domingo, 28 de outubro de 2007

A Parábola do Homem que Queimou o Dicionário de Grego Clássico

- Duvido que você encontre nike aí neste dicionário velho.
- E por que não haveria de encontrar? Estas palavras todas já estavam mortas quando o cara fez o dicionário.
Os dois estavam sentados em uma mesa de um café, com um dicionário de grego clássico, de capa azul, com um valor de três casas decimais de reais, escrito por um padre, e cheio de palavras gregas clássicas.
- Aposto mesmo.
- Claro que tem, mané. Maluco. Imagina só, nike ainda, podia apostar coisa melhor do que nike.
Namorados, um feio e um chato; um metido a helenista, o outro a hedonista, e no meio disto tudo, ninguém sabe de onde, juntos por mais de meio ano. Por uma lenta osmose, as características mais insignificantes de cada um tornaram um certo tipo de meio-termo indefinido de casal; o principal, porém, era que um continuava feio e o outro, chato.
- E se não tivesse? O que você faria.
- Rá, se não tivesse só restaria mesmo jogar fora uma merda de dicionário tão ruim assim.
- Deixa eu dar uma olhada.
E abriu no nu. Nu, iota, kappa... e nada. Nada de nike, nada.
- Olha, não tem.
- Ah, é? Fala sério. Deixa eu ver.
E viu, e viu que faltava justamente a tal da página. Nenhuma farpinha ou restinho de papel, prova amadora de que alguém havia arrancado nike do dicionário.
- Você tirou a nike fora?
- Nem. Pra que faria uma coisa desta? Vai ver que veio assim - sorrindo marotamente.
Pra bem ou pra mal, o helenista era honesto. Aposta era aposta - e o dicionário de grego clássico queimou num domingo de outono, num quintal de subúrbio.

Homenagem ao póstumo OCI; texto escrito em junho de 2004

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Kyosaku


Um dos detalhezinhos peculiares do zen é o kyosaku.

Kyosaku é o "bastão da compaixão"; um pedaço de madeira longo, reto e plano, uma espécie de palito de sorvete gigante.

Em ocasiões de prática de zazen mais intensivas, como retiros, o kyosaku entra em cena e assusta muita gente. Ele é usado aplicando-se dois golpes rápidos e fortes (dependendo da musculatura da pessoa) em cada um dos lados; no ombro, nos músculos das costas, dependendo do que a pessoa pedir. O estalo, para não se dizer outra coisa, pode chegar a ser alto (pá PÁ... pá PÁ...) Estes golpes são uma excelente ajuda para relaxar os músculos cansados e doloridos do zazen, e/ou para despertar um pouco uma cabeça um tanto sonolenta.

Qualquer um que pegue o kyosaku em mãos pode ver que, para machucar, ele precisa ser aplicado em outras partes do corpo, ou em ângulos diferentes dos usados. Acho que um golpe de kyosaku na cabeça não seria nada compassivo...

Tem uma historinha de um mestre zen famoso, da era moderna, que era atacado pelo cara que carregava o kyosaku: ele sempre levava na cabeça, ou de forma errada. Um dia ele cansou-se e meteu pau no outro monge, e foi expulso do mosteiro.

Via num site, aqui, uma opinião de uma mulher, que dizia que o kyosaku lembrava a palmatória que era usada no colégio de freiras, que aquilo não a agradava... outra, que a imagem de uma pessoa batendo na outra não condizia com a prática, "tão pacífica", da meditação. Como sempre, só depende da intenção com a qual uma coisa é utilizada.

Encontro Ecumênico do CBB

O CBB - Colegiado Buddhista Brasileiro - fará um encontro ecumênico em São Paulo, neste dia 25 às 20hs, na sede do templo Busshinji, na Liberdade. Por quê? Aqui.

Escadinha

Da esquerda para direita, do mais alto para o mais baixo, do mestre para o graduando. Adri, mestre em psicologia, rumando para a terapia familiar sistêmica se ele decidir qual abordagem seguir, o que talvez exija mais 27 anos. Liz, a mais recente psicóloga de Florianópolis, trabalhadora pública incansável, cantora nas horas vagas. Eu, e esse vocês já conhecem.

