domingo, 24 de maio de 2009

As seen on TV


- MacGyver!

- Sim, senhora.

- O menino está com sede, e não temos laranjas. Temos somente um elástico, três gatinhos, um chiclete que o menino está a mascar, uma caixa de limões, um pote de fermento e alguns clipes de papel.

BUM!

Audaciosamente indo onde nenhuma ameixeira...

Começo meu dia com aproximadamente 100 miligramas de cafeína. Todos os dias. Esta é uma rotina que estabeleci desde os meus 14, 15 anos. Quando paro de tomar café tenho os sintomas de abstinência de cafeína. Tento sempre não exagerar muito, e ao mesmo tempo não parar de tomar café.

Já tive, muitos anos atrás, uma suave intoxicação por cafeína, em uma festa inesquecível. Era uma casa muito engraçada, com paredes de pedra e madeira, as últimas forradas com o verso de caixas de leite, como escamas, que brilhavam suavemente na luz colorida. Era de madrugada, a geada cobria o quintal da casa, uma vaca mugia ao longe e chega um salva-vidas moreno; ele cozinha uma canjica, para nosso maravilhamento, e todos comemos juntos. Bem servidos de café. Meu coração começou a bater muito rápido; eu suava frio. Havia tomado no mínimo umas quatro xícaras boazudas de café. Uma parte de mim olhava para tudo aquilo à distância.

Antes disso, porém, eu era uma criança. Não podia ser chamado de hiperativo, mas quando se tem um quintal imenso – na verdade, um bairro todo – para explorar e correr e bicicletar, até mesmo os mais introspectivos lascam o joelho no muro, ao seu próprio modo. Bem, a introspecção veio mais tarde.

Dei-me conta, agora, que eu era o líder do grupelho da vizinhança – que envolvia uma menina da minha mesma exata idade – nasceu no mesmo dia e ano -, os dois irmãos dela, pouco menores do que eu, a minha irmã e a sua amiga da casa do outro lado. Ocupava o lugar do capitão na nossa “nave”, a ameixeira no fundo do quintal: três galhos que se entrelaçavam e providenciavam um assento natural, no ponto acessível mais alto, onde ainda podíamos nos equilibrar. Quem decidia quem era o que, e onde, era eu: costumava mandar minha irmã para uma espécie de “sala de processamento de lixo e cozinha”, o primeiro andar – o primeiro galho horizontal -, de baixo para cima, perto da escotilha de entrada. Mais tarde ela foi promovida para a navegação, se não me engano.

Fiz, rapidinho no Paint, já que alguém aqui em casa andou desinstalando o meu Corel, um plano vertical da nossa nave.

1 - observação
2 - ponte de comando e batalha; arsenal
3 - cadeira do capitão
4 - comunicações; navegação
5 - sala dos motores; engenharia; arsenal (área pouco utilizada)
6 - armazenamento; cozinha; lavanderia
7 - saída de emergência
8 - escotilha

Estes são nomes que arranjei atualmente, embora na prática as coisas acabassem se arranjando desta forma. A área riscada são as “escadas”, que por acaso coincidem com o tronco da ameixeira.

Não consigo mais imaginar o que fazíamos, todos os dias, durante horas em cima daquela arvore.

Houve tentativas de usurpar o meu lugar, que foram resolvidas, provavelmente na base de pouca diplomacia e muita gritaria. Eu nunca fui de brigar... a não ser liderando as expedições punitivas contra B. R., o menino da “outra rua”, que eu tive o prazer de sujar com muita bosta de vaca e passar por cima do seu dedão com a bicicleta pesada da minha mãe, entre outras coisas. Passei tardes inteiras pensando em estratégias: como faze-lo passar por cima da minha armadilha de abacate?

No meio disto tudo eu tinha ataques de bronquite. É o que a minha mãe diz hoje, mas talvez fosse bronquiolite. Asma não, a não ser que tivesse ataques de asma até hoje. Dos cinco aos oito anos eu tinha estes pequenos ataques, seja por correr muito, ou quando ficava “nervoso” - tive de interrogar a minha mãe, pois não me lembrava de muita coisa. Tenho lembranças, isso sim, do meu encontro com o nebulizador. Não era nada cotidiano: esporadicamente lá vinha o nebulizador, com Berotec e Atrovent. Lembro do verde-e-amarelo da caixinha. O vapor se formava e dançavam as gotinhas dentro do tubinho plástico, antes de ir para a máscara que eu segurava disciplinadamente na boca, sentindo o leve gosto salgado.

