sábado, 22 de agosto de 2009

Did Plato beat the [bush] cat?

Com o passar do tempo gosto menos do Platão. Pessoalmente. Isto quer dizer o quê? Admiro a sua envergadura, mas o conheço cada vez mais e desprezo algumas de suas idéias. Ao mesmo tempo, contudo, sei que as suas obras escritas guardam as chaves - preciosíssimas! - da filosofia ocidental, mesmo que, algumas vezes, sejam anti-chaves, ou chaves de espaços negativos.

A República é o exemplo paradigmático do platonismo aplicado, e suas consequências. Seria a República uma grande ironia, ou somente um exercício intelectual? Ou um destino político inevitável do zôon politikon? Alguns dizem que Platão realmente sugeriu sua república como uma realidade prática, e a sua amizade com Díon pode sugerir isto. Outros dizem que há somente ramelas pedagógicas, e que uma leitura cuidadosa o indicaria - através de linhas de campos de imanência a la Deleuze, talvez? Ou então uma grande e deliciosa ironia. Como eu sempre cuido terapeuticamente das ironias, sonho com a terceira. Então eu e Platão riríamos muito.

Mas tomando seus escritos face-valued, a República é um pesadelo a que somente os reis-filósofos poderiam aspirar. Em termos práticos. A argumentação platônica tenta procurar a forma de governo mais justa possível, e neste interím passa por cima da timocracia/meritocracia, da oligarquia, da democracia e da tirania/despotismo, consideradas como formas "dialéticas" de governo, que não tem o Bem em vista e como objetivo e que, portanto, não podem manter-se por si mesmas (tomo o wikiartigo como hupomnemata).

Esta é a parte mais interessante da República: todos os sistemas pensáveis de governo são colocados em questão, com a conclusão citada acima. O que prossegue depois disto, porém, é de deixar qualquer (pós?)moderno de sobreaviso; o governo do Bem parece-se demasiado com os regimes totalitários que tivemos a oportunidade sangrenta de vivenciar (agora também temos a oportunidade sangrenta de vivenciar uma das formas de democracia mais radical).

Aliás, tenho a impressão que a espécie de utopia disforme de Platão - que apenas não merece o título de distopia por discrição por parte dos críticos - foi o campo que, desde o Renascimento (com a sua reconstrução de um helenismo e classicismo que talvez nunca tenham existido) semeou grande parte dos grandiosos projetos políticos modernos. Apesar de O (outro) Filósofo [Aristóteles] ter se servido fartamente de Platão em seu pensamento político, e consequentemente a escolástica cristã ter se servido fartamente - ou ter subjugado, o que se sobrepõe sutilmente - do Filósofo, a idade média européia nunca foi além do não muito temeroso, embora forte, pensamento feudal. Pelo menos desde as Cruzadas.

A música pode ser uma interessante analogia. Uma das partes que mais me enoja em Platão é aquela em que, em sua nova Cidade[-estado], certos tipos de "harmonias" e "tons" deveriam ser proibidos - os que "provocam" a lassidão, a intemperança, a melancolia, etc.; o trabalho dos poetas (poiétes, os "fazedores", vistos assim como meros artífices de mentiras e contrapostos ao logos verdadeiro do [rei-]filósofo) deveria ser severamente censurado; e a "literatura" poética - os épicos homéricos, por exemplo - deveria ser "reescrita", de modo a não sobrar nenhum trecho que, exempli gratia, descreva deuses olímpicos com paixões humanas. Tudo muito bem regrado.

Comparemos esta sobriedade de harmonias e tons com a profusão maluca da música pós-renascentista. Não é preciso ser apreciador de música "erudita" para verificar isto. Estou para encontrar o nefelibata que me diga que os melhores trechos de Bach, por mais glaciais e celestiais e "não-humanos" que sejam, não contém as pestíferas harmonias vilipendiadas por Platão.

Ufa. Ainda bem.

Isto assemelha-se, grosso modo, com uma discussãozinha que vim a saber atualmente: a da "reescritura" das cantigas de roda tradicionais. Você sabia que há uma versão "politicamente correta" do Atirei o pau no gato? Ela vai mais ou menos assim:

Não atire o pau no gato
Porque isso não se faz
O gatinho é nosso amigo
Não devemos maltratar os animais

(em algumas letras é Jesus quem diz para não maltratar.)

Pode haver algum mérito em querer diminuir um conteúdo "violento" em alguma coisa, mas justamente no Atirei o pau no gato? Você, leitor, você atira paus em gatos na rua, depois de ter cantado com fervor o Atirei dezenas de milhares de vezes, quando criança? Você sente uma propensão para isto? Você já atirou? Matou gatos? Envenenou-os?

Eu me lembro do prazer que era fazer o miaaaaaaaaaaaaaaaaaau final, aquele grito estridente de criança, que treme as órbitas dos olhos e esfria a barriga. Hoje eu tenho um gato em casa. Não sou um anjo de candura, mas ele ainda tem as quatro patas e as duas orelhas. Hum, vai ver que é um sentimento inconsciente de culpa, causado pela minha incessante cantilena de mau-trato aos felinos, que me faz manter e alimentar e acarinhar um deles dentro de minha própria casa!

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

E o Segredo vai para...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"O que foi isto?"

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Sonic. Cetim. Satie.

Atualmente eu tenho vergonha da maioria das minhas poesias de outrora, embora saiba que tenha escrito muito melhor outrora do que atualmente escrevo - se e quando escrevo. Uma pena.

Então, escutando Satie - depois de tanto tempo! - retorna à cabeça o poemeto escrito anos atrás. Com um grão de sal, filho e espírito santo, por favor. Aproveitem que o uitubiú tem a opção de vídeos em alta qualidade, agora, e pode melhorar um pouco o som.

à Satie

O céu escuro, na janela sem vidros,
encompassa a sedosa fumaça
do cigarro enrolado

Satie. Cetim. Um pastor contando estrelas.
No acetinado. Da noite.
Cetim. Nos meus braços.
Mamilos e torso torcido
para em beijo ávido beijar-me.

Conto estrelas com a língua. Enlaço.
com o que brilha nos teus olhos.

São meus, os olhos da noite.
Se conto estrelas, traço-as.
Onde sou poeira; molda-me.
Se abres a boca, pérolas.

08/09/2005

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A mesma dica do uitubiú vale para esta apresentação de um dos temas de Philip Glass para o filme As horas, que é um dos meus favoritos. Torley mostra barbaramente como a música de Glass é tecnicamente fácil, baseada em ostinatos e harmônicos; isto não é empecilho, contudo, para que ela seja boa e aproveitável. Mas enfim, eu tenho um gosto extremamente duvidoso, para alguns - amo muito tudo isso.

Aliás, lembro-me perfeitamente do frio na barriga na primeira vez em que escutei esta música. Eu o sinto, até hoje, ao escutá-la.