"O que ocorre com as crianças, nós mesmos experimentamos, crianças crescidas que somos. As pessoas que elas amam, com quem estão habituadas, com as quais brincam, fazem-nas tremer de medo quando se apresentam mascaradas. Não é somente dos homens, é das coisas que cumpre tirar a máscara, obrigando-as a reassumir seu verdadeiro rosto. De que serve mostrar-me estas espadas, estas chamas, esta multidão de carrascos que rugem em torno de ti? Descarta este aparato que te esconde e que só aterroriza os tolos. Tu és a morte, que outrora meu escravo ou uma serva podia desafiar. Mas quê? Ainda teus chicotes, tuas estacas que me apresentas com grande ostentação, estes aparelhos que se adaptam peça por peça a todas as articulações a fim de desmembrá-las, estes milhares de instrumentos empregados para dilacerar, para despedaçar um homem? Despoja-te destes espectros; silencia os gemidos, os lamentos entrecortados, os gritos agudos do supliciado feito em pedaços. Tu és a dor, que o gotoso despreza, que o dispéptico padece em meio a delícias, que a jovem tolera no parto; dor leve se suportável, breve se não o é."
[13] Quod vides accidere pueris, hoc nobis quoque maiusculis pueris evenit: illi quos amant, quibus assueverunt, cum quibus ludunt, si personatos vident, expavescunt: non hominibus tantum sed rebus persona demenda est et reddenda facies sua. [14] Quid mihi gladios et ignes ostendis et turbam carnificum circa te frementem? Tolle istam pompam sub qua lates et stultos territas: mors es, quam nuper servus meus, quam ancilla contempsit. Quid tu rursus mihi flagella et eculeos magno apparatu explicas? quid singulis articulis singula machinamenta quibus extorqueantur aptata et mille alia instrumenta excarnificandi particulatim hominis? Pone ista quae nos obstupefaciunt; iube conticiscere gemitus et exclamationes et vocum inter lacerationem elisarum acerbitatem: nempe dolor es, quem podagricus ille contemnit, quem stomachicus ille in ipsis delicis perfert, quem in puerperio puella perpetitur. Levis es si ferre possum; brevis es si ferre non possum.
Carta de Sêneca para Lucílio, 24; texto em português tirado de A hermenêutica do sujeito, M. Foucault (Martins Fontes, 2004), texto em latim aqui.
leuis aut breuis: o aforismo estóico de que uma dor ou é forte e breve e insuportável - ou passa ou morremos - ou é leve e dura mais, então suportável. Epicuro, antes disso, já apontava em uma de suas máximas (140.IV), abaixo, o que viria a ser a quarta parte do seu tetraphármakos: o que é mal é breve ou no tempo ou leve na intensidade (na carta para Meneceu em outro lugar, 133).
"A dor não dura de uma forma ininterrupta na carne, mas aquela que é extrema não dura mais que um tempo muito curto, e mesmo aquele nível de dor que excede ligeiramente o prazer da carne não dura muitos dias; quanto às doenças de longa duração, elas são acompanhadas de mais prazer (na carne) do que de dor."
ou khronízei to algoûn sunekhôs en tê sarkí, alla to men ákron ton elákhiston khrónon páresti, to de mónon huperteînon to hēdómenon kata sárka ou pollas hēméras sumbaínei; hai de polukhrónioi tôn arrōstiôn pleonázon ékhousi hēdómenon en têi sarkhi ḗper to algoûn.
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