Então tiveram a idéia: vamos dar café para o menino. Cafeína = (metil)xantina, xantina = broncodilatador. Nada a se estranhar, sendo o filho de uma farmacêutica e tendo como pai quem viveu o costume antigo, do interior do ES, de passar o “café forte” (a primeira passada de água pelo coador de pano) e o “café fraco” (a segunda passada, para as crianças). Todos os dias eu tomava café, com um pouco de leite, e um golinho de café puro.

Meu pai diz que o café me “curou” da bronquite. Fui promovido para o café forte desde criança, e até hoje estranho quando alguém exclama “não dá café pro menino!”.

sábado, 23 de maio de 2009

Musings make the people come together

Virtual heart pumps up the realism

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Anotação Realmente Aleatória: Nunca demore mais de 32 segundos para certificar-se de que você ainda está vivo.

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Na madrugada do meu nascimento a lua estava fininha, começando a crescer. Eu acho.

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A vida fica muito mais interessante e divertida quando você descobre que a) as pessoas nem sempre fazem aquilo que você imagina que elas façam, e b) as pessoas fazem aquilo que você faz e imagina que elas não façam - como dançar na sala sozinho no meio da tarde.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Cesta de promoções em supermercado ilhéu

... ou a volta do cabo USB.

Aliás, não é a primeira vez que encontro bebidas em posições diferentes dentro de um super. Semanas atrás vi, atrás das alfaces e rúculas, uma garrafa de Stolichnaya – ingrediente indispensável do Bolli Stolli de Eddy e Patsy, mind you – gelando.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Eat a Peach

Nada melhor do que chegar em casa tarde da noite, com fome, e esquentar um prato de parafusos com feijão, cenoura, alface – tudo juntinho-, um pouco de temperinho verde e lasquinhas de gengibre fresco, pra espantar o frio e enxotar o demônio que se apossou dos meus pulmões e garganta nos últimos dias.

(Bem, existem coisas melhores, mas me sinto muito pouco à vontade, neste blogue sem restrição de idade, para dedilhar meu gosto suspeito por gummi bears.)

E depois é uma ventania só. Como bom caucasiano sou um pouco sensível ao feijão preto – isso é verdade, dado estatístico comprovável. Mais um dos itens “Lucas queria ser negro ou mulato ou índio ou caboclo”.

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João e eu fomos no super hoje e, antes de pegar a cerveja, passamos pelo estande de frutas, na promoção de quarta-feira. A maçã básica de cada dia. Banana, talvez, se não estivessem tão verdes, como sempre – banana verde, pra mim, é como comer isopor. Gosto daquelas que estão ficando pretas, quase apodrecendo; o povo de casa me recrimina por isto. Será uma perversão? Não sei.

Ele me aponta um pêssego muito bonito. Olhei. Cheirei. Tive um arrepio que contraiu até o cu. Desculpem pelo vocabulário tosco – em Portugal não é tosco, mas não estamos em Portugal. Lembrança das aulas de ashtanga-yoga em que, delicadamente, a instrutora pedia para contrair “o esfíncter”(qual, o piloro?), junto com a respiração.

Fruta é uma coisa muito doida, ruminávamos depois, sentados em um canteirinho qualquer no meio de uma rua. Atraente em todos os sentidos possíveis, e serve somente para isto: atrair. A própria fruta não é de nenhuma serventia para a semente, lá dentro, que dependendo do caso dispõe de mais ou menos substancia – na forma de castanha, noz, ou similar – para se nutrir. A carne da fruta é totalmente dada para o mundo, um luxo natural, uma transformista vegetal. Serve para que a comamos e sejamos bobos o suficiente para espalhar um pouco mais a semente, seja retirando a fruta da arvore ou engolindo aqueles caroços, pequenos ou enormes, de tão afobados em engolir a polpa sumarenta.

A melancia é a epítome da segunda estratégia. Só separo as sementes de melancia, até hoje, assombrado pela profecia materna: iriam nascer “pés” de melancia pelos ouvidos e nariz, se eu as engolisse.

E como cheira, uma fruta. Como cheira. Aprendi com meu pai a escolher fruta pelo cheiro, primeiro, e depois pela textura e cor.

Imagine você, numa época não muito distante, em que os cheiros bons não eram produzidos por grandes companhias cosméticas; em que as cores fortes e vibrantes não estavam disponíveis em galões de 20 litros. Imagine você indo atrás de comida; carne ainda é artigo de trabalho de grupo e muito suor e sangue, e você não consegue mais viver só de mato, como seus antigos primos orangotangos. E eis então o fruto. Um pêssego. Perdido e solitário, como você. Que fragrância suave, e ao mesmo tempo tão chamativa como o canto das mais espertas sereias! Que cor luminosa e contrastante com o verde e marrom dos arredores, e ao mesmo tempo tão natural que assim o seja, apontando para si mesmo, dizendo “aqui estou eu!”. Que textura macia e delicada, que suave penugem, que delícia pressentir o choque dos dentes rompendo a fina película protetora e afogando-se no gole do sumo que sangra...

