A coisa mais incrível aconteceu, mas estou receoso de contar aqui, nunca se sabe, a internet, dizem, todos ficam sabendo de cada vírgula mal colocada. Na verdade não ficam, pois alguém usa vírgulas na net? Mas enfim... conto.
Cheguei aqui em casa esta segunda feira, cansado e ferido de mais um dia acadêmico maçante e desconstrutivo, de idéias toscas e flácidas como... enfim, o conceito de tosco e flácido que você, leitor atento, tiver em mente - alguns são desaconselhados para menores - quando, ao chegar no portão do prédio, vejo um cara velho e barbudo sentado na escada.
Ele tinha a pele bem bronzeada, curtida, os olhos cinzas e uma basta cabeleira que, embora branca, ainda conservava traços de um antigo castanho queimado. E uma barba um tanto mal cuidada, nada que uma gilete de três lâminas e quatro crianças taiwanesas não resolvam. Ele me vê chegando e vem falar comigo. Achei engraçado ele estar somente com uma camiseta, ainda mais aquela da Embratel que tinha a Ana Paula Arósio, na época que ela considerada a beleza encarnada e todo mundo gostava dela, a pobre-menina-que-namorado-suicidou-se-defronte; mas relevei a camiseta, depois de ver que ele não tinha nada por baixo, deixando a semi-mostra sua vergonha, que na penumbra não era nada saradinha.
Balbuciou algumas coisas, balbuciou modo de dizer, pois falou alto - eu que entendi coisa nenhuma e achei que a caninha Camarão tinha tido mais um freguês esta tarde, e já entrava em prédio meu com aquela carinha burguesa de "por-favor-saia-da-minha-frente", nojinho, quando ele me pega pelo braço e começa a falar mais claro e mais devagar, fazendo gestos amplos com o braço, parecendo que queria o meu liquidificador emprestado, sei lá.
Mas tinha algumas palavras que me eram familiares. Será? Ele começou a apontar para si mesmo, dizendo "Sôôcrates, Sôôcrates, Sôôcrates", parecendo que ia vomitar. Deu um pulo pra trás, instintivamente, e depois me dei conta que Sôôcrates devia ser Sócrates. Me parecia que o sujeito queria dizer que se chamava Sócrates, o que achei muito irônico e até conveniente. Por causa disso relaxei um pouco, botei as coisas no chão e tentei entender o que aquele cara queria.
Mesmo assim continuava a entender bulhufas. Patavinas. E ele lá falando, e tentando arranjar um vidro sujo onde pudesse escrever alguma coisa, e me pegando o braço e falando mais alto, ficando meio sem ar e vermelho no processo, parecendo o tipo de cara que fica enfezado se ninguém o escuta. Parecia até que falava grego.
Me lembrei então que queria estudar mais um pouquinho de grego ainda aquele dia, e que tinha de dar comida pro gato e limpar a pequenina caixinha de areia higiênica do elegante senhor Gato, e já estava me desvencilhando dele e ele me olhando com um ar muito de perdido e desamparado, prestes a desabar no chão e clamar por misericóridia e eu achando aquilo tudo muito esquisito, quando de um átimo ele começa a murmurar, como se tivesse se dado conta de algo importante, sua face se ilumina e ele começa a gritar com todos os pulmões, para a felicidade dos meus vizinhos, "diaphteironta, diaphteironta, diaphteironta!"
Donde, donde um velho de rua aprendeu a ler grego clássico? Isto o que passou pela minha cabeça. Acontece que, como percebi três segundos mais tarde, ele não era um velho de rua. Bem, pelo menos não da minha rua.
Embalagem de Bolos de Aniversário: Dicas
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