terça-feira, 17 de maio de 2005

Guia de Latim do Leitor Desavisado

Para o leitor desavisado, que pretender ler a deliciosa poesia de Catulo, ao pé do ouvido da pessoa que bem querer e desejar, aqui vai o Guia de Latim do Leitor Desavisado.

A pronúncia restaurada é como os estudiosos da atualidade pensam que era pronunciado o latim erudito, na época dos césares (e na velha república, também, época de Catulo). A importância dela? Bem, sei lá; mais para fazer grande figura, uns aos outros, nas leituras de Cícero, talvez.
Brincadeira: é importante no estudo de fonologia e de filologia. Muitos sons não existiam no latim daquela época, como o tal de j ("jáctabit audácia", no dizer do meu Ludus Secundus). É iactabit audacia; audaKia, para ser mais exato. Sem acentos, que o latim tem vogais duplas, e não acentos em si.

- c tem o som do nosso k, sempre. Jamais o som de s. Cicero é um exemplo clássico: por mais estranho que possa parecer, é pronunciado Kikero.
- g (ge, gi) é sempre pronunciado como gue de Guevara/ gui de "guia", e não como "je", de gerânio/ "ji" de gilete.
- o som de v não existia; acréscimo posterior. Todo v que ainda possa encontrar é, na realidade, um u. Os textos mais modernos já fazem esta substituição, com exceção das maiúsculas, que são sempre V (pronunciadas como u). Viuit, "vive"; uiui. Valerius (VALERIVS); Ualerius.
- qu é como se tivesse trema, jamais com o som de k. Quemquem fica parecendo um pato grasnando.
- r sempre soa como o italiano "amore"; nunca como "rua".
- s, sempre como "sapo", "cera", "cima", "some", "surucucu".

Como dito anteriormente, o latim se baseia, como o grego, na duração das vogais na métrica poética, diferentemente de nossa poesia que se baseia nas tônicas.
No verso de Catulo,

uīuāmūs mĕă Lēsbĭa. ātque ămēmŭs.

o ā é longo e o ă é curto, e a métrica é feita em cima disto.
Existem algumas regras para aprender onde vão umas e outras, mas são chatas, e não quero dar uma aula.

Lendo um pouco de erótica

Estou me divertindo fantasticamente com a nova comunidade que criamos no orkut, a Sociedade dos Putos de Espírito. Não me sobra muita... criatividade para escrever aqui.

Nem quero escrever, mesmo.

Li, depois de amargar mais de um mês de namoro platônico (eu não podia gastar... 19 reais!), o Delta de Vênus, da Anaïs Nin. E tenho de concordar com a tese de que a história toda de um colecionador que a pagava para escrever, que ela teve de se render à descrição do "sexo puro, sem filosofia", a pedidos, apesar de todos os puxões de poesia, de que eram os primeiros passos de uma mulher em um território dominado pelos homens, e coisas afins, seja mais mentira que verdade. Não me parece.

Hão alguns, verdade, que chegam perto do burlesco e do kitsch (e, mesmo assim, dão tesão). Porém, ao terminar de lê-los todos, num rompante de mais de quatro horas na madrugada de ontem, não posso crer que aquilo é Anaïs escrevendo erótica quase como pornografia pura, principalmente depois de "Elena", o mais longo dos contos. "Elena" é fantástico; fiquei fascinado, como um inseto enredado numa teia, vendo a aranha dançar.

Procurei por Burroughs aqui na biblioteca, mas o volume deve ter sido surrupiado, como um entre sete. Fiquei curioso para lê-lo.

Encontrei o Neuromancer, do Gibson, que estava mais curioso ainda. Finalizei com Bachelard, A água e os sonhos, por recomendação de um amigo meu.

segunda-feira, 16 de maio de 2005

Catulo

Gaius Valerius Catullus.

Das tantas incertezas que rodeiam Catulo, uma delas se refere ao seu nascimento. Acreditam que tenha nascido na Gália Cisalpina - provavelmente Verona - em 84 a.C. Maiores especulações rodeiam a sua morte: talvez 54 a.C.; não há referências suas a eventos depois de 55.

Filho de uma família abastada (seu pai era amigo de Júlio César), teve acesso à educação que um jovem em seu lugar teria. Com isto, também, o que era esperado: vida política, ao que imagino que tenha sido constantemente empurrado. Muda-se cedo para Roma, que faz de sua casa para o resto da curta vida.

O que lá fez, não se sabe. Sabe-se, sim, que entrou no high society romano, onde conheceu quem seria a sua Lésbia, a sua musa de poemas líricos, satíricos, obscenos. De tanta dor e prazer.

Alguns poemas vão, de uma forma especial, para um tal de Juvêncio.

Numa época em que os melhores poetas eram aqueles que escreviam, épica e didaticamente, para Roma - senatus populesque -, Catulo era tido como um dos poetae novi, os neotéricos; escrevia para si e seus amigos, usava da linguagem coloquial, ao mesmo tempo que abusava do helenismo aprendido na escola. Versos urbanos e sofisticados de um jovem inteligente - e um tanto abusado, também.

Aceitou, durante um ano, um cargo no governo da Bitínia, entre 57 e 56 a.C. Não prosseguiu adiante.

O que nos é conhecido como a sua obra vem de um único manuscrito que sobreviveu à Idade Média, achado no começo (e perdido no final) do século XIV. Duas cópias deste manuscrito foram feitas, e uma delas se encontra preservada até hoje.

domingo, 15 de maio de 2005

Basho

Matsuo Basho, 1644-1694.

Samurai, depois da morte de seu suserano vira ronin, samurai sem suserano, com 23 anos de idade. O que ele pode fazer? Vai para Edo, atual Tóquio, trabalhar no funcionalismo.

