quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Você sabia, mona?

Alan Turing é um cara conhecido. Mais conhecido, talvez, se o leitor tiver um interesse - mesmo que mínimo - na área da "inteligência artificial" (teste de Turing, alguém?). E pelo seu trabalho criptográfico, para a Inglaterra, na 2GM. Não vou fazer um nariz-de-palhaço explicativo para o Turing, vá dar uma olhada. Ele também está no Squashed. English required, as always.

E Alan Turing era homossexual, gay, como queirais, e foi condenado por crime pela mesma lei britânica que condenou Oscar Wilde.

Infelizmente eu não fui condenado, senão entraria para este seleto clube de homens inteligentes, e minha memória viveria para sempre.

Ou Turing escolhia pela condenação e sentença, e ia escrever um De profundis da computação, para seu computador Baby, ou se submetia a um tratamento psiquiátrico de última geração, para reduzir o tesão pelos outros homens, com aplicação de hormônios femininos; acaba sendo este último o seu destino. Dois anos depois, ele (provavelmente) se suicida, com uma maçã envenenada por cianureto. (Não nos apressemos a tirar causalidades precipitadas, por favor!)

O tratamento atesionante, se refletirmos a respeito, é de uma violência simbólica considerável. Tem gente que passou por isto voluntariamente, eu sei; a vergonha de si e a culpa operam verdadeiros milagres. Pelo menos Turing não virou um eunuco, ou foi esquartejado por quatro cavalos xucros, ou simples e rapidamente enforcado. Corremos até o risco - sedutor! - de pensar em tão compassiva medicina que dispõe de meios tão astutos para socorrer aqueles que sofrem.

Em agosto deste ano alguém começa um abaixo-assinado requerendo uma retratação e "perdão" do governo britânico com relação ao tratamento legal de Alan Turing. As pessoas deixam as suas opiniões, e no dia 10 deste mês o primeiro-ministro Brown faz uma declaração de "desculpas".

A considerar: ele merece ser "mais desculpado" por ter sido um dos "heróis" da 2GM? Quem opina parece compartilhar desta idéia. Muitos outros, evidentemente, foram mais sóbrios e disseram, com toda a razão que posso dar, que devia-se desculpar as outras tantas milhares de pessoas que passaram pela mesma lei, e por tratamentos, por muitas vezes, bem diversos, mas sempre envolvendo o sentenciamento e a ilegalidade. Turing é somente a figura pública, a encarnação, o bode-expiatório, o pharmakon ao revés, a figurinha a ser bafejada.

Gostaria de poder pensar que este tipo de coisa somente acontecia no nosso remoto passado bárbaro (uns 60 anos atrás), talvez como sintoma social do final da Guerra: "vamos consertar os nossos heróis, e inculcá-los vergonha". Aqui no Brasil as coisas são mais simples e decididas: quase todo mundo odeia quem é gay, ou tem seus grandes preconceitos. As pessoas "toleram", evidentemente, a tolerância na sua forma mais simples - a indiferença que corteja o desprezo. E, por enquanto, parece não ter novela que resolva. Que o diga Maurício de Sousa.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Chega

"Se você soubesse, de antemão, o quanto a prática ['espiritual', do zen] poderia ser difícil, sequer teria começado." Se não me engano, Albert Low falou algo deste calibre, no seu A vaca de ferro do zen.

O mesmo pode ser dito da vida. Se soubéssemos o quanto ela poderia ser difícil - cotidianamente, paulatinamente, excepcionalmente -, o quanto ela não cessa de nos mandar as benesses e as mazelas cotidianas, sem interrupção, acho que um bom número de nós escolheria, em algum momento, nem sequer ter aparecido - pensamento este evidentemente absurdo.

