sábado, 30 de dezembro de 2006

Merton II

"A meditação budista, sobretudo a do Zen, não procura explicar, mas sim prestar atenção, conscientizar-se, manter-se vigilante, em outras palavras: desenvolver certo tipo de conscientização que está acima e além da ilusão produzida por fórmulas verbais - ou pela excitação emocional. Ilusão em relação a quê? Ilusão quanto à apreensão do que é a meditação em si mesma. Ilusão devido à diversão e à distração no que concerne àquilo que se encontra ali mesmo: a própria conscientização."
Thomas Merton, Zen e as Aves de Rapina. Cores e negritos por Lucas

Ney

Liz deu para minha mãe, tempão atrás, a gravação do Ney Matogrosso cantando com Pedro Luis e a Parede, o álbum Vagabundo.

Excelente.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

"O Filho que Eu Quero Ter"

Disseram-me que a Bina, amiga do disseram-me (Robizito, de Guarulhos), a qual eu acho que não conheço/não sei, está grávida. E ela colocou uma letra do Toquinho e do Vinícius, aqui.

Eu não conhecia. Muito, muito linda.
Estava lendo aqui, nesta madrugada, algumas acusações que ex-devotos do tal Sai Baba fizeram.

Abuso sexual de homens jovens, encenações e truques mágicos do que seriam "materializações", uso do dinheiro das doações. Enfim.

Estas são apenas as acusações (quem quiser saber mais, googleie por David Bailey, "The Findings"). A própria organização do Sai tem sua réplica, que eu comecei a ler, mas o estilo é praticamente soporífero, em muitos casos. Eu sinceramente não tiro nenhuma conclusão.

Digo apenas que não existe coisa que me tantaliza mais do que a perfídia e a escravidão mental que muitas práticas religiosas e devocionais trazem consigo. Eu fico chocado e muito, muito revoltado com este aspecto tão presente, reatualizado a cada instante. Ou você acha que no nosso mundo "esclarecido" estas coisas não acontecem?

*****

"Pareidolia" é um tipo de ilusão ou percepção equivocada, provocada por um estímulo vago ou obscuro. A definição é do Skeptic's Dictionary. É na pareidolia que o Rorschach se baseia. O caso do rosto marciano, se trata da mesma coisa. Do olho de Deus em um pulsar. Da face de Jesus em uma nebulosa - ou em um tronco de árvore - ou em uma tortilla.

Todos nós somos tendenciosos neste sentido. Vemos faces, mais do que tudo, onde sombras e manchas estão. Vemos muita coisa. Para quê cultuar uma tortilla? Cantemos a criatividade humana, em vez disso.

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Fico triste. Não me vejo como um idealista. Não creio que uma humanidade error-proof seria mais feliz. Não creio que acreditar em coisas inacreditáveis deixa as pessoas infelizes. E, contudo...

Tenho de andar com um espelho do meu lado, e parar para olhar - sempre.

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Uma pequena aranha na minha perna, agora.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Eulogia

Que vergonha. Que vergonha.

Todos que me conhecem ou que me lêem por algum tempo passado sabem do meu variado gosto musical. Sabem do quanto eu me derreto com as interpretações divinas da Vaughan; o quanto meu coração portenho bate por uma Buenitos que não existe com Piazzolla, o quanto Mozart me comove, ou Bach me eleva às alturas.

E todos sabem da minha paixão, por assim dizer, pela museletro. E do como a minha nuca ainda se arrepia com o som do trance, do psy.

Durante muito tempo, eu curti muito o trance. Parei um pouco, no meu eterno questionamento das coisas que eu faço. Volta e meia escutava um Astrix da vida, umas das antigas do GMS, um Man with no Name, fechando com 1200 micrograms. E um pouco do Infected Mushroom, também. Mas confesso a vocês que este tipo de música, apesar de me atrair, não me chamava tanto mais assim.

Foi quando eu fui pro eletro, mas daí é uma outra história.

O principal motivo de largar um pouco o trance? Ele me cansa. Muito puxado, até mesmo para os meus ouvidos. Têm alguns que são, dá pra se ver muito bem, exclusivos de uma rave - e só numa rave mesmo pra aguentar uma coisa tão full power.

Sempre gostei um pouco do Infected, sempre. Mas, preferia outros. Não achava as suas músicas tão boas assim.

E hoje, para a minha vergonha, resolvi dar um tempo das três deles - são uma dupla israelense - que eram o meu default, o que eu escutava sempre.

Agora, humildemente, jogo cinzas por cima de mim, e rasgo as minhas vestes, em um gesto de perdão.

Pois que eu reescutei, com assombro e admiração, os dois últimos álbuns: Converting Vegetarians e IM the SuperVisor. Com assombro e admiração eu escutei o quanto os caras são bons; com assombro e admiração eu decidi, depois de ficar indiferente frente aos pedidos de pessoas próximas, vê-los em sua próxima passagem por aqui.

O último, IM the SuperVisor, é simplesmente incrível (o C.V. é meio bobinho). Não vou falar muito dele, obviamente, pois depois muitos virão pra cima de mim, falando que "nem é tão bom assim". Claro, né nega, se procuras samba sabes que não é disso que eu tou falando aqui. Mas, se é pra dizer uma coisa, eu digo: não, é o paraíso na terra; não, não é respirar fundo e ver o sol nascendo dourado e sentir amor por todas as coisas vivas e não-vivas e aquelas cujo status vivente ainda não se sabe, mas não importa; não, não são 188 bpm que vão te explodir e te fazer renascer num dos lokas hindus de flores gigantes e vacas gordas,

mas eles sabem o que fazem. Não se deixem enganar pela aparente simplicidade da música. Observem as linhas melódicas. Divirtam-se, ao menos, com a música título, que é engraçadinha.

