- E por que não haveria de encontrar? Estas palavras todas já estavam mortas quando o cara fez o dicionário.
Os dois estavam sentados em uma mesa de um café, com um dicionário de grego clássico, de capa azul, com um valor de três casas decimais de reais, escrito por um padre, e cheio de palavras gregas clássicas.
- Aposto mesmo.
- Claro que tem, mané. Maluco. Imagina só, nike ainda, podia apostar coisa melhor do que nike.
Namorados, um feio e um chato; um metido a helenista, o outro a hedonista, e no meio disto tudo, ninguém sabe de onde, juntos por mais de meio ano. Por uma lenta osmose, as características mais insignificantes de cada um tornaram um certo tipo de meio-termo indefinido de casal; o principal, porém, era que um continuava feio e o outro, chato.
- E se não tivesse? O que você faria.
- Rá, se não tivesse só restaria mesmo jogar fora uma merda de dicionário tão ruim assim.
- Deixa eu dar uma olhada.
E abriu no nu. Nu, iota, kappa... e nada. Nada de nike, nada.
- Olha, não tem.
- Ah, é? Fala sério. Deixa eu ver.
E viu, e viu que faltava justamente a tal da página. Nenhuma farpinha ou restinho de papel, prova amadora de que alguém havia arrancado nike do dicionário.
- Você tirou a nike fora?
- Nem. Pra que faria uma coisa desta? Vai ver que veio assim - sorrindo marotamente.
Pra bem ou pra mal, o helenista era honesto. Aposta era aposta - e o dicionário de grego clássico queimou num domingo de outono, num quintal de subúrbio.