Tente imaginar que você jamais existiu. Não, não assim, não é pensar em você, seja o que for, olhando para o mundo sem a existência ______ (coloque o seu nome aqui); é pensar que você - que está pensando agora - sequer tenha experienciado um momento de consciência de si, e o mundo continuou. É praticamente inconcebível: podemos pensar a nossa não-existência - de modo até calmo e desapegado - somente se vemos com o nosso ponto-de-vista.

Não dá pra dizer "chega, pode parar" para a vida, por mais "vivido" que você pense estar. É tirar ou pôr. A vida é uma questão de vida ou morte, e não pensa em termos de excessos ou deficiências, de mais ou menos - "chega", "ainda não", "estou cheio/estou vazio".

Que pena. Queria uma banheira de água quente infinda, que não murchasse os dedos nem ardesse os olhos, com uma taça de vinho que não acabasse nunca e sempre mudasse a uva, a idade e o vinhedo, com direito a replay dos melhores momentos, sem ressaca. Ah, como eu queria.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Por favor, reflitam a respeito

Grandes baluartes intelectuais da nossa herança cultural fazem a nítida distinção entre homens e animais. A longa procura intelectual pelo que é distintivo do homem nos deixa claro: homem não é animal, e animal não é homem, seja a linha de corte a cultura, a linguagem, a inteligência, a consciência, a moralidade, a religiosidade, e outros, outros tantos.

Descartes, por exemplo, demonstrou claramente que animais são autômatos biológicos, que não sentem dor, posição confirmada e respeitada pelas nossas mais conceituadas instituições de ensino, de pesquisa, e corporações. Platão, the paragon of philosophers, classifica as nossas paixões mais "baixas" de animais, nos instando a nos livrar delas e aceder a paixões mais humanas e sublimes; visão esta que é compartilhada pelas grandes religiões mundiais, além de outros pensadores.

É tomando somente estes dois exemplos - aos quais eu poderia acrescentar tantos e tantos outros - que eu próprio conclamo a todos a abandonar o uso do fio-dental. Estudos recentes nos mostram que macacas ensinam os seus filhotes a passar fios de cabelo (humano) entre os dentes, para limpá-los e, assim, diminuir os riscos de infecções.

É evidente que, a partir do momento em que você imita um macaco, você se torna um macaco. Como poderíamos, então, continuar o vergonhoso uso de um procedimento que nos torna, cada dia mais, mais parecidos com um macaco, com um animal? É tarefa de alguns avisar a outros tais perigos que se escondem nas práticas mais cotidianas, que repetimos, sem o saber.

Eu nunca usei fio dental, e nunca o usarei.

[ditado por] Tilo, o Gato

(O dono do presente blogue não se responsabiliza por opiniões veiculadas por terceiros, como acima)

Uma história de meditação bem-sucedida

Existe uma coisa chamada "análise do discurso", uma ou várias técnicas, com vários referenciais teóricos, para, por exemplo, analisar representações sociais em pedaços de discurso - textos, vídeos, músicas. Há trabalhos interessantíssimos, e aponto para o LACCOS, aqui na UFSC. Há, também, trabalhos risíveis, daqueles que se pergunta se foi realmente necessário uma pessoa chegar até um mestrado, ou doutorado, para escrever algo que, usualmente, as pessoas fazem - ou tentam fazer - lá na redação do vestibular, ou numa mesa de bar, ou em um blogue.

Uma destas análises risíveis segue-se abaixo.

Faz mais de duas semanas em que o seguinte blogue está assombrando a minha caixa de mensagens do gmail, lá em cima, onde o onipresente google coloca os seus pequenos anúncios. É um blogue de um cara de meia-idade, que poderia ser chamado, aqui no Brasil, de Ricardo da Silva.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Como criar um efebo erudito - parte 1

Foi este o culpado.

Com a compra de um aparelho de som da Philco-Hitachi, muitos e muitos anos atrás, você ganhava, totalmente grátis depois de pagar uma nota, o compact disc - uso o termo completo, como de praxe na época - das "Quatro Estações", Vivaldi, Filarmônica Nacional da França conduzida pelo Lorin Maazel.