Enfim, a pessoa come o pêssego. Romantizo um pouco, pois senão a história pararia por aqui, e eu não quero que assim seja, pois o quilo daquele pêssego era 28 reais e 80 centavos. Um pêssego nos custou quase quatro reais.

Estivéssemos cada um de nós sozinho em sua visita ranchal, jamais compraríamos o pêssego. Afinal é um luxo, caro, passando longe dos nossos radares antenados com o cálculo premente, custo x benefício. Mas estávamos em dois e, depois do arrepio esfincterial e espinhal, nada mais havia a ser feito a não ser levar um daqueles pêssegos californianos e dividi-lo. Sentamo-nos no meio-fio de um canteiro, nossas sacolas arriadas, e comemos. The rest is silence. (we starve, look at one another short of breath...)

Independente do que se come, comer junto de um amigo é muito mais nutritivo. Se se trata de pêssegos californianos, une-se o útil ao agradável, junto com o inevitável kairós - e o irrepetível.

O cheiro deles ainda está na minha mão, depois de uma hora e meia, e de fatias de gengibre. Mais acima, no pulso, pulsam as notas cítricas e de madeira de uma amostra de um novo perfume, que surrupiei de uma amiga. Talvez um dia, por descuido, ainda temperarei meu feijão com Armani ou Fahrenheit, pois guardo os meus perfumes dentro da geladeira, abaixo dos ovos caipiras.

Já fui vegano, e os animais que me perdoem, mas perfume é fundamental.

terça-feira, 19 de maio de 2009

O alegre desespero - I

Edmond Blattchen – André Comte-Sponville, em Une éducation philosophique [Uma educação filosófica], bem no início, o senhor diz, a propósito de Deus: “Sua existência, em seguida sua inexistência, sempre foi para mim a questão principal”. Existência primeiro, inexistência em seguida? Como se deu, para o senhor, a passagem da fé ao ateísmo?

André Comte-Sponville – É evidentemente a questão principal. Toda a nossa vida muda, parece-me, ao menos na sua primeira parte – creio que é menos verdade no fim do caminho -, mas toda a nossa vida parece primeiro mudar conforme acreditemos ou não em Deus. Ou seja, conforme creiamos ou não que a verdade está do lado de nossos sonhos, que a verdade está do lado de nossas esperanças.
No fundo, o que é crer em Deus? Crer em Deus é crer que o essencial de nossos desejos, de nossos desejos mais fortes, será satisfeito, ou até mesmo já está satisfeito. O que desejamos, no fundo, acima de tudo? Não morrer, reencontrar aqueles que perdemos, ser amados... E o que nos diz a religião? Que não morreremos, ou não verdadeiramente, que vamos ressuscitar; que reencontraremos aqueles que amamos e perdemos; enfim, que somos amados para além de toda a esperança. Como gostaria que isso fosse verdade! O senhor me pergunta: “Como passou da fé ao ateísmo?” Bem, passei da fé ao ateísmo passando da esperança ao desespero.

Não é a escolha mais fácil. O senhor escreve em Le mythe d’Icare [O mito de Icaro]: “O difícil é ser só, sem deus, sem amigo, sem amor. O ateísmo é difícil”. O senhor optou pela dificuldade?

Sim, porque é difícil renunciar às esperanças. Porque é difícil afrontar o que há de desesperador na condição humana. E ainda mais quanto se renuncia àquilo que chamo de “religiões de substituição”, ou seja, essas outras esperanças que serviram durante um tempo de ersatz de religião. E, em minha biografia, como o senhor evocou, há o que se chama hoje de “messianismo marxista”, ou seja, uma esperança, valendo, é certo, para esta Terra, uma esperança imanente, como diriam os filósofos, mas que tinha, em contrapartida, todos os caracteres do absolutismo religioso.
Uma vez que renunciei à fé, à esperança religiosa propriamente dita e também às esperanças messiânicas que entrevira no marxismo ou no comunismo, encontrei-me só e nu, como diz Sócrates. Ou seja, ante a vida tal como ela é. Mas não creia que escolhi o desespero por gosto pela tristeza; é exatamente o contrario. Um psicanalista me escreveu, quando saiu meu primeiro livro, que apreciava seu conteúdo “porque”, dizia ele, “como psicanalista, como terapeuta, constato que a esperança é a principal causa de suicídio”. Por quê? Porque se comete suicídio sobretudo por decepção. Em outras palavras, é muito bonito esperar isto ou aquilo, seja para esta vida seja para uma outra; mas, é preciso constatá-lo, a vida não deixa de continuar! A vida como ela é: a vida real.
Ora, o que eu constato (mas como todo mundo, me parece) é que a vida, no fundo, é decepcionante. Porque ela não corresponde às nossas esperanças. De forma que, diante das decepções que a vida não cessa de lhes infringir, muitas pessoas julgam que, se a vida não satisfaz suas esperanças, é a vida que não tem razão! E fecham-se assim vivos na amargura e no ressentimento...

