sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Metempsicose equina

Imagine que você recebe, no meio da sua vida pacata cotidiana, a visita de pessoas coloridas, de um lugar diferente e longínquo, que querem te conhecer melhor e fazem perguntas esquisitas.

E você tem 5 anos de idade.

Imagine também que uma noite elas te levam para uma sala e pedem que, de uma mesa, você diga quais objetos são seus. Sua mãe está ansiosa, assim como uma aura de expectativa envolve o lugar. As pessoas coloridas estão ainda mais coloridas e solenes. E talvez esperançosas. E elas são importantes. Don't fail mommy.

Termino a cena por aqui. Talvez seja a mesma que esta aqui, talvez não. Mas, de qualquer maneira, quando ouço este tipo de história não posso evitar de me lembrar da história do "Hans, o inteligente", der Kluge Hans.

Pelos idos do começo do século XX um cavalo, Hans, virou fenômeno ao responder, com batidas do casco, a perguntas variadas feitas pelo seu treinador. A história toda pode ser lida no lugar usual, para quem não conhece. No final - e o final que é interessante - é que descobre-se que o cavalo respondia, afinal, a "dicas" involuntárias na expressão corporal do treinador Fulano - e involuntárias repito, pois Fulano não o sabia, também.

A verdade é mais interessante do que a ficção. Um cavalo que sabe fazer contas e raciocinar verbalmente mas é impedido de comunicar-se a não ser por batidas com o casco é menos interessante do que um cavalo que responde a sinais corporais involuntários. Por quê? Um cavalo pensante é somente um homem disfarçado, enquanto que um cavalo é um cavalo, e pouco sabemos what is like to be a horse.

A trilha sonora do Kundun é maravilhosa. Philip Glass, tinha que ser.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Enternecimento... adormecimento.

E esta vontade, este desejo cravejado no mais cristalino do coração de cada um, de ser redimido, de ser salvo, de ser reconfortado.

Quando eu era mais novo - e isso não quer dizer muito mais novo - eu sentia algo, em alguns momentos, que chamava de "enternecimento", por falta de nome melhor. Enternecimento ele é; uma sensação de conforto, ternura, acolhimento, que me acometia de vez em quando nas situações mais inesperadas. Uma vez a minha vó, de visita aqui, me trouxe trouxinhas de doce-de-leite. Outras, depois de uma atividade física, sentindo o frescor do sangue. Outras, no colo de alguém amigo, recebendo cafunés.

Percebi, faz pouco tempo, que procuro por estes momentos, como se fossem cruciais para mim. Os momentos em que me enterneço.

E passamos a viver esperando por salvação - ou enternecimento - ou por amor.

As promessas são muito parecidas. O fogo inextinguível do amor, aquele que se encontra no olhar de dois apaixonados - e a promessa de que este fogo vive "dentro" de nós, jogado em um canto esquecido. A promessa do Cristo que diz que "você amará!": você não ama agora, você não vive neste Reino dos Céus, mas sim, você amará - mesmo sendo quem você é, agora. A aposta de salvar-se, de encontrar um acordo, uma harmonia com qualquer coisa maior que si mesmo; a tentativa de fazer este algo maior do que si mesmo.

Não é maravilhoso poder ouvir uma voz paternal que possa te dizer que tudo está bem... ou sentir o calor maternal que mostra que você nunca está longe de casa?

Mas e a vida, esta vida que nos traz nossos prazeres e dores diários, esta vida que pode acabar virando a espera da promessa? E se a promessa calha de não vir, o que há de errado?

É difícil viver sem sonhar, sem esperar. Dizem que despertar - despertar de viver a vida assim, sonhando consigo mesmo - é preciso. Viver não é preciso, se for sonhando. E agora?

domingo, 19 de outubro de 2008

Se eu tivesse um culto...

Totem e Tabu não é, e nunca foi reconhecido, como uma teoria antropológica séria. E eu, pessoalmente, não vejo um porquê para ser. Assim como o Édipo freudiano (do qual Lacan falava que era o "mito do Ocidente"), Totem e Tabu é melhor visto como uma peça imaginativa, um mitologema, uma historinha freudiana - embora talvez sintamos que Freud queria a validez de sua teoria. Whatever.

O que ele nos escreve em Totem e Tabu é o seguinte: a civilização nasce, neste momento "mítico", quando os filhos matam o Pai. O Pai, uma espécie de alpha male "violento e ciumento", tinha todas as mulheres para si. Detinha todo o gozo, lacanamente falando. Era mais forte que cada um dos seus filhos, que expulsava tão logo cresciam. Um dia os filhos reúnem-se ensemble e matam o Pai; canibais que eram, comeram a carne do Pai, de quem tanto invejavam quanto temiam - duas coisas que andam sempre juntas - e "adquirem" parte de sua força. Aí nasce o totem: o animal sagrado que deve ser caçado e comido apenas em um momento específico. Tabu contra incesto e a Lei (entre "iguais") seguem depois. Etc.