Tinha eu uma idade indefinida, entre os seis e os nove anos. Logo tomei a ousadia - em uma casa em que, nos primórdios, as grandes tecnologias, como o primeiro 386, só poderiam ser usadas com supervisão de um adulto - de botar pra tocar, na nossa casinha de madeira que tremia com qualquer coisa, deitado naquele tapete de pêlos mil que, admiro, não tenha me matado de rinite.

Eram umas caixas lindas. O som era muito bom. Meses atrás tivemos que, infelizmente, jogar as caixas fora - a única parte do som que eu fiz questão que não fosse dispensada, o resto do equipamento precisava de um bom conserto. As caixas de madeira de 80-90 centímetros de altura, com um grave que jamais esqueço, ainda funcionavam.

Paro de falar, pois estou começando a ter apertos no coração, de arrependimento.

Bem, o que temos hoje, então? Alguém que sabe as "Quatro Estações" de cor. Pego-me imaginando: o se fosse outro o compact disc? Um do Iron Maiden, talvez? Ou uma coletânea de música brasileira, ou de fados portugueses? Ou um de axé-music? Bem, talvez não fizesse muita diferença, ainda mais porque gosto de fados e tenho uma admiração secreta - é segredo! - pela Daniela Mercury (uma das cantoras brasileiras mais versáteis, entenda como quiser).

Mas fica a cena, engraçadinha e interessante: uma criança botando Vivaldi para escutar, mais interessante ainda ao pensar que muita gente já adulta escuta música "erudita" e não gosta nem um pouco.

Pela herança musical, então, vamos todos juntos agradecer àquela corporação que incutiu, nos meus tenros axônios, a compassada, medida e suave, porém terrível, interpretação de Maazel e colegas: dōmo arigatō gozaimashita.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Caminhos de Barro das Índias


Caros amigos

As notícias sempre acabam chegando, vocês bem sabem. Finalmente, depois de um mês pensando na vida e quatro dias sufocando em Nova Délhi, eu e Maurício fizemos nosso blog de viagem. Não contentes, fizemos ainda uma conta no Flickr específica para fotos do percurso. Escreveremos em inglês e português --pois não queremos privar todas as pessoas interessantes que conheceremos no caminho de lerem sobre elas mesmas e seus países em nosso blog. Claro, como a Ásia não é, digamos, uma grande free wi-fi zone, não sabemos como nem com que frequência essa pagineta terá direito a nossas deliciosas histórias. Mas, por enquanto, a coisa vai render. Por favor, não se sintam desencorajados a espalhar nosso endereço pelos quatro cantos. E não hesitem em postar comentários achincalhando nossa suposta capacidade ou olhar jornalístico.

Abraços a todos. E links abaixo.
Willian

http://24tz.wordpress.com
http://www.flickr.com/photos/24timezones/

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O que há de errado, exatamente, com o casamento gay?



1) Ser gay não é natural. As pessoas comuns nunca aceitam as coisas que não são naturais, como os óculos de sol, antibióticos e ar-condicionado.

2) O casamento gay irá encorajar mais pessoas a ser gays, da mesma forma que ficar rodeado por pessoas altas fará com que você fique mais alto.

3) A legalização do casamento gay abrirá as portas para vários tipos de comportamento estranho. As pessoas podem até querer casar seus animais de estimação, pois se uma pessoa gay pode fazer um contrato de casamento, um cachorro também tem representação legal e também pode assinar um contrato de casamento.

4) O casamento heterossexual existe por um bom tempo e nada mudou: as mulheres ainda são propriedades, os negros ainda não podem casar com brancos, e o divórcio ainda é ilegal. Isto nos mostra que o casamento não deve ser mudado.

5) O casamento heterossexual teria menos sentido se o casamento gay for aceito; a santidade do casamento porra-louca de 55 horas da Britney Spears seria destruída. [Excelente!]

