domingo, 4 de junho de 2006

Que merda é esta que eles estavam pensando?

Comecei a ver o tal do "What the bleep do we know", sendo este bleep uma forma mais educada de "fuck", se não me engano. Soube do filme através de colegas da facul, que pareceram ficar impressionados o bastante com as questões que ele levanta. Li a sinopse e achei interessante. O filme, segundo o que li, traz vários pensadores e cientistas na "velha" questão de realidade e física quântica, etc. Parecia ser interessante, e nunca é demais ver se realmente a discussão é válida.

Acontece que o filme parece ser uma grande palhaçada. Vejam vocês que, antes mesmo de assisti-lo, naturalmente eu olhei pela net, procurando discussões e opiniões. Decepcionei-me ao saber que o filme é escorraçado por todos os pensadores mais céticos, e que ele é, no final das contas, panfletagem de um culto religioso que tem uma mulher que diz encarnar um ser de 35.000 anos chamado Ramtha.

Pois bem, eu não posso criticar muito o filme pessoalmente, pois comecei a vê-lo uns 15 minutos atrás e infelizmente não posso continuar a vê-lo. Ele começa com uma animação que envolve galáxias e neurônios e pequenas partículas e múltiplas realidades, com a voz de trocentas e sete pessoas (entre elas "Ramtha") fazendo perguntas filosóficas clássicas, e falando que a quântica pode dar a resposta final, e jogos de palavras com as palavras "real" e "irreal", enfim, um aperitivo. Deixo passar, evidentemente, é divertido ficar com água na boca. Começaram, então, a falar, e eu parei exatamente na hora em que um cara, sentado em uma confortável poltrona, fala o seguinte (tomei o cuidado de ser praticamente literal): "quando o sujeito vê um objeto, uma área do cérebro se acende (no exame de PETscan); quando ele imagina, a mesma área do cérebro se acende também. Então quem vê, o cérebro ou o olho? a realidade é aquela que vemos com os olhos ou aquela que vemos com o cérebro?"

Bem, tive de parar. Se o resto do filme seguir com esta baboseira, não dá. Em primeiro lugar que o filme segue então com o mesmo tipo de questionamento, de que a "realidade externa" não precisa ser anterior à "realidade interna", de que a RI pode mudar a RE, ou seja, no final das contas, que a mente cria a realidade. Dicotomia de primário, isto.

Segundo lugar que o experimento que ele provavelmente cita deve ser da Nancy Kanwisher, em que se encontraram similaridades grandes entre as duas atividades e sua ativação cerebral, mas não exatamente equivalência. Pelo que sei parece que há um consenso, nesta área do conhecimento, de que, por mais parecidos que sejam, por mais processamento em paralelo parecido que tenham, há diferença entre os dois, perceber um objeto real, e imaginá-lo.

Esta questão do imaginado e do sentido aparece, por exemplo, na questão da sinestesia (com S, não com C!!). Um experimento que foi feito com fMRI (imageamento funcional por ressonância magnética, um dos métodos mais eficazes de determinar a ativação de áreas cerebrais) determinou que a percepção sinestésica visual é processada, no córtex cerebral, da mesma forma que uma percepção visual comum, e diferente da imaginação visual. Quer dizer, os sinestetas não imaginam, não mentem, dizendo que vêem percepções visuais "irreais" (ou seja, que nós não vemos). Ela realmente existe. Mas ela é limitada e determinada, e mesmo assim há uma diferença marcante entre uma coisa "alucinada" e uma coisa "real", e esta diferença é mais pragmática que teórica. (Ora, as pessoas não vivem tendo alucinações o tempo inteiro?) Uma percepção visual "irreal" é um fato, e levanta sim questões sobre a realidade da realidade, embora não chegue a dizer então que o "mundo interno" pode modificar o "mundo externo".

Pois este tipo de discussão é fundamental, eu creio, quando se trata de ser o mais esclarecida possível. Se se for de tratar com o problema da epistemologia, da ontologia, enfim, não vai ser a mecânica quântica que vai responder. Aliás, alguém atualmente tem a pretensão de responder? ora, seriam tantas as áreas do conhecimento aptas a dar uma contribuição a isto, por mais ínfima que seja...