Freud retorna um argumento semelhante, e ainda mais interessante, no seu Moisés e o monoteísmo, anos mais tarde, perto da morte. Ele diz que Moisés acabou sendo morto pelos israelitas, e que o judaísmo seria uma espécie de decorrência desta culpa. Vá ler, se quer mais do que as minhas palavras toscas.

Relembro a todos os meus leitores cultos, que certamente leram toda a gesammelte werke freudiana, esta obra singela, para pontuar algo que, cada vez que leio, vejo e escuto mais, mais eu percebo: que os cultos apocalípticos em sua maioria não têm nenhuma criatividade intrínseca, pois repetem todos o tema da horda primeva, sem o assassinato.

O guru, o apóstolo, o mestre, o filho de D'us, é sempre um homem que consegue pegar todas as mulheres, restringindo aos demais homens o acesso a elas. Praticamente sempre. Mesmo se um culto desses não suprime a sexualidade - e a maioria o fazem - o mestre ascenso ou afins encontra uma maneira de convencer a todo(a)s que, além de acreditar em suas alucinações e devaneios evidentes, há de se dormir com ele. E nada de laços fortes familiares no grupo.

É uma coisa engraçada. Eu, se um dia tiver um culto, vou inventar outra história. Mas daí talvez não funcione.

A título de vizualização, um documentário recente sobre um culto norte-americano. (Há uma espécie de resumo do documentário, procurem nos linques e talvez achem.)


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Anos e anos atrás li um livro chamado Sugar Blues. O título, em português, é inglês mesmo. William Dufty - também adepto da macrobiótica e o que a Wikipedia chama de ativista nutricional - faz um relato nervoso da história do açúcar no ocidente - lembra-me Galeano em suas veias abertas da América Latina -, e alerta com relação ao consumo - que ele considera excessivo - de açúcar.

Eu achei digno. Digo, o livro. Tirando as idéias mais radicais - que eu não vou dar o prazer de dar-lhes de bandeja assim - os argumentos são válidos e o livro é bem divertido. É preciso dar apenas uma colher de chá de confiança na confiança do autor nas teorias macrobióticas e quetais.

Eu, por meu lado, tive a minha experiência macrobiótica anos atrás e descobri o óbvio. O óbvio que a minha gurua alimentar, Sonia Hirsch, também descobriu. O óbvio que são conceitos pragmáticos e verificáveis, estes da "macrobiótica". Tente e verifique. E depois volte a comer um pouco de tudo.

Então eu dei uma colher de chá de confiança. E valeu a pena.

A história do açúcar é paradigmática. Assim como a nossa história recente será - eu tenho absoluta certeza - metaforizada e pensada a partir do "lixo", num futuro qualquer, a história do ocidente moderno anda e andou lado a lado com o açúcar, num ritmo cada vez mais crescente desde a "topação" do Novo Mundo e a colonização posterior. Em poucas palavras, de luxo para poucos passou a mercadoria extremamente barata para quase todos. O preço do açúcar, não é uma loucura? Baratérrimo. E ainda tem gente que reclama.

Soa triste aos meus ouvidos, porém, a história que ouvi recentemente, de um documentário brasileiro recém-produzido: a da mulher que, por falta de comida melhor, alimentava seus filhos com água e açúcar durante alguns dias. Tinha alguns que ela podia dar coisa melhor, um arrozinho ou feijão. Muita gente deve passar por isto. Não é de admirar que as crianças tinham dor nos dentes.

Alguns talvez até pensem: mas uai, água com açúcar, deve ser bom, afinal açúcar é glicose, carboidrato, energia. É isso sim, mas somente isto, e nada mais. Dufty enfatiza exatamente isto: o açúcar branco, refinado, puro, é o ponto final de uma cadeia que começa ou com a cana-de-açúcar ou beterraba, passando pelos melados, pelos açúcares não-refinados e enfim terminando com o açúcar branco. Ele o compara com a heroína - também um pó branco altamente refinado do suco da papoula, e também para reforçar a imagem do açúcar como "droga".

Suspendamos a imagem por aqui, porém. Pensemos somente que aquele delicioso caldo de cana que eu tenho a sorte de poder tomar, nas tardes de verão no Mercado Público, foi tirado da cana ainda verdinha e fresca, cheia de outras coisas além de glicose: sais minerais e vitaminas. Os caldos de cana e melados, todos sabemos, são ricos em ferro e fósforo e outras coisinhas. Estes últimos são progressivamente diminuídos, a cada degrau a mais no refino do açúcar, restando no final uma sacarose quase pura. Sacarose sem seus acompanhantes no metabolismo, acompanhantes que estariam presentes se nada fosse perdido no processo.