6) Casamentos heterossexuais são válidos porque eles produzem crianças, e os orfanatos ainda não estão cheios. O mundo precisa de mais pessoas. Casais homossexuais, casais estéreis e pessoas de idade não deveriam ser proibidas de casar.

7) É evidente que pais gays criarão crianças gays, já que pais heterossexuais criam somente crianças heterossexuais.

8) O casamento gay não é apoiado pela religião. Em qualquer estado teocrático normal, uma religião deve ser imposta ao país inteiro. Eis por que, por exemplo, há somente uma religião nos EUA e, de acordo com John McCain, a constituição deste país declara que "os EUA é uma nação cristã".

9) As crianças não podem ser bem-sucedidas sem uma figura materna e paterna em casa; eis por que nós, como sociedade, proibimos terminantemente que pais solteiros criem filhos.

10) O casamento gay mudará as fundações da sociedade. Nós nunca conseguiríamos nos adaptar às novas normas sociais, assim como não nos adaptamos aos carros e telefones celulares, e jamais nos adaptaremos aos computadores e à internet.

Não sou ardoroso defensor do casamento gay, nem mesmo defensor em causa própria - as boas meninas escrevem diários, as más não têm tempo para isto. Como as toscas argumentações me irritam, contudo, aí vai a piada.

Food-drug continuum

maçã gala, t'és rajada
com'ma tigresa vermelha redonda
pintalgada

*****

Hum. Uhum. (Re)encontrei o uso do termo que tanto gosto, contínuo alimento-droga (food-drug continuum), remexendo nos velhos textos empoeirados no armário - da época em que ainda imprimia os meus arquivos. Agora só imprimo ou os difíceis ou aqueles que eu prevejo que serão leitura de cabeceira.

É do Humphry Osmond, no primeiro capítulo de um livro que nunca li, mas que é bem eloquente. Humphry Osmond é, por procuração, uma influência intelectual, já que ele dialogou com o Huxley - que, sem necessidade de dizer, é uma das mais profundas influências que eu tenho, reconheço mais e mais a cada dia. Brinco: não aceito influências intelectuais por procuração, há de ter um bom argumento (e uma boa cabeça, de preferência). Mas ei, se tivesse de ser sempre "boa cabeça" metade dos filósofos ia para fora com a água da banheira, então esqueçamos.

Osmond foi uma das pessoas que tentou ventilar um pouco de bom-senso na discussão da época, sobre os "alucinógenos". Ele também propôs a teoria, agora desacreditada, que a esquizofrenia seria uma espécie de "superdosagem" de uma substância "alucinógena" endógena, a ver a discussão médica, que os chamava de "psicotomiméticos" por enxergar nas situações de uso de "alucinógenos" - usualmente em laboratório - semelhanças (mimetismo) com quadros psicóticos. De certo modo ele apontou para um ramo de investigação correto, afinal todos nós produzimos DMT, embora não saibamos o porquê.

Talvez seja mais provável que "uma das causas" (detesto esta expressão, ela não dá conta da multifatorialidade de uma coisa desta) da esquizofrenia seja um vírus. Não é interessante?

A questão de ventilar um pouco de bom-senso não se refere à discussão de usar ou não usar os "psicodélicos", que no fundo torna-se uma questão menor dentro de uma discussão um pouco mais ampla; aquela sobre as substâncias que chamamos de droga, e das "drogas" que permitimos que façam parte do nosso cotidiano ou não. Esta é, aos meus olhos, uma das questões mais presentes e prementes da atualidade, e não se reflete somente no uso individual de "tóxicos" (do grego tóxon, "flecha, flecha envenenada", Apolo e suas flechas espalhando a peste no comecinho da Ilíada!) e suas consequências negativas - muito visíveis em muitos casos, por sinal -, mas também nos milhões de reais do tráfico nas grandes (e não tão grandes) cidades, e nos milhões utilizados na luta contra os milhões do tráfico - bilhões, se estamos falando dos EUA.

