Arendt, H. escreveu uma obra muito inspiradora sobre os regimes totalitários, que eu chamo de inspiradora por puro desconhecimento: dela, só tenho o argumento principal. Mas a frase, um pouco de frase de efeito (retórico), estamos de acordo, tem uma "verdade" a ser pensada mais fundo. Verdade no sentido de "nó de senso-comum", a meditar a respeito do nosso século, o famoso século XX.
Ela diz que, quanto ao Holocausto, é preciso de uma reserva ao estudá-lo e tentar explicá-lo, pois explicar é compreender, e compreender é perdoar. Algo assim.
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Estou surpreso com a facilidade que eu tive de me desfazer da necessidade de cafeína, logo ao acordar. Nunca, jamais pensei que pudesse ter ocorrido de forma tão natural, sem o inferno imaginado de semanas torturantes de leves dores de cabeça, e ânimo indisposto.
DEvo dizer, contudo, que não teve nada de uma semana normal e rotineira, esta em que, tendo colocado meu piercing, tive de praticamente passar por uma purificação, comendo sopinhas de legumes processados com pouco sal e gordura. Parei de fumar, continuo apreciando meus vinhos, provei de uma centena de miligramas do derivado mais famoso do esporão-do-centeio, reviravoltas assombrosas e deliciosas na vida sentimental, enfim.
A minha história com o café é uma longa e gostosa história. Não, não terei de retornar aos arbustos farfalhantes da longe Etiópia, nem ao menos terei de lembrar dos lombos escravos tostados ao sol forte do pátio de café, assim como o café torrado mais forte que os mesmos lombos. Não, vim depois de muito de tudo isto.
Quando eu era criança, uma criança muito saudável, bem-nutrida, com mato, mangue, mosquitos e sol para brincar, eu tinha ataques de bronquite asmática. Minha mãe me conta que começou a me dar café, em pouquinhos, para ajudar a dilatar os brônquios; segundo ela, o café ajudou a curar este quadro. Vai ver, né, mãe é mãe e vaca é vaca, quem sabe ela tenha razão.
O café só voltou pra minha vida, porém, perto dos quinze anos. Desta vez, com força total; não apenas como mais uma bebida do irritante café ocidental (pão, leite e margarina - manteiga, para os puristas como eu), mas sim como fim em si mesmo. Como fonte de energia e de prazer ao paladar.
Faziam bons dois anos, no mínimo, que a xícara cheia de café matinal era o aspecto mais rotineiro e previsível da minha vida, onde quer que eu fosse.
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Estou desenvolvendo uma receita especial e minha. Algo entre um gateau e um suflê, com cacau em pó, muita manteiga, ovos caipiras de gema amarelo ouro, e açúcar mascavo de verdade (não açúcar branco misturado com melado). O mínimo de farinha. Alguém sabe onde eu consigo bagas de cacau para vender, baratas?
Também estou me preparando para me aventurar no perigoso, mas absorvente, pain au levain, o pão de fermento natural.
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Aliás, não é engraçado que eu me interesse tanto por coisas que escurecem os meus dentes? Falo do café, do fumo, do vinho e do cacau.
Não, não farei esta pergunta a um freudiano maníaco. Porém não deixa de ser, no mínimo, uma grata coincidência. Não me interesso pela cafeína, pela nicotina, pelo álcool e pela teobromina, como seria de se esperar; interesso-me pela coisa como um todo.
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E 75 milhões de reais e eles não aparecem. É uma falta de vergonha deles, ou excesso de inocência minha?
Que ano, que ano politicamente vívido! Todos os olhos virados para a grande cena da cidade-governo e seus corredores e salas e tribunas. Um imolado pelas águas do São Francisco. E aumento no salário mínimo. Uma bela história para as gerações futuras de leitores da Veja.