quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Você sabia, mona?

Alan Turing é um cara conhecido. Mais conhecido, talvez, se o leitor tiver um interesse - mesmo que mínimo - na área da "inteligência artificial" (teste de Turing, alguém?). E pelo seu trabalho criptográfico, para a Inglaterra, na 2GM. Não vou fazer um nariz-de-palhaço explicativo para o Turing, vá dar uma olhada. Ele também está no Squashed. English required, as always.

E Alan Turing era homossexual, gay, como queirais, e foi condenado por crime pela mesma lei britânica que condenou Oscar Wilde.

Infelizmente eu não fui condenado, senão entraria para este seleto clube de homens inteligentes, e minha memória viveria para sempre.

Ou Turing escolhia pela condenação e sentença, e ia escrever um De profundis da computação, para seu computador Baby, ou se submetia a um tratamento psiquiátrico de última geração, para reduzir o tesão pelos outros homens, com aplicação de hormônios femininos; acaba sendo este último o seu destino. Dois anos depois, ele (provavelmente) se suicida, com uma maçã envenenada por cianureto. (Não nos apressemos a tirar causalidades precipitadas, por favor!)

O tratamento atesionante, se refletirmos a respeito, é de uma violência simbólica considerável. Tem gente que passou por isto voluntariamente, eu sei; a vergonha de si e a culpa operam verdadeiros milagres. Pelo menos Turing não virou um eunuco, ou foi esquartejado por quatro cavalos xucros, ou simples e rapidamente enforcado. Corremos até o risco - sedutor! - de pensar em tão compassiva medicina que dispõe de meios tão astutos para socorrer aqueles que sofrem.

Em agosto deste ano alguém começa um abaixo-assinado requerendo uma retratação e "perdão" do governo britânico com relação ao tratamento legal de Alan Turing. As pessoas deixam as suas opiniões, e no dia 10 deste mês o primeiro-ministro Brown faz uma declaração de "desculpas".

A considerar: ele merece ser "mais desculpado" por ter sido um dos "heróis" da 2GM? Quem opina parece compartilhar desta idéia. Muitos outros, evidentemente, foram mais sóbrios e disseram, com toda a razão que posso dar, que devia-se desculpar as outras tantas milhares de pessoas que passaram pela mesma lei, e por tratamentos, por muitas vezes, bem diversos, mas sempre envolvendo o sentenciamento e a ilegalidade. Turing é somente a figura pública, a encarnação, o bode-expiatório, o pharmakon ao revés, a figurinha a ser bafejada.

Gostaria de poder pensar que este tipo de coisa somente acontecia no nosso remoto passado bárbaro (uns 60 anos atrás), talvez como sintoma social do final da Guerra: "vamos consertar os nossos heróis, e inculcá-los vergonha". Aqui no Brasil as coisas são mais simples e decididas: quase todo mundo odeia quem é gay, ou tem seus grandes preconceitos. As pessoas "toleram", evidentemente, a tolerância na sua forma mais simples - a indiferença que corteja o desprezo. E, por enquanto, parece não ter novela que resolva. Que o diga Maurício de Sousa.

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