada deste homicídio, no romance policial Amok (o arrebatamento, em português), terminou em um posfácio inesperado: a prisão do autor, Krystian Bala, condenado ontem (05/09) a 25 anos pelo crime que inspirou a obra. A principal peça da acusação é o romance policial, publicado em 2003, três anos após o assassinato. O investigador Jacek Wroblewski garante que a narrativa tem informações minuciosas, conhecidas apenas pela polícia - ou pelo assassino.

Retirado daqui...

sábado, 1 de setembro de 2007

No meio da floresta


Esta é a única foto conhecida que temos do famoso antropólogo, naturalista, etnólogo, teólogo e gastrônomo Boetius Schwannherz Hawthorne Eckhart III. Boetius foi um dos primeiros a, entre muitas obras, introduzir a estampa indiana no meio da selva amazônica. Na foto ele se encontra na "Passarela do Amor", construída por ele para observar o acasalamento das araras azuis. Boetius também foi o responsável pela maior queimada ocorrida em um floresta tropical, e pela construção de uma casa de ópera feita, inteiramente, de pau-rosa.

13 de dezembro

Bem que esta noite eu vi gente chegando
Eu vi sapo saltitando
E ao longe ouvi o ronco alegre do trovão
Alguma coisa forte pra valer
Estava para acontecer na região
Quando o galo cantou
Que o dia raiou eu imaginei
É que hoje é treze de dezembro e a treze de dezembro
Nasceu nosso rei

O nosso rei do baião
A maior voz do sertão
Filho do sonho de D. Sebastião
Como fruto do matrimônio
Do cometa Januário
Com a estrela Santana
Ao nascer da era do Aquário
No cenário rico das terras de Exu
O mensageiro nu dos orixás
É desse treze de dezembro
Que eu me lembrarei e sei que não me esquecerei jamais

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Ideal

Não há nada mais perigoso do que um ideal. Eu temo, por mim e por outros, um mundo em que algo de ideal acabará prevalecendo. Quero longe de mim a perfeição. Quero distância da mathesis universalis. Um ideal deveria existir somente como isto: um ideal. Todas as pessoas que proclamassem um ideal, acreditando piamente nele, deveriam comer sabão.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Coisas de amigo

A Dé montou uma exposição, juntamente com um colega fotógrafo: Efemeridades. Todo o blábláblá popó-momó pode ser conferido em seu petit blòg Memorialista. Segundo seu namorado, é o começo de uma "linda carreira". Talvez não seja, Jaguarito, talvez não seja. Estás sendo muito romântico. Vamos ser mais realistas e dizer que é o começo de uma série de sucessos, de cachês polpudos e de propostas diversas e divertidas.

Faggiani está publicando, em seu blogette de endereço próprio - um luxo - uma série de artigos sobre psicologia. Muito interessantes, se o querido leitor lembrar-se sempre que a psicologia é um balaio de gatos. Faggiani faz mestrado em Análise do Comportamento na USP. Como eu nem quero saber, muito menos escrever, sobre psicologia atualmente, passo a bola a ele, que também ataca Quem somos nós? e O segredo, como um cara esperto que ele é.

Vidu Bazzo escreveu um texto muito interessante na última semana, Der neue Übermensch - Teil 2, com título em alemão e escrito em inglês. Teve uma parte um que está perdida em algum lugar do seu blogue. Um comentário muito bem escrito sobre a onda ateísta atual, que nega, renega e denega qualquer coisa religiosa... bem, vocês podem ler o texto dele, que está muito melhor escrito do que eu escreveria agora - embora em inglês. A sua leitura pessoal do conceito de além-do-homem nietzscheano é interessante. Um texto lúcido e bonito. Espero que ele consiga colocar suas idéias em prática.

O avô do Vidu morreu esta semana passada, e ele escreveu um réquiem no seu blog também. Já tive a oportunidade de poder conversar com ele, e quero demonstrar mais uma vez os meus sentimentos. Por mais distantes que muitas vezes nos sentimos com relação a outrem, certas coisas nos tocam mais do que logramos pensar; e se toca você, Vidu, toca a mim também.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Tirinha...


Linda tirinha.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Ducentésima postagem

Quais as companhias que aparecem em Blade Runner?

ANACO, Atari, Atriton, Bell, Budweiser, Bulova, Citizen, Coca-Cola, Cuisine Art, Dentyne, Hilton, Jovan, JVC, Koss, L.A. Eyeworks, Lark, Marlboro, Million Dollar Discount, Mon Hart, Pan Am, Polaroid, RCA, Remy, Schiltz, Shakey's, Toshiba, Star Jewelers, TDK, The Million Dollar Movie, TWA, Wakamoto.


Você chegou a ver todas?

Damnatio memoriae


A foto mostra Stalin e o apagamento do comissário Nikolai Yezhov, tornado persona non grata e executado em 1940.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

"No-knead Bread"

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Space Opera

Gente, estava dando uma olhada na Uncyclopedia. A Uncyclopedia é uma versão... digamos... diferente da Wikipedia: usa o mesmo modelo de artigo e postagem, mas tem um compromisso menor com a verdade científica ou filosófica ou factual. Enfim, a Uncyclopedia - ou Desciclopédia, em português - é um bando de nonsense maravilhosamente divertido.

Estava lendo sobre a descrição da Cientologia (Scientology, a religião-culto-empresa que o Tom Cruise é o mais famoso representante) na Uncy... Comecei a ler sobre a Confederação Galática, fundada 75 trilhões de anos atrás, sobre o seu líder Xenu, que trouxe vários alienígenas para a Terra em naves em forma de aviões, colocando-os todos perto de vulcões e os matando com bombas de hidrogênio - a "alma" dos aliens mortos na ocasião são a causa de tantas mazelas para a humanidade, pois elas se agarram aos corpos de carne humanos e quetais.

Eu gosto de ler estas histórias. Na Uncy tem outros artigos sobre a provável história presente, passada ou futura - como a da invasão marciana, a fundação do estado do Megatexas. Na Desci, procure por Ashtar Sheran, o líder espiritual de Elba Ramalho.

De curiosidade, porém - e esta curiosidade há de me matar... de desgosto - fui procurar na Wiki sobre esta história que a Cientologia conta. É a mesma, muitas vezes palavra por palavra. Um dos casos em que não foi preciso satirizar uma história verdadeira para a tornar ainda mais non-sense ou engraçada.

Space opera in Scientology scripture
Xenu (este tem mais figurinhas)

Uia.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Integração homem-gato

Professor, cadê você?

Os que vivem na Praça XV, no centro de Florianópolis, concordam em uma coisa: o Professor é o homem mais culto do Brasil. Há três meses, depois de mais uma noite na escadaria da catedral, ele desapareceu misteriosamente. Confusos com o sumiço, seus companheiros elaboraram várias versões para explicar o caso. O Professor é um morador de rua que se autodenomina revolucionário e que fala português, inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, holandês, ao todo, sete idiomas. Antes de ter ido embora, ensinava essas línguas aos colegas, logo após o almoço, a divisão dos restos de pães doados pelo padeiro do outro lado da rua.

Quer continuar? Vá para o blog do Bruno e procure pelo post "Professor, cadê você?".

sábado, 21 de julho de 2007

if

an infinite number of rednecks
riding in an infinite number of pickup trucks
fire an infinite number of shotgun rounds
at an infinite number of highway signs
they will eventually reproduce all
of the world's great
literature
in

braille.gif (740 bytes)


http://www.buddhamind.info/riteside/index.htm