A maneira atual de ver esta questão é puxar toda uma classe de substâncias para baixo do tapete e chamar de "drogas", sem uma avaliação concreta do risco. As tentativas de avaliação de risco - dentre as quais destaco uma, para leitura dos curiosos - são as ações que, ao meu ver, mais podem influenciar em políticas futuras. A posição atual - que eu chamaria de hipocrisia, se não soubesse que não existe hipocrisia social, mas sim um campo complexo de decisões que tateiam em busca da melhor solução possível - leva, somente, a um reductio ad absurdum, especialmente trágico nesta época em que novas substâncias invadem as ruas a cada ano. Qual reductio ad absurdum? Espero falar disto mais tarde, mas trata-se do processo de, através de regressão praticamente infinita, descobrir que não podemos, de modo racional, demarcar a linha entre "droga" e "não-droga", sem concluir que a própria vida é uma "droga". Esta distinção deve existir apenas em termos de legislação, do licet e do non licet, and Lacan approves of that.

Falo tudo acima como indivíduo, cidadão e, especialmente, psicólogo, já que jurei agir de modo a promover, ao meu ver e ao ver da sociedade, a saúde pública. Vamos ao texto.
Qualquer cultura pode ser vista como uma ramificação de uma tecnologia particular, aplicada ao conjunto de condições locais dentro do qual este cultura se situa. O termo "tenologia", como utilizado aqui, refere-se a todo o conjunto de dispositivos - sejam mecânicos, químicos ou linguísticos - pela qual a adaptação dos indivíduos aos seus ambientes pode ser aumentada/melhorada.

[....]

A tecnologia das drogas é uma das mais velhas tecnologias, e provavelmente teve seu início quando nossos ancestrais abriram caminho por entre as florestas e descobriram que, entre os alimentos que experimentavam, alguns produziam mudanças interessantes na forma de sentir, perceber e se ajeitar no mundo. Substâncias que alteram a consciência podem ser encontradas entre provavelmente todas as populações do mundo (Taylor, 1963). Substâncias que contém álcool e cafeína, em particular, parecem ser usadas em praticamente qualquer lugar, e o cânhamo e seus derivados também parecem ser amplamente utilizados.

Substâncias cujo efeito principal é reduzir a fome são classificadas como alimento. Mesmo que, nos dias de hoje, é comum mostrar uma análise, na embalagem, da composição química de muitos dos alimentos que comemos, sua ação é mais estudada em laboratórios de nutrição do que de farmacologia. Os tipos de estudos detalhados, que historicamente caracterizaram o estudo farmacológico - efeitos em estruturas particulares e sistemas de órgãos corporais - são raramente feitos com alimentos. [Temos uma pequena grande mudança nos últimos 40 anos, não?]

Substâncias que aumentam a sociabilidade ou estimulam o indivíduo são, comumente, tratadas como alimentos se elas podem ser ingeridas, ou mais como drogas (sem serem usualmente chamadas assim) se precisam ser fumadas. O álcool, café, chá e chocolate representam a classe comestível destas substâncias, assim como o é o tabaco e a cannabis, junto com seus derivados, em muitos países muçulmanos e do oriente. Cannabis e tabaco representam, provavelmente, as principais substâncias fumadas. O alvoroço contínuo contra o uso do álcool e da cannabis por vários grupos em nossa cultura sugere a posição atípica deste tipo de substâncias no contínuo alimento-droga [assim como tem acontecido com o cigarro atualmente, processo muito recente]. O medo e a ansiedade perante a degradação física e moral que pode resultar da sujeição pelo café, chá e chocolate, quando estes foram introduzidos na Europa, são outro exemplo. Deve-se salientar, também, que muitos fumantes de cigarros têm dificuldade em pensar o tabaco como uma droga, pois o termo "droga" desenvolveu significados muito específicos.