Donde a escolha, de algum modo filosófica, do que se chama materialismo. Poderíamos talvez explicar o que Lenin chamava de “a linha de Demócrito”.

Sim. A escolha do materialismo é justamente esta: em vez de dizer “Se a vida não responde às minhas esperanças, é a vida que não tem razão”, diremos “A vida faz o que ela pode!”, “A vida é pegar ou largar”. Pois não há nada mais.
O real é pegar ou largar. São minhas esperanças que, desde o início, são infundadas. Cessemos de sonhar a vida, cessemos de esperar viver... e vivamos! A linha de Demócrito, como efetivamente dizia Lenin para caracterizar o materialismo, é primeiro este movimento que consiste em escolher o mundo real, este aqui, esse mundo material (donde a palavra materialismo), que consiste em pensar que não há outra vida senão esta, corporal, material; que não há nada a esperar da morte; que não há esperança última. Mas que, neste espaço, neste mundo, nesta vida, pode-se atingir o prazer, aquilo que é a experiência de todos nós, cotidiana; pode-se atingir a alegria; pode-se atingir a felicidade.
E o que diz a tradição filosófica da qual parti, a tradição materialista com Demócrito, com Epicuro, a tradição racionalista com Espinosa, é que se pode encontrar nesta vida, bem mais do que nas esperanças religiosas, os meios para atingir uma plenitude de paz, uma plenitude de felicidade, o que Espinosa chama “a beatitude”; donde o titulo de meu livro, que o senhor evocava há pouco, Tratado do desespero e da beatitude. Não se tratava, ao meu ver, de dizer que era preciso escolher entre o desespero e a beatitude, mas, pelo contrário, que não se teria um sem o outro. É como as duas faces da mesma moeda: só teremos felicidade na proporção do desespero que formos capazes de suportar.

“O materialismo”, escreve o senhor, “mesmo não sendo sempre ateu, é inseparável da critica da religião.” É preciso dizer que, em Une education philosophique (1989), o senhor não poupa criticas com respeito à religião. Num capítulo intitulado “A moral desesperadamente”, o senhor escreve: “A religião é uma ilusão; pior, uma covardia e uma renegaçao”. É, portanto, um erro. É uma afirmação bastante forte!

Sim, é forte. Mas, aí, seria preciso detalhar um pouco mais. Por que “uma ilusão”? Parti do texto de Freud, O futuro de uma ilusão, em que ele explica que uma ilusão não é a mesma coisa que um erro, não é forçosamente um erro. Quando digo que a religião é uma ilusão, isso não quer dizer Deus não existe, mesmo que, é claro, seja o que eu creio. “Uma ilusão”, diz Freud, “é um pensamento derivado dos desejos humanos.” Ter ilusões, como se diz, é crer verdadeiro o que se deseja, crer verdadeiro o que se espera. Em outras palavras, familiarmente: tomar os seus desejos pela realidade.
Que desejamos nós? Não morrer, ser amados. E o que nos diz a religião? Que não morreremos, que somos amados para além de toda a esperança... Portanto, a religião é uma ilusão por ser um pensamento derivado não de um saber – pois é evidente que não há saber de Deus -, mas de nossos desejos! É, portanto, uma ilusão: crer em Deus é tomar os seus desejos pela realidade. Eis o primeiro ponto.
Por que, segundo ponto, uma covardia ou uma renegação? Porque, parece-me, ser religioso é considerar que a verdade já é conhecida, visto que é revelada. É, portanto, submeter a liberdade de seu espírito a um corpo de doutrinas já constituído, independentemente de todo exame.
E é verdade que neste sentido, como intelectual, como racionalista, como livre-pensador (não no sentido dogmático ou estreito que a palavra tem às vezes, mas no sentido literal), recuso submeter meu pensamento, antes de exame, a verdades pretensamente reveladas, quaisquer que sejam. Recuso tanto os dogmas quanto as promessas.

