Meu pai tem um restaurante, um buffet a quilo, num bairro aqui de Florianópolis.
Não se enganem: comida é sim reaproveitada em um restaurante deste, sempre de acordo, é claro, com as especificações da Vigilância Sanitária.
Mas se pode ver o quanto de comida vai fora. Isso sempre me deixou desconfortável, e fico imaginando o quanto vai fora, e em escala macro, é muita coisa. Por mais logística que se faça, por mais que se imagine - e os restaurantes tem bastante interesse financeiro em não deixar sobrar, claro - sempre sobra muita coisa. Fico imaginando se não se poderia tomar soluções fáceis, de uma certa forma, para dispor de uma maneira mais inteligente, de todos estes restos, sem necessariamente tranformá-los em lixo.
Uma delas seria distribuir a comida entre pessoas de renda inferior, ou doar para alguma entidade assistencialista, algo assim. Sabem por que isto não pode ser feito? Porque qualquer problema que as pessoas tiverem, com relação a comida, é culpa do estabelecimento - como doenças, por exemplo. E, para evitar de uma vez este tipo de problema, a letra da lei coloca, peremptoriamente, que os restaurantes não podem fazer isto, e ponto final. E os restaurantes respiram aliviados. Eles não têm muito interesse nisto, afinal.
A lógica da argumentação é impecável: evita-se problemas sanitários com esta medida. Mas é o tipo de lógica burra, cega, fechada em interesses e resultados muito próximos. Mais um caso de lógica que se fecha em si mesma.
Pois, de uma certa forma, qual é o estabelecimento que não tende a prezar a qualidade das coisas que produz - sempre, é claro, dentro do parâmetro custo-benefício? Qual é a possibilidade de uma pessoa ter salmonela, por exemplo, comendo comida de um restaurante? Em mais de cinco anos do restaurante de meu pai, teve apenas um ou dois casos. Quer dizer, a medida tem seu âmbito, mas não seria um âmbito mal pensado... ou simplesmente preguiça de fazer diferente?
Pois porque não tentar fazer algo diferente? Não, a imagem do sopão dos pobres não precisa pular na sua cabeça. A comida poderia ser distribuída de graça, ou depois de um certo horário em que as classes trabalhadoras (ahUAHuaUAHhauHAUH) já tivessem voltado pra labuta, uma redução drástica de preço, algo desta forma, um prato por um real, que tal? O argumento de que se evita isto para evitar problemas sanitários é ridículo. Afinal, os problemas talvez não sejam tantos, e faria muito mais sentido proporcionar um tratamento para as pessoas que supostamente passaram mal por causa de tal comida, do que evitar a possibilidade por medo de uma possibilidade mais remota que talvez pareça.
Eu sei que o caso dos restaurantes é somente um entre muitos. Eu imagino que este tipo de desperdício é uma constante no esquema que montamos para nós mesmos, em nível local e mais global. Tenho certeza que o emblema de nossa época, para a posteridade, será a imagem de lixo, muito lixo, escondido daqueles que podem, jogados na frente dos lares de quem não podem tanto, presente na vida de outros que simplesmente não contam. Vide uma reportagem da revista piauí, deste mês, sobre a cidade de Lagos, uma megalópole de 15 milhões de pessoas vivendo em condições marcantes, onde uma das moedas de troca é o próprio lixo. 15 milhões de pessoas.
Sempre me lembro, nestes momentos, da Sônia Felipe, filósofa aqui da UFSC: imagine você indo no supermercado, comprando um quilo de carne suína de primeira, e ganhando junto um saco com quinze quilos de merda suína, a quantidade de resíduos que, felizmente, atualmente não passa sequer perto dos seus olhos, mas infecta o solo de regiões de intensa atividade agropecuária intensiva, como o oeste do estado de Santa Catarina.
A questão da lógica que maneja as nossas trocas materiais é que ela é, muitas vezes, short-sighted. Fico me perguntando se faz sequer sentido desejar que poderia ser diferente.
Não se enganem: comida é sim reaproveitada em um restaurante deste, sempre de acordo, é claro, com as especificações da Vigilância Sanitária.
