segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Will-ill

Estou triste.
Amigo ou irmão... enfim, como continuam sendo poucas as palavras; e como continua intenso o meu anseio de empregá-las...
Muitos antes de mim já falaram de amigos. E muitos antes de mim já o foram. O mesmo para irmãos. Como posso dizer, senão isto, de alguém que se foi e que pra mim não pode ser somente ou irmão ou amigo?
Como amigo: os anos de convivência, os interesses conjuntos, as cenas compartilhadas, as tantas conversas. A leve sutileza da amizade, com os seus tempos de inércia - outros de exaustão - e seus reencontros de festa.
Como irmão, que outra palavra mais para descrever aquele palpitante mistério de um laço, de uma espécie de sangue conjunto correndo. Não simbioticamente: correndo, fluindo.
É uma tarde de um belo dia. Verão, ou primavera, ou qualquer outra estação que queirais. Aquela que sentirem melhor, batendo no seu rosto, é esta. Façam-me o favor de apenas não chegar a extremos de congelar a água: imaginem comigo, para que possais compreender. O sol oblíquo traz aquela luz dourada - aquela luz de final de tarde que esmaece e parece poder virar qualquer outra luz que lhe apeteça. Há pequenos glóbulos luminosos refletidos por um rio, este cercado por barrancos de terra rica e preta, e espigões de plantas delgadas, finos canudos. A água flui. Lentamente, letargicamente, nos cinturões onde as rãs depositam seus ovinhos. Água turva em contraste com a água corrente e rápida e lépida e fresca. Há alguma coisa se movendo nesta corrente: um barquinho, um tronquinho, uma pessoinha, não se pode ver. Duas pessoas, uma de cada margem, correm paralelas, um pouco atrás desta forma indistinta, esta sombra buraco no rio. Sou eu e meu amigo. Corremos e rimos e gorgolejamos de emoção e fúria, em disparada deste buraco negro no rio. Muitas vezes um vau no rio nos aproxima, chegamos perto de alcançar a nossa presa. Podemos sentir o calor e ver o suor na testa do outro. Outras tantas, estamos distantes. Margens são margens, distantes. Escuta-se o barulho dos galhos sendo quebrados pelos pés, ouve-se possíveis lamentações solitárias, vê-se que o outro diminuiu a marcha. Tiras verde-escuras cortam a sua imagem, me apresentam-no em fatias: quase desaparece. Corremos atrás da mancha no rio.
É assim que se flui.
Estou triste. Meu amigo Will foi-se para São Paulo, este final de semana.
Eu sei: São Paulo é ali do lado. Eu sei: que excelente oportunidade para ele. Eu sei: não vai ser a última vez que eu vou o ver.
Esta última eu mais sinto que sei. Mas eu sei.
Ele estava, faz muito tempo, contando com isto, querendo isto. Eu vi, acompanhei, dou fé, e dei apoio. É uma coisa importante para ele, muito além da importância que as pessoas dão para a palavra importância. E para mim também o é, mesmo que eu não o saiba dizer.
Pois o meu grande amigo dá o seu passo no Mundão. Todos nós damos os nossos passos no Mundão. Bilhões de pessoas deram os seus passos no Mundão - e a maioria delas está morta - história. Uns tinham filhos, outros não os tinham, como o Will. Muitos deram seus passos por necessidade, muitos por vaidade. Uns claudicantes, outros triunfantes. Uns sôfregos, outros trágicos, outros contidos, tantos ignorantes.
Choro por quê? então me perguntam. Que tristeza é esta?
Bem, eu chamo de tristeza para poder dizer a vocês. São tantas coisas em mim que eu detestaria vos fazer perder o seu tempo precioso catalogando os meus sentimentos.
Tristeza de não poder ter perto de mim este cara que dividiu muitas coisas comigo. Tristeza de ter que ouvir, escutar, e torcer, somente. Melancolia e nostalgia por visões do futuro passadas. Insegurança quanto ao futuro, por ele e por mim. Inveja - este o mais insidioso e mais pessoal de todos.
E, eu não sei explicar, um tremendo otimismo e bom-humor. Eu estou, de uma certa forma, contando contigo, Will. Acho que você sabe disto.
Eu não me dirijo muito a ele, aqui nesta minha escrita, pois eu sei que ele não me lê. Quase não me lê, e se duvidar nunca me leu, aqui no meu blog. Eu não me importo muito com isto. Mas eu vou me dirigir a você agora, Will, mesmo que você não me leia.
Admiro a tua presença. Admiro a tua alma. Ter te conhecido e conviver contigo é uma prova de vida - e ponto.
(Eu pretendia te escrever uma pequena eulogia, além destas palavras, mas não farei mais, por receio de ficar cheesy para os meus colegas amigos e algo-mais leitores. Né, meus colegas leitores? Eu queria que todos vocês saíssem chorando depois de ler o meu texto, devido a minha excepcional capacidade de colocar emoções no papel; que todos vocês desviassem os olhos marejados de lágrimas e pensassem então nos meus amigos, e deslumbrassem a ambivalência e a finitude dos laços humanos... Estou sendo egoísta: quero que todos chorem porque eu estou chorando. Sem essa, que a vaca tá esperando a ordenha.)
Então vá logo de uma vez, e trate de ser feliz. Nos vemos em breve.

2 comentários:

Anônimo disse...

Primeiro: nunca mais me assuste desse jeito! passei meus olhos correndo pelo texto pra tentar encontrar uma frase que aliviasse o meu medo que alguma coisa tivesse acontecido com o Will!!

Segundo: dói e eu sei bem... e não vou falar nada pra tentar melhorar.

Terceiro: apertou mas não chorei, acho que to perdendo essa capacidade aqui... triste isso, dá até vontade de chorar!

Anônimo disse...

Olá, Luchésio.

Eu pude sentir sua dor, pois já a senti algumas vezes e fica fácil relembrar...

O que eu posso dizer é que a amizade continua. E os encontros esporádicos têm um sabor excelente.

Abração!