Uma imagem tirada ao acaso na festa de formatura da Liz, dias atrás. Que maravilhosa imagem, pega de surpresa, estes meus dois queridos amigos... Surpresa também foi ter, como trilha sonora de fundo, a própria Liz cantando, com a sua voz inconfundível.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Farewell

FAREWELL

1

Desde el fondo de ti, y arrodillado,
un niño triste, como yo, nos mira.

Por esa vida que arderá en sus venas
tendrían que amarrarse nuestras vidas.

Por esas manos, hijas de tus manos,
tendrían que matar las manos mías.

Por sus ojos abiertos en la tierra
veré en los tuyos lágrimas un día.

2

Yo no lo quiero, Amada.

Para que nada nos amarre
que no nos una nada.

Ni la palabra que aromó tu boca,
ni lo que no dijeron las palabras.

Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni tus sollozos junto a la ventana.

3

(Amo el amor de los marineros
que besan y se van.
Dejan una promesa.
No vuelven nunca más.

En cada puerto una mujer espera:
los marineros besan y se van.

Una noche se acuestan con la muerte
en el lecho del mar).

4

Amor el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.

5

Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.

Pablo Neruda, 1923

Mar Português

Um dos poemas mais belos da língua portuguesa, ao meu ver; por sua brevidade, por seu ritmo, por sua coloquialidade, pela mensagem, e pelas belíssimas figuras. Esses são não os motivos para que ele seja um belo poema: ele é um belo poema, e pronto. Esqueçam, então, o dito pelo dito. Há nele um sentimento muito humano, ao qual todos os fatores unem-se para tornar-se poema simples, a ser cantarolado, distraidamente, e então...

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

gato colo; colo gato

domingo, 14 de outubro de 2007

Casamento

Adélia Prado

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como 'este foi difícil'
'prateou no ar dando rabanadas'
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos pela primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Foto de família

Que milagre é poder ver as galáxias distantes como folhas a cair, ou pequenas faíscas de massa ígnea depois que a acha está a arder-se, terminada a sua chama. Aqui acaba-se nosso senso de proporção; dizemo-nos que vivemos em um pequeno sol no meio-caminho do centro à periferia da galáxia, e num planeta deste pequeno sol, e em um ponto deste planeta, já tão imenso, apesar de pequeno, e as árvores e gatos que nos cercam e este corpo que nos cerra - e onde é que estamos, afinal, onde estou eu, eu que o pergunto? A minha pele. Grande parte da poeira de casa é pele humana, que descama-se em particulazitas discretas como galáxias. Dizemos tudo isto, mas não temos a idéia - temos apenas as palavras.

Eis duas galáxias que colidem. Talvez acontecerá o mesmo com a "nossa", em breve, poucos bilhões de anos, no máximo. Estas duas aí continuarão na mesmissíssima posição, caro leitor, quanto tu morreres em poucas décadas, até mesmo quando os teus filhos e os netos deles procurarem pelo mesmo ponto; a foto será a mesma. Mudanças ínfimas. O tempo de vida na terra talvez seja da ordem de um suspiro, se é que o vazio cósmico suspira; não o posso confirmar, contudo, imagino-o como um suspiro, talvez. Fleeting moment passing by. Se vai-se repetir tudo, ou se tudo está repetindo-se infinitamente agora; se o tempo é redondo, quadrado ou da forma de uma bala melada, se não existe ou ainda não decidiu tempar-se... isto não importa para o fato que sei de um tempo, que sei de um gato e de uma árvore, e enfim. É um milagre que possamos ver duas galáxias batendo-se como trapos na máquina de lavar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

i thank You God for most this amazing
day:for the leaping greenly spirits of trees
and a blue true dream of sky;and for everything
which is natural which is infinite which is yes

(i who have died am alive again today,
and this is the sun's birthday;this is the birth
day of life and of love and wings:and of the gay
great happening illimitably earth)

how should tasting touching hearing seeing
breathing any--lifted from the no
of allnothing--human merely being
doubt unimaginable You?

(now the ears of my ears awake and
now the eyes of my eyes are opened)

ee cummings XAIPE 1965