segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Começo de dezembro

Depois do nosso encontro com os aqueus, debaixo de um solzão de lascar na Tróade, com seus barcos negros com a proa enterrada na areia, voltemos para cá, Ilha dos Patos, Meiembipe para os íntimos.

Céu azul claríssimo, como aqueles azul-bebê de porcelana de vó. Não a porcelana de azulejo, aquele anil mourisco de estalar os olhos; azul bebê de vovó.

Tenho apreciado muitos nasceres de sol, na janela da sala que, agora, menos de um mês para o solstício, aponta diretamente para o nascente. Hoje, por exemplo, foi um descortinar de nuvens escarlates, esfiapadas e empoleiradas em cúmulos mais gordos e robustos, violáceos e escuros contra o sol nascente. O lado bom de se ter uma constituição propensa à insônia é, justamente, os nasceres do sol.

O ar da manhã é muito mais gostoso que a sua contraparte do final de tarde. Sabe-se lá o porquê; mas a "sabedoria milenar sinojaponesa" diz-me que, de madrugada e manhã, o mundo inspira, e de tarde e noite ele expira, e que o melhor a fazer, para um longeva e saudável vida, é respirar junto com ele. O que isto quer dizer, exatamente, eu não sei.

Mas é nessas épocas, em que me contorço na cama, ansioso por várias coisas que não dão certo, por oportunidades perdidas, por foras dolorosos, por coisas a dizer que não disse, a fazer que não fiz, que tenho inveja do sono pesado da minha irmã e de seu namorado.

É só esperar que tudo passa.

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Estou relendo Harry Potter 4, depois de ver o filme, e enjôo mais e mais ainda desse papo todo de bem & mal. Devo dizer que nesse caso, da Rowling, a história é um pouquinho mais bem-bolada, para não ser maniqueísta. De qualquer maneira, é sinistríssima esta propensão a bem-dizer e mal-dizer tudo, como se tudo, no final, fosse e tivesse um estrato moral, por mais obscuro que seja, e que tudo será "julgado" por ele, por mais pós-moderno que este julgamento pode ser.

Além do fato que H.R. inspira o exercício da retórica como arte de puxa-saquismo, e das várias falácias, principalmente o argumento de autoridade.

Há coisas legais, também. Me esqueci delas, por enquanto.

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Recomendo, recomendo, recomendo para aqueles interessados: Psicanalisar, de Serge Leclaire. Claro na medida, o mais claro que um psicanalista pode ser.

Resumo da Ilíada para o vestibular 2006

Minhas hipérboles estão assumindo feições... hiperbólicas?

Minto quando falo de oito palavras diferentes para "flecha, bólido" em menos de vinte versos da Ilíada. Foram apenas quatro, ao menos no livro alfa. Oistos, ion, bélos e kêla, para os curiosos. Acho que me confundi com tóksos e bios, arco.

A Ilíada fulgura em atos e palavras. O desenrolar é muito interessante: Homero não perde tempo em caracterizar ou introduzir ambientes, ou mesmo personagens, com detalhamento. A primeira palavra do poema, aliás, é o tema, ou a "causa" (na típica acepção grega de causa; lembrem-se do Filósofo) do desenvolvimento seguinte: mênis, a ira de Aquiles, e as suas consequências nefastas.

Já entramos, então, na ação propriamente dita, sem mais delongas. O bardo pede para a deusa cantar a ira destrutiva de Aquiles, filho de Peleu; que mandou tantos aqueus ao Hades, seus corpos de presa para cães e aves de rapina.

Isto tudo, no nono ano da guerra de Tróia, pois um sacerdote da cidade de Crisa veio às naves dos dânaos/aqueus/gregos resgatar a filha, espólio de guerra de Agamêmnon, irmão de Menelau; aquele, rei-de-homens, se ultraja e manda o velho embora. A mulher é dele.

