segunda-feira, 28 de março de 2005

Tila

Foi uma cena muito fofa; estava andando com o Will na BeiraMangue que tanto gosto nas madrugadas, dividindo uma cerveja de canudinho, falando besteira, que ambos gostamos, e nos sentamos naqueles troços de ginástica perto da entrada do Córrego. No meio da conversa, escuto um miado rouco vindo em nossa direção, e vejo o gatinho mais magro que já vi na minha vida.

Pra quê! Trouxe ele pra casa em cima dos meus ombros; ele miando de fome, e eu fazendo um "ah" gutural grave, que misteriosamente fazia ele parar de miar (por medo ou conforto, eu não o sei). Meia hora de caminhada assim, ele escalando pela minha camisa, subindo na cabeça, passando de uma orelha a outra.

É a gatinha, pelo que sei até agora. O nome surgiu na hora; Tila, de Tila Tequila, um dos talentos drags ocultos que ainda hão de surgir.

Então, cheguei em casa ontem de noite, duas da manhã, esquentei leitinho pro gatinho, arrumei uma caminha, tirei todas as coisas rasgáveis do chão e fui dormir.

Acordei hoje de manhã cedíssimo. Fui no mercadinho e comprei aqueles negócios com trozos de pollo, e café pra mim. A tadinha devorou quase tudo com uma voracidade incrível, até ficar com um barrigão. Aí então levei ela pra baixo e deixei ela lá na entrada do prédio, num quintalzinho que tem.

Mas bah... eu realmente não quero ficar com ela em casa; não vai dar certo. Mas engraçado era me ver preocupado olhando volta e meia pra janela. Tila estava lá, sentada conteplativa, depois de comer, vendo as borboletas passando, o rabinho balançando. Um casal de velhos com suas netas quase-gêmeas (três delas) ficaram brincando com ela. E eu torcendo pra que alguém goste dela, e a leve para casa.

Última vez que vi ela estava sentadinha na porta, enquanto a faxineira limpava o chão. Vamos ver o que aconteceu desde então; tenho a impressão de que ela ainda vai estar lá. Para quem estiver interessado numa gatinha...

sexta-feira, 18 de março de 2005

papel jornal

Tentar escrever os postes deste blogue em papel jornal para depois digitá-los nos computadores da graduação mostrou-se um plano falido.

A minha relação com o papel é absorvente, sem nenhum duplo-sentido: se me sento para escrever trivialidades bloguísticas, como as que escrevo aqui, sempre acabo indo muito mais do que penso ir. Saem textos de três páginas, frente e verso, que nenhuma pessoa normal gostaria de ler para se distrair, num começo de tarde quente, como a de hoje.

No último, por exemplo, cheguei à conclusão (nada original) de que Deus foi criado para o mundo mítico ser esvaziado, um espaço mental eveterno e seminfinito ser criado, e assim o abismo entre tudo e nada ser continuamente forrado com idéias, suas combinações, direções espaço-temporais de deslizamentos e cadeias serem invertidas e submetidas à vontade... enfim, palavras são palavras.

Lacan me semenlouqueceu, praticamente. Descobri e identifiquei três nós do desejo em mim mesmo; um deles tem a ver com o fato de que eu tenho a impressão vívida que tenho que achar a verdade filosófica. Imaginem a minha cabecinha, então, quando começo a pensar na pópó mómó, a pós-modernidade, no querido epíteto que meu amigo deu, em seu blogue.

Encontrei um pouco de ar fresco na fenomenologia, que nada explica, e bota o pensamento no lugar que merece.

Mas o que me pergunto é o porquê dos estruturalistas franceses teimarem em escrever criptograficamente. Será que a forma criptográfica é uma maneira mais direta de uma experiência metaintelectual? Será um koan com croissants? Será que eles tomavam anfetamina demais e não conseguiam parar de pensar, tentanto montar o discurso na mesma velocidade do pensamento? Será que eles simplesmente não sabiam escrever?

Dizem que Lacan, nos seus últimos anos de vida, final dos 70 e início dos 80, quase que não falava mais. Desenhava seus místicos grafos e nós, em padrões tão sinuosos e complexos quanto aos mais calidoscópicos tapetes persas. Dizem que em um deles, o Derradeirô, esconde-se a Resposta para o Universo, a Vida e Tudo o Mais.

Estou lendo também Mil platôs, do Deleuze e do Guatari. Muito divertido, e é somente isto que tenho a dizer.

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Encontrei no sebo o livro que esperei por uns bons três meses: Erica Jong, Medo de Voar. Maravilhoso. Recomendo a quem quiser a minha recomendação. Muito sexo, visto por uma mulher; psicanalistas comendo-se verbalmente, uma história complexa e gostosa, da qual não se ouve nem o mínimo, e sempre se volta pra um pouco mais do que já se passou.

Estou com vontade de ler mais erótica do ponto de vista feminino. Estive prestes a comprar a coletânea recém-lançada dos contos que Anaïs Nin escreveu por encomenda do Colecionador; antes, contudo, li ela dizendo que teve que "maquiar" o seu estilo feminino e escrever mais como um homem, já que o Colecionador não queria tanta poesia, e sim meteção chupação estas coisas todas.

Então eu não quis mais. Quando eu quiser ler erótica do ponto de vista feminino maquiado, daí sei onde vou.

