quarta-feira, 8 de abril de 2009

Vida Incerta

De uma vez por todas eu resolvi acabar com o problema do siso - este siso superior direito que parece estar "fundido" no maxilar - caso de manual, segundo a dentista - e que não quis sair, mesmo com 3 horas e meia de paciente e excruciante tentativa, muitos meses atrás.

Procurei um bom cirurgião-dentista e me disponibilizei para envolver um pouco mais de dinheiro. Conversamos e ele promete "uma hora, no máximo", com a ajuda do gás do riso e sua provável experiência em tirar sisos renitentes (que, descubro depois, podem fazer crescer neoplasias se não retirados, em certos casos).

Mas um detalhe chama a atenção: tenho que assinar um termo de compromisso me responsabilizando por quaisquer parestesias mais permanentes que possam ocorrer depois da cirurgia, devido a proximidade de um nervo. Pergunto se isto já ocorreu, e ele diz que sim, no começo da carreira - mas que o ex-cliente é agora seu conhecido e amigo.

Bem, eu prefiro ficar sem parestesia a ter um novo amigo, mas pelo visto eu vou ter que preferir tirar o siso, independente de qualquer outra coisa - parestesia, parapraxe, catexia, bolo de chocolate.

Nada que uma segunda opinião não possa esclarecer.

Lembrei-me disto ao ler, agora, a carta que Freud escreve para Fliess logo após descobrir que Emma Eckstein - que tinha sido diagnosticada com histeria e sofreu um tratamento experimental, uma cirurgia no nariz, baseado em teorias um tanto exóticas de Fliess e Freud - estava passando mal e tendo hemorragias porque Fliess esqueceu um pedaço grande de gaze dentro do nariz dela.

Freud, como bom amigo, tenta mitigar a culpa do seu querido correspondente. Logo depois ele sonha o sonho de Irma, que ocupa boa parte do Traumdeutung, e é considerado um sonho "inaugural" da psicanálise.

Estava pensando com meus botões: nunca foi fácil ser médico. Pior que ser médico, muitas vezes, é ser paciente, e ter de aturar um médico tomado por teorias exóticas sobre a etiologia da histeria fazendo cauterizações com cocaína em seu nariz. Mas, por outra parte, algumas vezes a confiança que se dedica a um médico - ou à medicina, bem entendido - e a falta de alternativas nos colocam com o lado selvagem da questão de saúde e doença: parece estar tudo garantido, mas nem sempre está.

Freud errou algumas vezes. Um dos seus pacientes - um amigo - teve sua morte "apressada" quando Freud tentou "substituir" sua dependência da morfina pela cocaína, o que provocou sua (Freud) retração e retratação posterior, do campo de pesquisas com a cocaína, no qual estava envolvido. Há um suicídio entre suas pacientes - o que eu dificilmente colocaria como erro médico. Vários deslizes pequenos.

Vários podem ser vistos nesta página que apresenta Freud como um serial killer que matou o seu primo Johann e outras quatro outras pessoas, desfigurou e provocou lesões em outras tantas dolosamente, além de ter estuprado sua prima Pauline e provavelmente ter tido três filhos com sua cunhada, Minna (esta última hipótese é suposição minha).

É algo que de vez em quando me deixa inquieto, a mim que tenho a pretensão de trabalhar nesta área. Embora não seja e não serei médico, é conhecido que ser terapeuta (analista, uáreva) lida com questões "éticas" tão complicadas quanto. A vida parece ser manuseada mais pelas mãos de um médico do que de um terapeuta, mas isto desconsidera as fortíssimas coisas que podem acontecer em uma terapia - que não é uma viagem intelectual, por mais que os obsessivos o queiram.

É claro que sempre se pode "escolher" a distância com a qual você fará as coisas, mas qual seria a graça de estar completamente seguro na sua poltrona? Um macaco velho que sabe exatamente como são as coisas - de tanto que consegue fazer com que elas sejam como "são".

Esta dose de incerteza - que somente é balanceada pela necessidade imperativa de algo a ser feito - faz parte de muitas das atividades humanas fundamentais. Dar à luz é uma figura que fala por si.

Em janeiro do ano passado o filho do meu pai morreu "no dia em que teria nascido", por anóxia, e eu teria o maior prazer de colocar, com todos os seus títulos, o nome da médica que foi de tamanha negligência, neste caso. Infelizmente eu não o tenho mais. Ela merece esta menção, no seu currículo. Foi perdoada pelo meu pai e sua mulher - injustamente, ao meu ver.

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