sexta-feira, 7 de abril de 2006

Sócrates redux

"Não é de mal gosto lembrar-nos que dentre em breve futuro próximo estaremos a discutir certamente com fervor a novidade-então-presente que agora tomamos como certa e definida."

Ufa! Como é difícil traduzir as coisas certinhas assim do nada, grego clássico para português pós-moderno. Essa frase aí é do Sócrates, mas não adianta procurar nos anais quaisquer que quereis, pois lá não estarão, tenho certeza. Essa coisa aí ele me falou, e pra deixar tudo claro e certo a conclusão é minha, embora ele tenha resumido em uma frase, como é do costume dele agora, embora ele ainda passe por aquela balbúrdia toda de ironia, de maiêutica, essas taizinhas.

O que na realidade eu queria dizer que, em termos de idéias, elas têm uma história, e esta história, muitas vezes incompleta ou mal-contada, reifica a idéia; não é de se estranhar que muitas das vezes, quando elas mudam demais, as idéias renascem, por assim dizer. Deixam de "ser elas mesmas" e passam a "ser outras coisas".

O problema é que o Sócrates é meio surdo. Sério mesmo: achei que devia ser cera na orelha (depois que vi o estado do coitado quando nos conhecemos não duvido que ele tenha cera até no cu), mas é velhice mesmo. Velhice relativa, digamos, a mesma velhice que ele tinha quando bebeu a tal taça e foi pro Hades...

aliás, tenho que encadear as coisas pra falar de tudo certinho, senão começo a ir de uma à outra e acabo falando de nada.

Sócrates é meio surdo, feio, mas não tanto assim quanto diziam, e é esquecido das coisas; agora sou eu que tenho de retornar às definições em jogo, mesmo que acabe indo contra o meu argumento, eu que sou um cara idôneo e honesto. Ele me diz que é assim já faz dois mil quatrocentos anos (eu que tive de lembrá-lo de quanto tempo ele tinha morrido). Para o meu grande horror inicial, infinita surpresa medial e astronômico divertimento atual ele lê muito devagar e lê mal, por causa dos olhos (quantos sóis na baía de Falera! quantos!), e por que foi alfabetizado nos padrões atenienses da sua época. E no Hades não tem nada pra escrever, embora ele tenha me dito que os Iluministas tinham planos de terminar a Enciclopédia antes de se mudarem para outro paraíso, mais conveniente às suas necessidades post mortem.

O interessante, apesar de tudo isso, é que na conversa ele é incomparável. Descobri, depois de um pouco de tempo, que ele aprendeu a falar de outras formas, em outros idiomas, muitos dialetos europeus obscuros, certo. Isso, em primeiro lugar, explica o conjunto incongruente de sons que ele chama de "meu grego", os quais eu nunca fui capaz de entender. Depois de me contar das conversas infindas com a gentarada grega que mal morria zupt! se mandava pra lá, deu pra compreender a razão: imagine você ter conversado durante centenas de anos com gregos de todas as formas e cores, da Jônia, Macedônia, falando o koiné de todo o Mediterrâneo, o helenístico, imagina só! além de todos os outros esquisitos barbudos de outras partes do mundo.

Nem sempre barbudos, segundo ele me conta. Alguns tinham rastas, e outros eram carecas.

1 comentários:

Robson disse...

Luchésio.
Respondi ao seu comentário.

Seus textos sobre Sócrates me fazem voar pelo infinito. O primeiro e o terceiro parágrafo são geniais (contando como primeiro a "fala" de Sósó).

Seu sistema de comentário só permite que usuários do blogspot postem. Seria bom mudar a opção. Se e não tivesse uma velha conta, não poderia postar.

Abraço.