Além da rave; além da pista de dança. Entre os dois, e além. Divirtam-se - e dêem um novo sentido para diversão, por favor.

Pois precisamos.

(Ah, o trio default era Cities of the Future, IM the SuperVisor e I Wish, esta do C.V.)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

"Este fato tem sido explorado por engenheiros contrários à engenharia reversa. Discuto um exemplo em Dennet, 1978 (p. 279):
Existe um livro sobre como detectar peças de antiquário falsificadas (que é também, inevitavelmente, um livro sobre como falsificar peças antigas) que dá este malicioso conselho para quem quiser enganar o comprador 'experiente': depois de terminada sua mesa ou seja lá o que for (tendo usado todos os meios usuais para simular idade e uso), pegue uma furadeira moderna e faça um furo na peça em algum lugar bem evidente e intrigante. O provável comprador argumentará: ninguém faria um furo tão feio sem ter um motivo (não se supõe que ele seja 'autêntico', de qualquer forma), então ele deve ter servido a algum propósito, o que significa que esta mesa foi usada na casa de alguém; como foi usada na casa de alguém, não foi feita expressamente para ser vendida neste antiquário... Portanto, é autêntica. Mesmo que esta 'conclusão' ainda deixe espaço para algumas dúvidas, o comprador estará tão ocupado sonhando com usos para aquele buraco que meses se passarão antes que as dúvidas venham à tona.

Já se disse, com que plausibilidade eu não sei, que Bobby Fischer usou a mesma estratégia para derrotar adversários no xadrez, sobretudo quando o tempo estava se esgotando: faça um movimento deliberadamente 'estranho' e observe seu adversário perder um tempo precioso tentando entender o que você fez."

Daniel Dennett, A perigosa idéia de Darwin. Rocco, 1998.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

"A montagem da pulsão é uma montagem que, de saída, se apresenta como não tendo nem pé nem cabeça - no sentido em que se fala de montagem numa colagem surrealista. Se aproximarmos os paradoxos que vimos de definir no nível do Drang ao do objeto, ao do fim da pulsão, creio que a imagem que nos vem mostraria a marcha de um dínamo acoplado na tomada de gás, de onde sai uma pena de pavão que vem fazer cócegas no ventre de uma bela mulher que lá está incluída para a beleza da coisa."

Jacques Lacan, Seminário 11 - Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.
all nearness pauses,while a star can grow

all distance breathes a final dream of bells;
perfectly outlined against afterglow
are all amazing the and peaceful hills


(not where not here but neither's blue most both)

and history immeasurably is
wealthier by a single sweet day's death:
as not imagined secrecies comprise


goldenly huge whole the upfloating moon.

Time's a strange fellow;
more he gives than takes
(and he takes all)nor any marvel finds
quite disappearance but some keener makes
losing,gaining
-love! if a world ends


more than all worlds begin to(see?)begin

E. E. Cummings

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Que estes mesmos contactos insistam e se multipliquem em torno de uma criatura única até bloqueá-la toda inteira; que cada detalhe de um corpo apresente para nós tantas significações perturbadoras como os traços de um rosto; que um único ser, em vez de inspirar-nos quando muito irritação, prazer ou aborrecimento, nos obsidie como uma melodia ou nos atormente como um problema; que esse ser passe da periferia do nosso universo ao seu centro, que se torne mais indispensável do que nós próprios, e estará realizado o admirável prodígio: assistiremos então à invasão da carne pelo espírito, e não mais um passatempo do corpo.

Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar. Tradução de Martha Calderaro. Nova Fronteira, 1980.

domingo, 10 de dezembro de 2006

Thomas Merton no seu livro, Zen e as Aves de Rapina. Trecho interessante para a discussão do provável caráter escapista das práticas religiosas.
Em ambos os casos, os 'fatos' não são apenas impessoais e objetivos: são fatos de experiência pessoal. Tanto o budismo como o cristianismo se assemelham, ao utilizarem a trama ordinária do cotidiano da existência humana como material para transformação radical da consciência. uma vez que a existência humana ordinária, cotidiana, está cheia de confusão e sofrimento, é óbvio que serão utilizadas essas duas coisas para a transformação da nossa conscientização e nosso entender, passando para além de ambos a fim de atingir a 'sabedoria' no amor. Seria grave erro supor que o budismo e o cristianismo oferecem apenas explicações em relação ao sofrimento, ou, pior, justificações e mistificações construídas sobre este fato inelutável. Pelo contrário, ambos demonstram como o sofrimento permanece inexplicável, sobretudo para aquele que tenta explicá-lo a fim de evadir-se dele, ou que pensa que a própria explicação seja uma fuga. O sofrimento não é um 'problema' como, por exemplo, algo que pudéssemos controlar de fora. O sofrimento é considerado, tanto pelo cristianismo como pelo budismo, cada um a seu modo, como fazendo parte da nossa própria identidade-ego e de nossa existência empírica. E a única coisa a fazer em relação a isso, é mergulhar de cheio em plena contradição e confusão, de maneira a ser transformado pelo que o Zen denomina 'a Grande morte' e o cristianismo declara ser 'morte e ressurreição em Cristo'.
Acceptance of not-knowing produces tremendous relief.

Winnicott

terça-feira, 5 de dezembro de 2006


Cozinha de retiro. Muitas vagens picadas, cenouras cortadas, e silêncio. Eu, logo atrás da pequena estátua de madeira.