É a famosa frase de Renan!

“É possível que a verdade seja triste.” É nesta que está pensando? Sim, é possível que a verdade seja triste.
Em outras palavras, quando tento ver o que pode ser a verdade – não a conheço mais do que os outros, mas, como todos, tento ver qual é a verdade mais provável, o que me parece verdadeiro -, não devo levar em conta minhas esperanças. Nada prova que a verdade corresponde ao que espero.
Se eu devesse escolher em função das minhas esperanças, creia que preferiria que Deus existisse. Se só dependesse de mim!... Mas a esperança não é um argumento. E é isso que significa o ateísmo.

Enfim, a “renegação”?

A renegação, justamente, porque é renegar essa liberdade de espírito, é renunciar a esse poder, e a esse dever, de livre exame.
Depois, terceiro ponto, é também aceitar o horror. Aceitar o horror, pois o mundo tal como o conhecemos, a vida tal como a conhecemos, não são globalmente atrozes, mas comportam atrocidades. Há males pelos quais os homens são responsáveis, como as guerras ou a injustiça, mas há muitos horrores pelos quais eles não são responsáveis: os cataclismos, as doenças, o sofrimento das crianças...
Como, diante de uma criança que sofre, diante de uma criança que morre, diante da mãe dessa criança, como ousar celebrar a bondade e a onipotência de Deus ou as maravilhas de sua criação? Crer em Deus, crer num Deus ao mesmo tempo bom e onipotente, é tolerar o intolerável! É o que chamo de covardia: aceitar o inaceitável. É violar, parece-me, o dever de compaixão, de solidariedade, para com aqueles que estão no horror, com aqueles que enfrentam a atrocidade. Aqui, sinto-me próximo de meu mestre Marcel Conche. Ninguém, diante de uma criança que sofre e que morre, ninguém, diante da mãe desta criança, ousaria dizer: “O mundo é maravilhoso”; ninguém ousaria dizer: “Este mundo foi criado por um Deus bom e onipotente”. Pois bem, o que não se pode dizer perante uma criança que sofre, não se deve jamais dizer, jamais, porque há sempre em algum lugar crianças que sofrem de forma atroz. Não vamos transigir com o horror!

Comte-Sponville, Andre. O alegre desespero. Sao Paulo: Editora UNESP, 2002.
(esperando que o copirraite nao me impeça de compartilhar sem fins lucrativos...)

Booklet Creator

Se você, como eu, tem o costume de imprimir arquivos .pdf, gratuitamente baixados da internet, a glória dos universitários depauperados, já deve ter descoberto o esquema do livreto: um arquivo .pdf comum que é impresso no formato de livro, ficando 4 páginas por folha (duas na frente e duas no verso) e que, dobrado ao meio, forma um livro, com a ordem certinha das páginas.

Se tentar fazer isto somente com impressão frente e verso não dará certo. Tente, se duvida, e gaste toda a sua tarde cortando folhas pela metade.

A natureza, na forma de árvores, agradece; o seu bolso, que paga metade da impressão, agradece; e o pessoal que imprime (se não for você em sua casa ou na sua empresa, seu espertinho) agradece, por ter de gastar somente metade das folhas.

Acontece que mais de 56 porcento dos funcionários de gráficas não sabem fazer o esquema do livreto (booklet), o que é uma vergonha, contando o fato que eles possuem uma versão do adobe acrobat profissional que faz isso com o gasto mínimo de 4 joules e 67000 descargas sinápticas - e que eles ganham seu salário para fazer justamente isto.

Para, então, não fazer com que a sua viagem para a gráfica tenha sido em vão, a maternal nutriz internet também proporcionou, sem demais custos, o Booklet Creator. Mande seu arquivo (obrigatoriamente .pdf) para eles e pronto: tens aí o teu texto prontinho para impressão livreto. Nada de filas por nada, nada de fazer o seu amigo da gráfica passar vergonha, nada de passar como “aquele chato do livreto”.

sábado, 16 de maio de 2009

As minha amiga e os meu amigo



- Não fala assim, beim. Esse é um problema que eles têm, uma doença, porque muitas vezes a fraqueza na pessoa causa o problema de doença de homossexualismo.

- Viadagem.
- O Furico falou aquela coisa, palavrão, mas ele tá certo. Por que existe coisa mais, assim, de viado, do que a gelatina light?

Não tem.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Escrevendo o seu currículo

Todo mundo sabe o que é um currículo e muitos já se viram na situação – um tanto desconfortável para uns, intrigante para outros, e excitante para poucos – de escrevê-lo.

