O que são os maravilhosos conceitos lacanianos? O que eles têm de maravilhoso?
O problema com os conceitos é que sempre esperamos aquele conceito... aquela palavra, aquela idéia, que fará a diferença - para um discurso, para uma instituição, para uma pessoa. E, na verdade, como uma pessoa - um sujeito - é efeito de discurso, não muda muito se se trata da Igreja, do Estado ou da dona Maria.
Temos esperança com os conceitos... esperamos que um significante recubra a falta. Esperamos que um significante nos represente, que podemos chegar e dizer "depois de tanto tempo, isto aqui sou eu! isto me representa... isto é o que eu sou." E aqui eu introduzi um dos maravilhosos conceitos lacanianos, o de significante.
O maravilhoso dos conceitos lacanianos é que, a primeira instância, eles podem nos dar a esperança de cubrir algo - e eles maravilhosamente podem servir para fugir desta esperança. Não por sua "natureza intrínseca fugitiva da esperança", mas por estarem no campo do discurso psicanalítico.
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(Longa preleção sobre o conceito de significante; poderia eu me fazer mais claro? Fica a pergunta para todos. Nada de importante: passe para a próxima barra, se te apraz. Se te apraz, não me leia: faça o favor, contudo, de me avisar, com antecedência, que não me lerás.)
Significante é um conceito retirado da linguística, a linguística que nasceu no começo do século passado com Saussure. Saussure nos diz que a unidade linguística é o
signo linguístico, e o signo linguístico é composto por duas partes: o
significante (S) e o
significado (s). A palavra "árvore", por exemplo, é um signo por ter um significado - o conceito - e um significante - a "imagem acústica" árvore. Saussure rompe com tradições que nos fazem pensar a unidade linguística como a relação de um termo a uma coisa: "o signo linguístico une, não uma coisa a um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta última não é o som material, coisa puramente física, mas a marca física deste som, a representação que nos é dada por nossos sentidos; ela é sensorial, e se nos ocorre chamá-la 'material', é apenas neste sentido e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato" (
Curso de linguística geral, Saussure).
s/S
O importante de ver aqui, para os propósitos do meu texto, é que o significante e o significado, para Saussure, não estão em uma relação imutável de colamento: há uma autonomia do significante para com o significado, e esta autonomia é que permite as substituições presentes na metáfora e na metonímia.
"Uma árvore não é somente uma árvore: uma árvore pode ser uma árvore". Se tivéssemos apenas uma fixidez entre significante e significado, a frase acima não teria sentido nenhum. Ela, contudo, pode ter um sentido.
Lacan introduz, em seu ensino, material da linguística, da chamada
linguística estrutural - esta de Saussure. Na leitura de Freud, Lacan recolhe a idéia de significante e significado no "funcionamento mental".
O que difere - radicalmente - o uso dos dois conceitos em Lacan é que este nos diz da primazia do significante sobre o significado -
S/s. O que, para Saussure, são duas cadeias mais ou menos correndo juntas - a cadeia dos significantes e a dos significados - trata-se, para Lacan, da primazia do significante, e da cadeia significante. O significado, aqui, passa a ser produto do deslizamento dos significantes.
Quando falamos, na nossa fala, temos uma série de significantes dispostos temporalmente. "Um rato roeu a roupa do rei de Roma" é um exemplo, todos eles significantes. O significado total da minha enunciação não é exatamente a soma dos significados de cada termo: a significação é dada somente no final, na minha pausa. Um. Parei somente com o um. Diz alguma coisa? Uma pessoa contando, talvez. Um rato. Factual, um rato, rato. Um rato roeu. O quê? A roupa. Um rato roeu a roupa. Ponto. Cada uma destas frases tem um significado diferente, não exatamente dado pelo simples somatório dos significados - mas sim pela disposição temporal dos significantes.
Lacan nos diz que a significação - o sentido - não é uma dimensão paralela e conexa com os significantes, mas é efeito de significantes. Quando se diz "linguística estrutural", se quer dizer que a linguagem é uma estrutura. Há de se saber mais sobre o conceito, sobre o movimento do estruturalismo - de forte impacto intelectual. Vide a obra de Levy-Strauss. Mas, basicamente, uma estrutura - como a da linguagem - é determinada pelos seus elementos em relação - estrutural - uns com os outros, não dependentes de uma organização externa.
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O grande "axioma" de Lacan - que muitos dizem ser o que ele desenvolveu durante os 30 anos do seu ensino - é a afirmação poderosa de que
O INCONSCIENTE É ESTRUTURADO COMO UMA LINGUAGEM
Prestemos atenção: o inconsciente (freudiano, psicanalítico, fruto da relação analítica) é estruturado
como uma linguagem (a própria linguagem sendo uma estrutura).
Como uma: o inconsciente não é uma linguagem, mas os seus mecanismos são como os mecanismos de uma linguagem.
O inconsciente é este constante e atemporal deslizar de significantes; o significado é efeito deste deslizar, e está mais do lado do consciente, do eu.
Lembremos que o significado é o sentido: para Lacan, o sentido é efeito do deslizamento "automático" de significantes "no" inconsciente.
É isto que a experiência da psicanálise vem nos mostrar. Isto chega a ser obsceno.
Como fica a questão colocada no começo do meu post, quando aceitamos pensar - ao menos por um momento - no significante para Lacan?
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Outros maravilhos conceitos lacanianos: objeto a Outro gozo sujeito desejo