Eu me considero um "naturalista", quando se trata de comer. Tenho em mente que comer, além de ser gostoso e tudo o mais, é uma relação orgânica primal, uma das mais antigas na natureza. Antes mesmo de ver, comíamos. Antes mesmo de pensar, comíamos. Quer dizer, uma estrutura/servivo/whatever retirava de outra estrutura/servivo/whatever o que fosse preciso para renovar esta estrutura. Absorver. Metabolizar. Tirar dali para pôr aqui. Trocas tróficas. Interdependência pura. O que significa ser "naturalista", neste sentido?

Significa pensar que temos uma história de metabolismo, como organismos, nós primatas pelados; pensar que a nossa história alimentar tá ligadinha ali com o que somos hoje. E que há maneiras de comer que não só são mais eficientes, mas que também provocam mudanças no metabolismo e podem mexer com coisas tão diversas como o humor ou o pensamento. Bem, nem são tão diversas assim.

O tripé da alimentação brasileira, nas zonas urbanas, é composto por carboidratos complexos refinados (massas, farinha branca), gorduras e açúcar. Proteínas também estão presentes, mas muita gente simplesmente não tem dinheiro para comer carnes e leguminosas com frequência. Poucas fibras e minerais e vitaminas - mesmo que a farinha seja vitaminada, hoje em dia. Eu sei, eu sei que estou falando como um nutricionista, e vou então concluir de uma vez: não me admira que a obesidade esteja crescendo cada vez mais, juntamente com a diabetes tipo 2, em menor escala. E, ironicamente, não necessariamente nas classes que alimentam-se melhor, mas nas classes média-baixa e baixa. A obesidade não é mais coisa de gente rica. É verdadeiramente democrática.

Mas não só a obesidade. Também o humor. Também uma certa forma de vitalidade ao comer bem. Um dieta crônica, "engordativa", com altos teores de açúcar e uma certa baixa metabólica nos oligoelementos - gostasse dessa, não? - tem tudo para deixar uma pessoa mais cansada, mais mal-humorada. Mas aqui eu já extrapolo, embora não sem razão.

Na época dos grandes césares, não existia o açúcar refinado. Tampouco o chocolate. Nos triclínios, no máximo, o mel e os melados tirados de árvores davam a sua presença. Coisas mais caras que R$ 1,99 o quilo. Gerações passaram a léguas de doçuras diárias. A doçura foi, durante muito tempo, um sonho; o paraíso era cheio de frutas dulcíssimas; o mel exsudava de flores melífluas, e todos podiam fartar-se deste dulçor. O bebês nascem gostando do sabor doce, e nisto encontram seu gosto embalado pelo leve doce do leite materno.

Hoje o paraíso fica mais do lado da heroína, para muitos.

"Se você encontra mel, coma apenas o suficiente, para não ficar enjoado e vomitar." (Provérbios, 25:16)

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Things People Say

Things people say contém algumas coisas hilárias. A parte mais bizarra é a que contém trechos de "inglês estrangeiro"; eu me mijo de rir lendo e relendo muitos deles.

Our staffs are always here waiting for you to patronize them.

Destaque para estas instruções duma forma para gelo.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Por que as pessoas dão esmolas para cegos e aleijados, mas não para um filósofo?

Diógenes: Elas sabem que um dia podem ficar cegas ou aleijadas, mas jamais pensam que terão uma filosofia (but they never dream they will take up a philosophy).

rá rá rá rá rá rá rá rá


sábado, 4 de outubro de 2008

Prelúdio a uma conversa sobre religião

50 anos atrás aprendia-se latim na escolas normais, e Regina - uma das personagens intrutoras dos manuais - cantava o Hino Nacional, ao mesmo tempo que mirava a cruz do Salvador - em latim.

Audierunt Ypirangae ripae placidae / heroicae gentis validum clamorem...

Depois ela viajava com seu Pai, nas férias de verão, e talvez se despedisse com um amém, não saberia dizer. Muito louvada diligência sua é.

Era uma menina muito virtuosa, e talvez até mesmo cívica.

Hoje, o tempora! o mores! quem aprende latim na escola? Ninguém. Mas para quê, não é mesmo, se depois do Concílio Vaticano pelos idos dos 60 a missa deixa de ter partes em latim? Ora pois.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Beezahr

Mais de dois anos atrás comecei um blog no WordPress.

Chamava-se "Just to Type It", e eu pretendia escrever um pouco de inglês a cada dia, para treinar.

O segundo post chamava "Kittens I", onde eu falava de gatinhos. Ei-lo:

Kittens are small, furry animals that usually live in the dark streets. They appear to you at night, meouwing like the little poor beasts they are, and you get so touched by these cute creatures, that in the end they go to live in your house to grow up to fat cats. Before that, though, they can be put in the palm of your hand. Their fur is soft like a baby's hair, and you can, then, imagine why some people pay a lot to get their hands (or shoulders, or armpits, I really don't want to know where) in dead corpses' fur.