Engraçado é que curriculum vitae – CV – é uma das poucas palavras do mundo profissional que não foi tomada de empréstimo, traduzida ou simplesmente neologizada do inglês ou francês, mas sim tomada de um idioma longínquo no tempo - mas não na cultura, o latim. Curriculum quer dizer uma pista de corrida, um “corredródomo”, um estádio, e consequentemente um percurso, uma série de passos, semelhante às voltas de um carro de fórmula 1 na pista. Curriculum vitae é percurso de vida: o que você, fulano, fez – ou deixou de fazer.

Num exercício de etimologia manezinha, podemos também ver a semelhança entre currículo e “curricar”, que é andar pela vizinhança (ou pescar com o barco em movimento) – talvez procurando trabalho, ou somente um cafezinho e uma conversa solta.

Resumé é a palavra que muitos outros lugares, contudo, utilizam, e aponta para a característica fundamental de um CV: ser resumido. Vamos, então, resumidamente passar ao que interessa: algumas dicas para a redação do seu currículo. Existem vários çaites que fornecem modelos e dicas de como escrevê-lo, e não pretendo fornecer nenhum deles. Leiam o abaixo apenas como o olhar de um provavel selecionador sobre os currículos que chegam.

- Mantenha uma estrutura em tópicos. A maioria dos modelos segue uma estrutura deste tipo. Cabeçalho com dados pessoais, experiência profissional, formação, outras informações, devem ser colocadas em separado e de preferência formatadas como tal. Utilize com vontade novos parágrafos, indentaçoes, listas.

- Não escreva blocos de texto. Mantenha as sentenças curtas, sem muitas orações. Os selecionadores dispõem de não muito tempo, dependendo do cargo em questão, para olhar cada currículo. A leitura é extremamente seletiva e frases longas e complicadas tornam o processo de procura da informação desejada muito mais difícil – e, neste caso, pode ter certeza que seu currículo foi deixado de lado e já passamos para outro. Pense em você mesmo tendo 2 minutos para ler uma receita de bolo, ter de saber quais os ingredientes principais, como fazer, quanto tempo demora e quão difícil é.

- Do mesmo modo, faça com que a maioria das informações principais fiquem na primeira página, se for um currículo impresso. Se for interessante, o selecionador olhara nas outras páginas aquilo que a primeira página pode ter indicado. Se possível, faça com que seu currículo tenha apenas uma página. Não coloque capas, não use muito papel para pouco conteúdo, especialmente se você tem pouco a dizer.

- Personalize o seu currículo em relação à vaga, de preferência. Muitas instituições deixam explicito quais os requisitos e competências desejados para o cargo em questão, e tenha isto em mente ao redigir seu currículo. Não interessa que você tenha feito quatro cursos de capacitamento para salva-vidas se você está se candidatando para artífice de manutenção.

- Respeite o formato, o cronograma e os prazos da instituição. Não entregue atrasado o seu currículo, e não tente fazer com que ele seja aceito depois do prazo. Se a instituição pede que seja feito em tal formato e entregue de tal e tal forma, faça deste jeito. Muitas empresas fazem o processo de recrutamento eletrônico, utilizando a internet. Outras somente aceitam currículos eletrônicos – banco de dados – e algumas só aceitam os currículos feitos eletronicamente para determinada vaga. Preencha de acordo todos os campos pedidos. Nunca tente entregar o currículo pessoalmente para insinuar proximidade com alguém da instituição.

- Fique de olhos nos requisitos. A vaga pede “segundo grau completo” e você não o tem? Não insista. Quanto mais formal o processo seletivo, maior o rigor com que estes detalhes são vistos.

- Não deixe nada subentendido, não sugira nem insinue. Isto dá a impressão de incerteza, de indecisão, ou mesmo de informação falsa.

- No cabeçalho, coloque somente o suficiente para que o selecionador saiba qual o seu nome, de onde você é, a sua idade, e como ele pode entrar em contato com você. Nome do cachorro, tamanho da calça, não interessa. Se seu nome for ambíguo com relação ao sexo, faça com que seu sexo apareça em algum lugar do currículo. Não é necessário colocar um campo “masculino/feminino” no cabeçalho; “fui consultora de...”, “faxineiro”, em algum lugar é o suficiente. Nem idade nem sexo podem, por lei, ser usados para desqualificar uma pessoa maior de idade em um processo seletivo, mas é importante que o selecionador possa ter estes dados em mente.