Entre os alimentos recolhidos pelos nossos ancestrais, alguns preservavam a vida, enquanto outros a destruíam. Outros, ainda, pareciam remover doenças. Algumas vezes os alimentos que destruíam a vida podiam também preservá-la, além de remover doenças, se administrados de maneira oportuna, e em doses corretas. É difícil dizer quando a distinção das [substâncias] comestíveis entre alimentos e venenos e entre alimentos e drogas surgiu, pois as divisões já existiam desde o começo da história documentada. As lendas da bruxa e do mago com as suas ervas, ou a da maçã cujo aroma repele a doença, são muito antigas. A tecnologia do uso de drogas é encontrada em todas as culturas, em conjunto com uma tecnologia dos venenos, e o controle desta tecnologia é investida à [em?] pessoas com funções sacerdotais ou semi-sacerdotais, ou em [à?] pessoas que alegam ter relações especiais com o sobrenatural. Com o aumento do conhecimento acerca das artes da cura os sacerdotes, que lidavam com a cura, abriram caminho para um grupo mais secular, com treinamento especial, chamados de médicos. Outro grupo reivindincou jurisdição sobre a preparação destas substâncias; foram chamados de apotecários ou, mais recentemente, farmacêuticos. Estes peritos sabiam quais drogas prescrever, e quando. Também era evidente que estas substâncias poderiam ser perigosas, algumas vezes, se preparadas ou utilizadas incorretamente, então era importante ouvir o que eles tinham a dizer a você sobre as substâncias possivelmente perigosas com as quais eles lidavam. Além disso, como eles lidavam com o alívio do sofrimento, foi fácil que uma imagem de "boa pessoa" surgisse. Como resultado, uma droga, neste contexto, tornou-se algo que deve ser usado sob a orientação de um médico, e que é uma idiotice usar de outra forma.
[Segue falando das outras visões - negativas - da palavra droga e do usuário de drogas.]

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Redução redux

Ultimamente eu quis tentar reduzir - como se reduz o vinho (branco) antes de colocar nos champinhões frescos em tiras, que a essas alturas devem estar chiando na manteiga fresca e uma leve esfumaçada de pimenta-do-reino preta - os meus interesses e pensamentos e desejos, para daí extrair uma espécie de caldo base ou quintessência dos mesmos.

O sucesso de tal empreitada muitas vezes se reduz ao mínimo, pois é difícil encontrar este carnegão, talvez pelo simples fato de que ele possa não existir. A tentativa, porém, é de valia. Afinal, como é dito, our life time here's so short [and] a new one can't be bought.

A rotina, o mesmo, a repetição, enfim, é o que pode nos ajudar, ao contrário do que pensamos, tantas vezes. A capacidade de "não mudar" - a torto e a direito - é o que nos aponta. Do que estamos sempre falando, a que (ou quem) sempre nos referimos, com o que sempre sonhamos... "sempre", aqui, aponta para tudo aquilo que aparece mais do que "deveria", e que nos estranha um pouco por isto.

E então, a partir do momento em que temos um pouco de conhecimento de causa disto, podemos tomar umas tantas rédeas e fazer diferente, fazer diferente com o mesmo. Isto não é interessante?

Já nas primeiras fases do meu curso de psicologia, recém-completo amém, eu sabia que "não era bem aquilo". Na quarta fase cogitei mudar de curso - a balança caía para um curso de letras, mas só de pensar que eu ia estudar mais 4 anos para ser professor* eu me desesperava intimamente. Então estudei mais 6 anos e meio... para quê? Para ser psiterapeuta. Única e exclusivamente. Claro como água desde o início. Nada mais ou menos do que isto. Qualquer outra coisa é muleta.

Foi uma escolha chata, que fiz sem pestanejar, com umas consequências aporrinhantes, enfim.

