A psicanálise é voltada extensivamente para a palavra: o uso dela pelo analisando, o que ele conta, as interpretações do analista. Com Lacan, o inconsciente estruturado como uma linguagem perde o caráter de "profundezas do eu" e passa a estar aí, a olhos vistos. Existe somente um inconsciente na análise, e é o do analisando: e deste inconsciente pode-se dizer que ele existe somente na análise, ali onde ele aparece - que ele é produzido na análise.
A ênfase nas palavras, no que é dito, na fala do analisando, é criticado. Muitos dizem que é um limite, implicando que a análise poderia ir muito além se prestasse mais atenção a outros aspectos - corpo, gestos - e se também trabalhasse neles. Outros dizem que falar pode ser um processo ainda mais alienante. Outros dizem simplesmente que falar e falar pode no máximo provocar um alívio momentâneo.
É interessante perceber que, na controversa história da psicanálise, temos o caso de Reich, psicanalista que começa a trabalhar fortemente com o conceito de "couraça do caráter", deslizando deste modo para um trabalho mais corporal - e muito interessante. Temos também Perls, psicanalista, que felizmente critica Freud e, adotando certas visões fenomenológicas-existenciais presentes na época, cria a Gestalt-terapia. Temos Jung, o futuro herdeiro de Freud, que amplia o conceito de libido até o transformar em uma espécie de energia cósmica, quando então é deserdado.
Porque a psicanálise se apóia tanto no que o analisando diz? Porque não abrir um pouco o escopo e colocar nisto os gestos, o movimentos, os tiques? Porque ela se "limita" a meras palavras?
Por uma questão de método, de coerência e de funcionalidade. Se não for assim, a psicanálise deixa de ser análise e passa a ser outra coisa.
O psicanalista faz aquilo que menos fazemos na nossa vida cotidiana: ele escuta, uma escuta muito diferenciada.
Quando falamos uns com os outros, esperamos fazer sentido e ser compreendidos. Grande parte das vezes isso não acontece, e então nos esforçamos mais para fazer sentido. Fazemos sentido com palavras, gestos e ações: e o outro faz o esforço necessário para compreender. É como se houvesse, em cada diálogo humano, um campo que está presente e que o circunscreve, e que delimitaria as regras do diálogo. Este campo, obviamente, é uma metáfora, tirada da física. O namorado fala com a namorada dentro deste campo, o campo do namoro, e automaticamente o diálogo muda quando o campo muda - o namorado que terminou o namoro não pode mais dizer e fazer as mesmas coisas que dizia e fazia antes, que pareciam tão naturais. De onde vem este campo, seus fatores, sua delimitação, é estudo da psicologia, da lingüística, e não é a questão crucial da psicanálise. É, realmente, nada mais que uma metáfora.
Neste sentido, o psicanalista faz aquilo que menos fazemos: ele pede que o analisando fale o que lhe vier à cabeça, qualquer coisa, por mais idiota ou sem sentido que possa parecer, e escuta! Ele simplesmente não se importa se faz sentido ou não. E o analisando faz aquilo que menos faz no cotidiano: fala tudo o que vier à cabeça - ou tenta (associar livremente parece fácil, mas não é tão fácil, no divã...). O analisando associa livremente, e o analista escuta com atenção flutuante. É esta a fala que se trata na psicanálise, e não o fazer-sentido cotidiano. O psicanalista que se aventurasse a analisar a roda de chopp correria o risco de ser linchado, como nos diz Fabio Herrmann.
É esta "regra fundamental" que faz com que a fala na análise tenha a sua premência: a regra da associação livre. Se fosse simplesmente falar como falamos sempre, o analista seria, no máximo, uma pessoa mais sabida que saberia uma solução para os nossos problemas - seria somente um sentido a mais.
A experiência da fala no campo analítico é distinta do "cotidiano". Ela não procura acrescentar sentidos à nossa vida, à nossa análise, embora obviamente vamos tirando sentido da análise também. A escuta do analista escuta o que se fala além, escuta a lógica do chamado inconsciente.
Alguma coisa, como sempre, CONTINUA...
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