- Seja sucinto, mas não a ponto de prejudicar o seu currículo. Detalhe aquilo que você considera importante, sempre mantendo-se o mais sucinto possível, em um estilo telegráfico. É comum que, por exemplo, a experiência profissional de auxiliar administrativo tenha envolvido o trabalho de catalogação de documentos segundo as normas da ABNT, ou atendimento telefônico passivo. Se isso for colocado somente como “auxiliar administrativo”, aquilo que pode ser uma experiência procurada pelo selecionador – o atendimento telefônico, por exemplo - pode passar batida. Não caia no outro extremo, porém, de exagerar as suas atribuições, como a mulher que coloca que foi “do lar” durante muitos anos e que tinha experiência com atendimento, já que atendia ao telefone de casa.

- Detalhe o que você fez, como fez e que resultados atingiu, com relação a sua experiência profissional. Isso se torna cada vez mais importante quanto mais tático e estratégico for o cargo.

- Da mesma forma, detalhe a duração, tanto da formação – estudos – quanto da experiência. Não é necessário datas exatas: de uma idéia. “De mês de ano tal a mês de ano tal” está ótimo. Coloque suas experiências e sua formação em ordem cronológica, não importando se decrescente ou crescente (eu pessoalmente prefiro que comece com as mais atuais).

- Não utilize o seu currículo Lattes para candidatar-se a algo que não esteja relacionado com o mundo acadêmico. Sim, a sua produção acadêmica pode ser extremamente interessante e enriquecer uma instituição, mas caso o interesse surja ele pode ser pesquisado depois. Vinte e sete páginas de um Lattes são garantia certa de impaciência na pessoa que esta lendo o seu currículo. Se achar necessário, mencione na sua formação, em poucas palavras, o numero de artigos publicados e a área de pesquisa, preferencialmente relacionando com o cargo pretendido. Não nos interessa saber que você tem dezenas de artigos sobre a coloração das enguias se você está se candidatando para um cargo administrativo.

- Se você não tem experiência profissional, detalhe algo que você já tenha feito, mesmo que não tenha recebido nada por isto, e o que você aprendeu nesta experiência. Pode haver algo valioso, nisto. É importante lembrar, contudo, que quando se pede experiência profissional, é muito difícil que alguém sem ela sequer chegue a receber uma segunda olhada.

- Quer colocar alguma informação pessoal que você ache interessante – seus interesses, seus hobbies, ocupações? Tudo bem, isto é bem legal – mas se e somente se você chamou a atenção, antes, por outros quesitos, e não somente por ou com isto. A sua personalidade e gostos não estão em jogo em um processo seletivo - pelo menos não na análise dos currículos.

- E, o mais básico de todos os conselhos, não minta – ou pelo menos não minta muito. Não tente fazer de você a imagem do que você imagina que alguém está procurando: muitas das vezes as suas expectativas quanto a isto estão muito enganadas.

Um currículo é um cartão de visitas, e como tal deve ser uma apresentação profissional, sucinta e objetiva - pois é isto que ele é, e nada mais. Quanto mais currículos aparecem para determinada vaga, mais focado se torna o olhar do selecionador, e mais voltado para o perfil do cargo e da instituição. Os demais aspectos ficam, então, para a entrevista – e é na entrevista, sim, que as decisões são tomadas, e é lá que você terá mais espaço para mostrar-se. Antes disso, porem, é preciso que o seu currículo seja selecionado de talvez um monte de outros, e você não estará na pilha de folhas de papel.

A entrevista... outros quinhentos.

domingo, 10 de maio de 2009

Theonion.com: Trekkies Bash New Star Trek Film As 'Fun, Watchable'


Trekkies Bash New Star Trek Film As 'Fun, Watchable'

“Why brazils always end up on top?” – O efeito castanha-do-pará

Quando um material granular com objetos de diferentes tamanhos – como uma mistura de amendoins e castanhas-do-pará – é sacudido, as partículas de maior tamanho – as castanhas-do-pará, neste caso – ficam na superfície, e as de menor volume ficam embaixo.

O mesmo acontece com café solúvel, leite em pó, areia da praia da BAF, bolinhas de isopor, bolinhas de gude, bolinhas de diversos material, bolinhas. Intuitivamente todos conhecemos este efeito a ponto de podermos tirar vantagem dele – ao sacudir o pacote de granola, por exemplo, para poder retirar e comer todas aquelas castanhas deliciosas.

Tal comportamento irracional tem sido estudado há décadas pelos pesquisadores do Centro de Pesquisas sobre Muesli, na Finlândia. Dr. Strrojni promete uma granola “anti brazil-nut effect” dentro de cinco anos. “A tecnologia necessária para igualar o tamanho das castanhas ao dos outros materiais granulares presentes na porção típica de granola ainda está sendo desenvolvida”, afirma.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Moises nas Olimpiadas

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Do octopuses dream of tentacled sheep?