Pra compensar tudo isso, estou lendo um livro que a Carmen Moré me emprestou, um tal de "É real a realidade?", do Watzlawick. Leitura linda e recomendada, um livro bom de ler; a proposta dele é que o que chamamos de realidade é resultado da comunicação. Na verdade ele não chega a defender esta tese: o estilo do livro é mais "anedótico", coloquial. Muito interessante.

E saiu, pela Companhia de Bolso, o livro do Sagan, "O mundo assombrado pelos demônios". Vou fazer uma petição pública para que este livro se torne obrigatório nas primeiras fases de todas as faculdades :)

Vou parar esta discussão, agora.

8 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom o texto. Tem um filme no mesmo estilo, que se chama "Quem somos nós?". É um filme terrível, para enganar pessoas que não sabem nada de nada. Física quântica não tem que ficar se metendo na consciência. Não do jeito que estão fazendo.

Eu tenho minha própria perspectiva sobre essa visão "irreal". E é simples assim: ela ocorre por algum motivo. Ao invés de querer saber o que ela é, o importante é saber em que circunstâncias ela acontece. Nada de ex nihilo nesse mundo.

Cuide-se, Luchésio.

Anônimo disse...

É o mesmo filme, Luchésio.

Menos mal... eu acho.

Vitor Eduardo disse...

O filme é ruim mesmo. Ainda bem que você parou de assistir, senão poderia escrever um livro só pra criticar o filme. =)

Anônimo disse...

(Postado por Paulo na lista chungtao)

........
Pelo menos um dos cientistas que aparecem no filme, o Dr. David
Albert, da Universidade de Columbia, afirma que sua fala foi editada
de tal modo que o que está no filme não reflete a maneira como ele
realmente vê a relação entre física quantica e consciência, mostrada
no filme.

Mais críticas à "ciência" no filme podem ser vistas (em inglês) no site
http://skeptico.blogs.com/skeptico/2005/04/what_the_bleep_.html
ou
http://dir.salon.com/story/ent/feature/2004/09/16/bleep/index.html

Nesse link ( http://www.csicop.org/si/2004-09/review.html ) tem uma
resenha do filme feita por um professor de Química da UCLA (também em
inglês).

Em português, o pessoal do "Projeto Ockham" fez uma boa resenha:
http://www.projetoockham.org/boletim_07.html (tem de "rolar" a página
pra baixo).

Como disse o monge Genshô, ao se por algumas coisas coerentes e verdadeiras
no meio de uma série de absurdos, parece que o absurdo é menor.

Abraço,

Paulo

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Alguém aí entendeu o filme?
Tenho certeza que não!
Se entenderam, não entenderam o objetivo dele..
Antes de criticar algo procure conhecê-la melhor, seus argumentos são válidos, mas como critica sua análise é péssima.
Encadeados por uma série lógica de pensamentos você construiu uma crítica tão vazia quanto, na sua opinião, o filme que critica.
Assista o filme todo antes de escrever algo sobre ele. Se a mulher diz encorporar alguma entidade milenar, o problema é dela. O fato é que algo de diferente ela propôs. E isso também é válido.
O filme não tenta convencer ninguém que uma bola de beisebol se comporta exatamente como um fóton. Quer dizer, os produtores do filme só não pensaram que alguém que assistisse o documentário fosse tão ignorante a ponto de achar isso. O filme só tenta instigar uma visão diferente das coisas.
Todos sabem que a história da chapeuzinho vermelho é um conto. E nem por isso se torna menos importante. Uma fábula como essa não tem o intuito de convencer criancinhas que existem lobos falantes à solta por aí, à espreita para comer seres humanos inteiros sem mastigá-los. O objetivo da história é outro. O questionamento e as questões levantadas são mais importantes do que a história em si. Assim também é What the Bleep do u know?
Ninguém vai querer assistir um documentário com o intuito de se tornar especialista no assunto, ou com o objetivo de obter uma visão imparcial do tema.
Quer dizer... agora não sei mais... pelo jeito os produtores erraram feio nisso... mas tudo bem.. pra quem entender..
ta entendido..