sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A exploração de um lapsus calami

Procurando algo mais palpável para acusar Jacques Lacan por "amor despropositado em relação a lingotes de ouro", fui na minha útil barra googlica e, entre várias palavras de busca ("lacan love for gold", "lacan gold bars", "lacan money love") digitei o nome completo do psicanalista francês como Lacques Lacan.

Isto é conhecido como lapsus calami, uma "escorregadela da pena"; são erros que cometemos quando escrevemos. Assim como os lapsus linguae, os "atos falhos" de fala, os calami são vistos, pela psicanálise, não como acidentes fortuitos, mas sim como episódios que, dada a devida atenção, podem indicar (oute legei oute kryptei alla semainei, como era dito do oráculo de Delfos) algo do "inconsciente".

As aspas são úteis para indicar uma concepção não-reificadora do mesmo.

Como seria esta "devida atenção" a ser dada? Ora, o método da associação livre, bolas. E o que é a associação livre, então? É falar a primeira coisa que lhe vem à cabeça, desprezando qualquer censura, qualquer vergonha, qualquer pudor, qualquer orgulho, qualquer enfim. No símile vívido que Freud deu algures, é como estar em um trem, vendo pela janela a paisagem que corre, e descrevê-la para uma pessoa que está sentada ao seu lado. A paisagem que corre, em um divã, é evidentemente o nosso falatório e pensatório "interno".

E olha que Freud tinha uma certa ansiedade, para não dizer fobia, de trens.

Evidente, é preciso uma certa confiança e uma certa ironia para trabalhar com a associação livre. A ironia deve-se ao fato que os resultados deste trabalho, como uma espécie de interpretação (como são chamadas muitas das intervenções de um analista), podem muito bem ser uma espécie de círculo de retroalimentação de um discurso truncado - ou, melhor dizendo, a própria interpretação nunca acaba sendo o "discurso do inconsciente em si". Fabio Herrmann explora lindamente esta espécie de erro/sutileza metodológicos no seu "Andaimes do Real".

Como eu começaria com este "ato falho" do meu dedo no teclado, então? Bem, a primeira coisa que me veio à cabeça foi o tal do Laques, o diálogo platônico não-lido-a-não-ser-resumos-na-nete sobre a coragem e quetais. E assim vai.

Há uma descrição de um lapsus calami do Freud, em um bilhete de um presente que ele deu para uma amiga, e que foi interpretado por ninguém menos que a intrometida da Anna Freud. Abelhuda.

Quanto a história do Lacan, dizem que é verdadeira e que no final da vida ele, um self-made man, como ele chamou a si mesmo uma vez, colecionava lingotes de ouro. Mas não era perdulário, ao que parece.

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