Comecei a ver o tal do "What the bleep do we know", sendo este bleep uma forma mais educada de "fuck", se não me engano. Soube do filme através de colegas da facul, que pareceram ficar impressionados o bastante com as questões que ele levanta. Li a sinopse e achei interessante. O filme, segundo o que li, traz vários pensadores e cientistas na "velha" questão de realidade e física quântica, etc. Parecia ser interessante, e nunca é demais ver se realmente a discussão é válida.
Acontece que o filme parece ser uma grande palhaçada. Vejam vocês que, antes mesmo de assisti-lo, naturalmente eu olhei pela net, procurando discussões e opiniões. Decepcionei-me ao saber que o filme é escorraçado por todos os pensadores mais céticos, e que ele é, no final das contas,
panfletagem de um culto religioso que tem uma mulher que diz encarnar um ser de 35.000 anos chamado
Ramtha.
Pois bem, eu não posso criticar muito o filme pessoalmente, pois comecei a vê-lo uns 15 minutos atrás e infelizmente não posso continuar a vê-lo. Ele começa com uma animação que envolve galáxias e neurônios e pequenas partículas e múltiplas realidades, com a voz de trocentas e sete pessoas (entre elas "Ramtha") fazendo perguntas filosóficas clássicas, e falando que a quântica pode dar a resposta final, e jogos de palavras com as palavras "real" e "irreal", enfim, um aperitivo. Deixo passar, evidentemente, é divertido ficar com água na boca. Começaram, então, a falar, e eu parei exatamente na hora em que um cara, sentado em uma confortável poltrona, fala o seguinte (tomei o cuidado de ser praticamente literal): "quando o sujeito vê um objeto, uma área do cérebro se acende (no exame de PETscan); quando ele imagina, a mesma área do cérebro se acende também. Então quem vê, o cérebro ou o olho? a realidade é aquela que vemos com os olhos ou aquela que vemos com o cérebro?"
Bem, tive de parar. Se o resto do filme seguir com esta baboseira, não dá. Em primeiro lugar que o filme segue então com o mesmo tipo de questionamento, de que a "realidade externa" não precisa ser anterior à "realidade interna", de que a RI pode mudar a RE, ou seja, no final das contas, que a mente cria a realidade. Dicotomia de primário, isto.
Segundo lugar que o experimento que ele provavelmente cita deve ser da Nancy Kanwisher, em que se encontraram similaridades grandes entre as duas atividades e sua ativação cerebral, mas não exatamente equivalência. Pelo que sei parece que há um consenso, nesta área do conhecimento, de que, por mais parecidos que sejam, por mais processamento em paralelo parecido que tenham, há diferença entre os dois, perceber um objeto real, e imaginá-lo.
Esta questão do imaginado e do sentido aparece, por exemplo, na questão da sinestesia (com S, não com C!!). Um experimento que foi feito com fMRI (imageamento funcional por ressonância magnética, um dos métodos mais eficazes de determinar a ativação de áreas cerebrais) determinou que a percepção sinestésica visual é processada, no córtex cerebral, da mesma forma que uma percepção visual comum, e diferente da imaginação visual. Quer dizer, os sinestetas não imaginam, não mentem, dizendo que vêem percepções visuais "irreais" (ou seja, que nós não vemos). Ela realmente existe. Mas ela é limitada e determinada, e mesmo assim há uma diferença marcante entre uma coisa "alucinada" e uma coisa "real", e esta diferença é mais pragmática que teórica. (Ora, as pessoas não vivem tendo alucinações o tempo inteiro?) Uma percepção visual "irreal" é um fato, e levanta sim questões sobre a realidade da realidade, embora não chegue a dizer então que o "mundo interno" pode modificar o "mundo externo".
Pois este tipo de discussão é fundamental, eu creio, quando se trata de ser o mais esclarecida possível. Se se for de tratar com o problema da epistemologia, da ontologia, enfim, não vai ser a mecânica quântica que vai responder. Aliás, alguém atualmente tem a pretensão de responder? ora, seriam tantas as áreas do conhecimento aptas a dar uma contribuição a isto, por mais ínfima que seja...
Pra compensar tudo isso, estou lendo um livro que a Carmen Moré me emprestou, um tal de "É real a realidade?", do Watzlawick. Leitura linda e recomendada, um livro bom de ler; a proposta dele é que o que chamamos de realidade é resultado da comunicação. Na verdade ele não chega a defender esta tese: o estilo do livro é mais "anedótico", coloquial. Muito interessante.
E saiu, pela Companhia de Bolso, o livro do Sagan, "O mundo assombrado pelos demônios". Vou fazer uma petição pública para que este livro se torne obrigatório nas primeiras fases de todas as faculdades :)
Vou parar esta discussão, agora.