Mas se pode ver o quanto de comida vai fora. Isso sempre me deixou desconfortável, e fico imaginando o quanto vai fora, e em escala macro, é muita coisa. Por mais logística que se faça, por mais que se imagine - e os restaurantes tem bastante interesse financeiro em não deixar sobrar, claro - sempre sobra muita coisa. Fico imaginando se não se poderia tomar soluções fáceis, de uma certa forma, para dispor de uma maneira mais inteligente, de todos estes restos, sem necessariamente tranformá-los em lixo.
Uma delas seria distribuir a comida entre pessoas de renda inferior, ou doar para alguma entidade assistencialista, algo assim. Sabem por que isto não pode ser feito? Porque qualquer problema que as pessoas tiverem, com relação a comida, é culpa do estabelecimento - como doenças, por exemplo. E, para evitar de uma vez este tipo de problema, a letra da lei coloca, peremptoriamente, que os restaurantes não podem fazer isto, e ponto final. E os restaurantes respiram aliviados. Eles não têm muito interesse nisto, afinal.
A lógica da argumentação é impecável: evita-se problemas sanitários com esta medida. Mas é o tipo de lógica burra, cega, fechada em interesses e resultados muito próximos. Mais um caso de lógica que se fecha em si mesma.
Pois, de uma certa forma, qual é o estabelecimento que não tende a prezar a qualidade das coisas que produz - sempre, é claro, dentro do parâmetro custo-benefício? Qual é a possibilidade de uma pessoa ter salmonela, por exemplo, comendo comida de um restaurante? Em mais de cinco anos do restaurante de meu pai, teve apenas um ou dois casos. Quer dizer, a medida tem seu âmbito, mas não seria um âmbito mal pensado... ou simplesmente preguiça de fazer diferente?
Pois porque não tentar fazer algo diferente? Não, a imagem do sopão dos pobres não precisa pular na sua cabeça. A comida poderia ser distribuída de graça, ou depois de um certo horário em que as classes trabalhadoras (ahUAHuaUAHhauHAUH) já tivessem voltado pra labuta, uma redução drástica de preço, algo desta forma, um prato por um real, que tal? O argumento de que se evita isto para evitar problemas sanitários é ridículo. Afinal, os problemas talvez não sejam tantos, e faria muito mais sentido proporcionar um tratamento para as pessoas que supostamente passaram mal por causa de tal comida, do que evitar a possibilidade por medo de uma possibilidade mais remota que talvez pareça.
Eu sei que o caso dos restaurantes é somente um entre muitos. Eu imagino que este tipo de desperdício é uma constante no esquema que montamos para nós mesmos, em nível local e mais global. Tenho certeza que o emblema de nossa época, para a posteridade, será a imagem de lixo, muito lixo, escondido daqueles que podem, jogados na frente dos lares de quem não podem tanto, presente na vida de outros que simplesmente não contam. Vide uma reportagem da revista piauí, deste mês, sobre a cidade de Lagos, uma megalópole de 15 milhões de pessoas vivendo em condições marcantes, onde uma das moedas de troca é o próprio lixo. 15 milhões de pessoas.
Sempre me lembro, nestes momentos, da Sônia Felipe, filósofa aqui da UFSC: imagine você indo no supermercado, comprando um quilo de carne suína de primeira, e ganhando junto um saco com quinze quilos de merda suína, a quantidade de resíduos que, felizmente, atualmente não passa sequer perto dos seus olhos, mas infecta o solo de regiões de intensa atividade agropecuária intensiva, como o oeste do estado de Santa Catarina.
A questão da lógica que maneja as nossas trocas materiais é que ela é, muitas vezes, short-sighted. Fico me perguntando se faz sequer sentido desejar que poderia ser diferente.
2 comentários:
Muito bom o testo, Luchésio.
Esta lei comentada é do tipo "lavo as mãos". Talvez haja até mesmo um medo de que os centros de caridade acusem a comida para escamotear seus maus tratos...
Eu fico muito triste com despedício de comida. O pessoal aqui de casa é meio "porcão". Por mais que eu insista para comprarmos menos coisas, não adianta. Eu fico p!
Abraço.
Tudo me deixa muito perplexo, entendo e sei, como todo mundo sabe, tudo que deve ser feito pra deixar a experiência humana mais agradável, mas por alguma razão ignoramos solenemente.
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