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Masculino e feminino. Onde quer que eu olhe mais fundo, onde quer que eu sinta mais poeticamente, onde quer que eu pense mais agudamente, acabo sempre me defrontando com os Opostos. A solução pseudo-mística dialética, frouxamente adotada pelo projeto pópó mómó de MicroVivência Experimental-Existencial, não me convence. Não dá.
É muito mais sutil do que qualquer outra sutileza.
Muito mais vital do que parece ser.

sexta-feira, 11 de março de 2005

"point-de-capiton" o caralho

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quinta-feira, 10 de março de 2005

mística

Procurando por Alexander Scriabin, vou parar em um site sobre pianistas famosos.

Conheço o tal de Satie.

(Já tinha o visto muitas vezes antes, mexendo nas prateleiras de cds das lojas.)

Escuto a primeira Gnossienne, lent.

Que coisa linda. Parece a minha música, desde séculos. Tenho a víviva impressão de que ela é minha.

Ainda mais que o título, Gnossiennes, remete (segundo o encarte do cdzinho) ao palácio de Knossos, em Creta. Fiz a minha pesquisa usual online e descobri que, na mesma época em que Satie compunha as tais, as ruínas de Knossos estavam sendo postas à luz.

Estou estudando, ultimamente, muita mitologia grega. Junto com ela sempre vem a história, ainda mais quando se trata de Junito Brandão, um ótimo autor. Estou fascinado por duas coisas:

- Uma reprodução fotográfica da pítia de Delfos, de acordo com as representações de dois milênios atrás, numa matéria da Scientific American. Esta fala sobre a redescoberta (a hipótese é bem antiga) de que fontes termais no subsolo délfico provocavam a emissão de gases utilizados no transe oracular. Descobriram que o templo de Apolo fica bem acima de duas falhas tectônicas, e que a câmara oculta onde a pítia sentava-se sobre um tripé recebia estes gases todos (tais como etileno).
A fotografia, preto e branco, me admirou de tal forma, que estou para colocá-la em uma moldura.

- Os Mistérios de Elêusis que, contrariamente a tudo neste mundo, ainda continuam místicos. Não se sabe, até hoje, no que se constituía os Mistérios, que duraram assombrosos dois mil anos. Elêusis era uma cidadezinha perto do mar, a 20 quilômetros de Atenas. Todos os anos ocorriam as Eleusínias; há, sim, descrições de várias cerimônias "públicas", dos preparativos reservados aos iniciados, das várias etapas de purificação, de pular no mar com um leitão no colo, este tipo de coisa. Mas era proibido, a qualquer iniciado, falar sobre os mistérios que ocorriam no telestérion, a câmara profunda. A pena para isso era, dependendo da época, a morte.

Mistério, em grego antigo, é mustéerion,ou, uma "cerimônia religiosa secreta", pois os iniciados eram chamados de mústees,ou, derivado do verbo múoo, "fechar-se, fechar (especialmente os olhos e a boca". O adjetivo "místico" também vem daí, mustikós,ée,ón; tudo relacionado aos mistérios.

O meu interesse por Elêusis nasceu, como já era de se esperar, na minha pesquisa sobre fungos. Há uma teoria (The Road to Eleusis; Wasson, R. Gordon; Hofmann, Albert; Ruck, Carl A.P.; 1978), refutada e defendida apaixonadamente, que o kúkeon, uma bebida mítica grega, tomada em jejum pelos iniciados, continha substâncias psicoativas muito semelhantes ao ácido lisérgico (o que só demonstraria que os gregos não eram bobos nem nada).

Independente disto, os mistérios de Elêusis "reviviam" a história do rapto de Koré (Perséfone) por Hades, e do resgate dela por Démeter, sua mãe. É um mito muito profundo, que vou me abster de contar aqui, do qual existe uma narrativa muito bonita no hino homérico a Démeter, cuja melhor tradução pro português que encontrei se encontra nesta dissertação de mestrado.

Aproveitem, quem quiser.

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Redux é uma expressão latina que significa "retomado". Creio que vem de re- e duco, "conduzo"; reconduzo. A etimologia é minha. Se não existir, acabei de criar uma palavra!

terça-feira, 8 de março de 2005

epokhê redux

epokhê é, complementando o poste anterior, nada mais e menos do que "redução fenomenológica". Assim fica bem melhor.

Estou com vergonha de mim mesmo; escrevi modus operandi como modus operanTi. Imperdoável. Vou me forçar a recitar a oratio prima das Catilinárias na aula do Guerra, como castigo.

sexta-feira, 4 de março de 2005

de volta

Sei que tem gente que sentiu saudades dos meus escritos.

Infelizmente o meu computador, lá de casa, está com o monitor tendo acessos de caráter, ligando e desligando ao bel-prazer. Ninguém merece. Não gosto de escrever nos computadores da universidade, e à mão sempre me cansa, e meus insights preciosos sobre a epistemologia se "perdem" nas brumas coloridas catexizadas do realissimum.

Ninguém merece este palavreado também.

Coisas incríveis me tem acontecido, todos os dias. Estou impressionado.

Leituras de gestalt, como sempre, e bioenergética. Estou gostando; felizmente perdendo meus preconceitos com o trabalho de Reich e além.

Detesto as matérias da quarta fase que me restam para completar. Detesto. Não me surpreendo de ter começado e me sentir mal por esta época. Não quero trabalhar com psicologia científica. Não quero.

Quero terapeutar.