Sôfrego, ao longo do mar polissonante, o velho sacerdote roga a Apolo, flechicerteiro, para vingá-lo, se ao deus agradou, alguma vez, o perfume das gordas coxas incensadas. Apolo, com seu arco-de-prata (argurotoksos) senta-se numa elevação perto das naves dos aqueus e manda seus arcos, com um horrísono clangor, na direção do acampamento, matando os cães e mulas primeiro, e depois seus donos. Ruína cai sobre o povo.

No décimo dia de matança Aquiles, o semi-divino, convoca o povo à assembléia, pedindo a opinião de um adivinho, a razão da cólera do deus. Calcas se levanta, pede a proteção do forte Aquiles contra a ira de um homem, o mais poderoso entre todos, e fala então do agravo de Agamêmnon. Este, com os olhos negros voltados para Calcas, fala que retornará, enfim, a moça ao pai se for presenteado com outro prêmio.

Aquiles diz que é injusto dividir o dividido, que ao final da guerra ele será premiado três, quatro vezes mais; Agamêmnon discorda, ameaça tomar a força a moça que coube de prêmio a Aquiles. Ao que tudo indica, Aquiles se afeiçoou e assim começa a contenda, o quiprocó que é o desenrolar todo da Ilíada. Aquiles se retira da guerra e só volta 20 livros depois, quando o seu companheiro Pátroclo é morto, passando-se por ele, instilando ânimo nos já exangues gregos ("Aquiles é nosso muro nesta guerra má".)

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Novembro

Como é bonito ver pessoas de bem-querer dormindo no sofá...

Dias bravos, estes. Mudanças de humor infernais e gelíferas. Insights para toda uma vida. Beijos e afins, velados para os não-amantes. O ócio que acompanha as greves na federal.

O desespero por Homero passou. Depois que eu percebi que a língua grega antiga tem tantos verbos quantos os gregos/aqueus/dânaos que a falavam (aproximadamente 800.00, pelo último censo), e depois de ver, no espaço de apenas 20 versos, 8 palavras diferentes para dizer "flecha, bólido", desesperei em outro sentido, na enormidade do léxico, e agora só estudo 2 horas por dia.

Em compensação, o próprio latim ficou ridiculamente mais fácil, depois deste mergulho jônico.

Pra variar, então, estou lendo Leclaire, "Psicanalisar", Umberto Eco, no livro que Will me deu de niver 7 meses atrás, e

tcharam

comecei a estudar Aristóteles.

(ALGUÉM MANDA ESTE MENINO FAZER ALGO MAIS ÚTIL, MARIQUINHA!)

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Os tempos começam a esquentar, e as comidas a mudar.

Se bem que, com o tempo louco de Floripa, nunca se sabe, e nunca se deve.

Mas, dias atrás, fomos surpreendidos com o calor honesto e sincero de um dia úmido, nordeste à proa, de verão mormacento.

No inverno como de tudo, além de fumar com gosto e provar de todas as variedades de álcool. O calor, porém, são outros bons quinhentos; dependendo do dia, mais de mil, para garantir. Detesto a sensação de gordura porejando na sombra, e o calorão depois de uma refeição mais pesada ao meio-dia.

As frutas mandam.

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Estou estupefato e desiludido comigo mesmo.

Faz tempo, e realmente bota tempo nisso, que eu não escrevo mais um poema. Não digo bom poema, ou mau poema, digo poemas, com s de plural e de abertura. Não sei do que se trata; simplesmente não rola. Boas idéias, ou melhor dizendo, as idéias de sempre, não me faltam:

- poemetos de amor, ou louvando as virtudes do beijo com gosto e frecura de maçã gala do meio-oeste;
- versos brancos para cantar (ou mugir) a melancolia;
- sonetos líricos, falando das minhas andanças e dos mergulhos e de "ó-eu-sei-sentir".

É isso mesmo, literatos revirantes em túmulos úmidos e caiados de pó de osso: estou farto, atualmente, de ser lírico. De me cantar somente.

O problema é que não sei alternativizar. Não sei ser nada mais do que eu, ou mesmo escrever nada mais do que eu.