Sempre foi um tanto claro, então, qual o meu interesse intelectual. Não é difícil saber: basta fazer um parsing dos meus escritos, da minha fala, das minhas leituras.
Fala, linguagem, palavras. Como a linguagem não dá conta do mundo, como não existe fala plena, como sempre sobra algo. As armadilhas da linguagem, o jogo de palavras. O sujeito na linguagem, o sujeito da linguagem. Filosofia da linguagem. Consciência. Os enganos da consciência. Conhecimento, auto-conhecimento e suas ilusões. Ilusões e enganos em geral. Charlatões, pseudociência, e o porquê de nos enganarmos tanto com o que é quase evidentemente falso ("auto-engano"). Vícios.

Retórica, poesia, figuras de linguagem, música, ritmo, sons. Cantar e cantar; harmonia, ressonância. Como falar, como falar bem, como cantar. Persuasão, sedução, sugestão, hipnose - psicanálise. Fala como história; história; história da fala. Etimologias, raízes de palavras. Línguas, aprender línguas.

Saber e sabor; aromas, cheiros, sabores, e o que sabe a quê.

Comer e beber; comer e beber como necessários, comer e beber como prazeirosos, comer e beber como excessos. Saúde através do comer. Vícios. Relação "mente" e "corpo". Comida como remédio, cosmético, e vice-versa. A difícil linha entre "droga" e "droga". A difícil relação homem-substância. Excessos. Deficiências.
E o acima, obviamente, não esgota o assunto. É o que vem à cabeça mais facilmente. Há outras coisas que sei mas não consigo falar.

Vamos a um pouco de einfall amador? "Vamos", exclamam os leitores ávidos de sangue psíquico.

Parece que as coisas se concentram na boca, na língua, no nariz. Falar, provar, cheirar. Ranjo os dentes de noite; tenho bruxismo. Até hoje respiro pela boca, sem o querer; tenho de prestar atenção para respirar pelo nariz, e durante o zazen, com o rosto relaxado, os lábios ficam entreabertos e pareço a Mônica. Usei aparelhos durante um tempo, quando criança. Meu maior problema, atualmente - soa tolo, eu sei - é o siso esquerdo que parece colado com força gravitacional forte na gengiva, e que me custará 800 reais para tirar. Os outros dois sisos custaram 400 e estavam apenas com as raízes abertas (duas horas e meia para tirar). O nariz é grande mas não serve para muita coisa; cheira um pouco bem, mas como entrada de ar é uma negação, mesmo depois de uma cirurgia de septo. Felizmente contradigo, porém, a tese fliessiana de uma associação intrínseca entre o nariz e os órgãos sexuais - ou será que quero me circuncidar ou me castrar? Quando criança tinha bronquite e rinite, e atualmente estou tendo problemas com o meu sensível nariz - tive de voltar a ter uma cartelinha de loratadina na mochila. Ah, a mochila foi roubada estes dias. Quando criança estava "patinando" em uma sala do colégio quando um "coleguinha" botou a perna na minha frente, caí de cara no chão, sem me proteger, e quebrei os dois dentes da frente. Uma Mônica de dentes quebrados. Será que estou na fase oral? Chupei muita chupeta? Diz mãe que não, embora eu tenho fotos que comprovem o contrário. Em uma delas, um bebê louro no colo do pai frente às cataratas do Iguaçu. Pelo menos isso significa que fui além da fase anal. Êêêê. Sou mais desenvolvido. Quero o meu certificado de fase oral, por favor. Mas, e não sou um "invertido"? Hum, vai ver que estou atrás da chupeta primordial.
*Quanto a ser professor, nada contra, mas nada a favor. Embora pareça ser um intelectualzinho, tenho a confiança íntima de que dedicar-se somente a pensar, sem colocar nos atos (e não falo "em atos", pois a maioria das pessoas pensará que é colocar idéias em atos, e não é, é colocar você mesmo e a sua vida nos seus atos) é um porre. Nada me dá mais ojeriza do que gente que só sabe "pensar". Além dos bien-pensants, claro.
Tenho a leve impressão que vou acabar como Wittgenstein ou Hesse: calado, cuidando de um jardim.