Aproveitando o ensejo trazido pela homofonia da língua japonesa, compartilho um trechinho de Leminski, Paulo, o escritor e poeta brasileiro que primeiro conheceu - no sentido bíblico - os haiku japoneses - e percebeu a agudo e contundente sentimento em muitos deles, a ávida discrepância, a tolerante espera, a incongruência vívida. Em suas palavras: "não, o haikai de Bashô não é a fotografia adocicada de um lótus flutuando no velho tanque de um mosteiro".

***

tako tsubo ya
hakanaki yume wo
natsu no tsuki

蛸壺や
はかなき夢を
夏の月

A Bashô, este haikai pintou, quando num barco, na baía de Akáshi. Diz, mais ou menos:

a armadilha do polvo,
sonhos flutuantes,
lua de verão

O poeta, no barco, olha a água noturna e vê no fundo os cestos de bambu, onde os pescadores apanham polvos, atraídos pela luz das tochas: a boca das cestas tem pontas de bambu aguçadas, de modo que o bicho pode entrar mas não sair.

Os "sonhos flutuantes" ("hakanáki yumê") guardam relação com os reflexos das tochas na água trêmula, onde se reflete a lua amarela (ou quase vermelha) do verão.

Misteriosos parentescos entre os polvos que entram na armadilha, os sonhos que flutuam e os reflexos da lua: todas estas coisas parecem pertencer a um mundo irreal, subaquático, onírico.

No original japonês, uma estranheza de linguagem, que ainda carrega mais os milagres da cena. A partícula "wo", depois de "hakanáki yumê", sonhos flutuantes, indica, em japonês, que a expressão é o objeto direto de um verbo. Qual o verbo? O original não diz. Nem qual o sujeito. Quem faz o quê com os sonhos flutuantes? Arrisco a versão:

polvos na armadilha
sonhos pululam
a lua vermelha

"Flutuantes" não dá conta, plenamente, do japonês "hakanáki", verdadeira onomatopéia visual, imitativa do movimento de oscilação das águas. Algo como um zigue-zague. Um treme-treme. Um tremelique. Um quase-quase. A forma é simples. A intuição é barroca.

A tessitura sonora e silábica do haikai é rica de anagramas, tranças de sons que se entrelaçam. A sílaba "tsu" está em "armadilha" ("tsubo"), em verão ("natsu") e em "lua" ("tsuki"). "Hakanáki" quase rima com "nátsu".

Em "hakanáki", um japonês pode enxergar ainda, ainda, uma aparição do verbo "chorar", "náku", reforçando o clima aquático. "Hakanáki" compõe-se de dois ideogramas: "fruto" + "não" + "sem fruto".

"Hakanáki yumê", portanto é, literalmente, "sonho sem fruto".
Paulo Leminski. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus, Trotski. Porto Alegre: Sulina, 1998.

***

Haicai composto em 1688, durante a observação da pesca de polvos em Akashi, atualmente uma cidade da província de Hyogo. Potes de barro são submersos na água à noite, presos por cordas. Os polvos, tomando-os por abrigos seguros, neles se introduzem, permitindo sua captura. Por outro lado, as horas de sono do verão são curtas, tornando ainda mais efêmeros os sonhos. Será Bashô que sonha ou é o polvo, satisfeito com a tranqüilidade ilusória de seu pequeno mundo, ignorante do destino que o aguarda ao amanhecer? Na tradição poética, quem normalmente lamenta as poucas horas escuras do verão são os casais de amantes, que devem se separar na alvorada. Ao trocar esse sentimento romântico pela vida de um polvo, Bashô entra no campo do humor, característica da poesia de haikai. Entretanto, não sentimos vontade de rir. Ao contrário, somos tomados por grande compaixão pelo ser que, ao final de seu sonho, encontrará a morte. A lua que brilha sobre o polvo e seu pote é, afinal, a mesma que brilha sobre o homem e sua existência, tão fugaz quanto um sonho. O kigo é natsu no tsuki, lua de verão.

Arranhadas amadoras (e não é meu gato)

"Não se preocupem, porém: várias pessoas ocupam grande parte da sua vida em estudar este tipo de problema. Filólogos, fonólogos, historiadores das línguas, linguistas, psicolinguistas e demais enfurnam-se em tabelas e textos e apresentam algumas coisas interessantes que podem ser de valia."

Dá uma olhada aqui para algumas ranhuras amadoras no japonês.