Superintendente de águas, o que provavelmente era um cargo de responsabilidades, num Japão agrário. Não fica muito tempo. Vira professor de poesia, poesia esta que aprendeu, juntamente com o treino zen, num mosteiro; disciplina espiritual digna de um samurai.

Teve aproximadamente 3.000 discípulos; no Japão, poetas têm discípulos. Versado nas artes (do) da espada (kendo), do arco (kyudo) e conhecedor e apreciador do chado, inaugura o caminho da poesia (haikudo?), através dos seus belos haikais, continuados através dos seus discípulos/aprendizes.

Escreveu vários diários de viagem. Estes diários, nikki, são um tipo de literatura muito apreciados no Japão. O mais famoso deles, Oku no hosomichi, é a viagem de 156 dias que empreendeu, com um discípulo, nos caminhos do norte. Tinha ele 46 anos.

Ponto alto da viagem: santuário de Ise, xintoísta, dedicado a Amaterasu Omikami, a Deusa do Sol. Dois templos que são reconstruídos a cada 20 anos desde 960 d.C.

Basho é bananeira, a planta que considerava mais bonita. Uma delas permanece do lado do seu túmulo, às margens do lago Biwa.

sábado, 7 de maio de 2005

Sonhos

Tem sido dias, estes últimos, de devaneios oníricos profundos. Como é chamado aquele momento entre o sono e o acordar, em que muitas pessoas experimentam delírios tão reais? Estado hipnagógico? Pois, tenho redescoberto o tal estado hipnagógico, o que tem me levado a reconsiderar algumas questões sobre teorias psicanalíticas, o que não vem ao caso agora.

Três dias atrás tive um sonho... como dizer... desconcertante. Não digo medonho, nem assustador, mas foi um sonho com um toque de amargo na língua; algumas coisas boas sabem a ressaibos amargos. Sonhei que estava em minha cama, deitado supino, entrecoberto por um edredom, desnudo na parte de cima. Brincava com um bebê, um bebê nos meus braços, um menino, ao que me parece. Uma fofura de bebê. Balanço ele de um lado pro outro e, numa dessas, percebo algo de errado com a mãozinha direita dele. Viro-o e olho, assustado, que ele era maneta; não tinha a mão. Tinha uma cicatriz em forma de estrela, uma estrelinha vermelha e tão fofa quanto o bebê. E então acordo.

*****

O meu colchão velho, finalmente, foi embora. Entrou um novo. Depois de um ano de negociações absurdas com MãeMãe, tenho um colchão novo; um colchão de densidade 28, um colchão de gente, um colchão em que posso dormir e acordar sem a sensação de ter sido esmagado por 27 tartarugas galápagos.
Subi com ele rumo ao meu leito, desembrulhei-o com uma devoção e um refinamento espontâneo de gestos, vesti-o com o meu lençol verde-bebê e deitei.
Cada músculo de meu corpo começou a relaxar.
Paraíso na Terra.

O meu velho colchão agora pousa, inerte e na vertical, na parede do porão do prédio. Penso nele, agora. Colchões são objetos fantásticos, em termos de simbologia; pensem nos seus colchões, leitores, e na vida inteira que passam em cima deles, sem o saber.
Desconto, claro, a vida que passo em cima dele, sabendo. Devo dizer, contudo, que por vários n motivos, principalmente familiares, o meu colchão velho não presenciou muitos embates amorosos de deixar marcas, ou cenas de fofura fofuríssima. Posso contar nos dedos das mãos; sempre preferi o colchão (chão, tapete, etc) alheio. Neste colchão novo, espero, as coisas serão diferentes.

*****

Fiz as pazes com minha irmã; tive de. Ela chegou em casa com um embrulho de jornais fechadíssimo, e falou que era a nossa janta. Era para ser um dos presentes de Dias das Mães, mas MãeMãe nos privou de sua presença; foi ao espaguete da vizinha. Paciência. Os camarões que fritamos no ái-ói, de Laguna, tinham acabado de chegar; fresquíssimos. No primeiro naco, a diferença marcante; o mar em minha boca. Comer camarões congelados é chupar bala com papel.

*****

Coisas incríveis têm acontecido ao meu redor.

Eu ainda não vou explicar nada disso, mas digo que rio e choro com o diafragma, de qualquer maneira.

Aforismo recém-descoberto, de tão óbvio.

quinta-feira, 5 de maio de 2005

Levante

A maior sacanagem com a vida intelectual, acadêmica ou não, brasileira, é o calor. Pode ser, pode ser que esteja fazendo uma daquelas absurdas reduções antropológicas que todo bom antropólogo faz;

mas estudar com 35 graus à sombra, ninguém merece! Agora que começa a esfriar paulatinamente, em supetões, percebo o quanto é bom e importante não suar, não ficar com calor e todo melado, fedido, rezando pra Deus e mais meio panteão uma hora pra ir pra casa e tomar um puta banho frio... agora percebo que posso ficar um dia todo arrumado e condizente com o convívio social que a vida de facul me pede. Também posso comer mais de meio quilo no almoço e ir pra aula numa boa: o máximo será uma sonolência gostosa que aproveitarei, metido no meu casacão batido.

*****

Sentei-me, ontem, com o meu poema que comemorará dois meses de incompletude; comecei a escrever, um poema crucial, que terminei, reli, e achei uma merda. Sentei-me com ele ontem, na madrugada, depois de duas horas de um sono muito repousante. Peguei os dois dicionários, de sinônimos & analógico, fiquei trocando algumas idéias e palavras, reconstruí as duas primeiras estrofes. Passei para a segunda parte do poema: suei em cima de duas estrofes que faziam um jogo muito interessante entre o mar e a lua, mas que pareciam ter nada a ver com a idéia do poema; fui ao final, versifiquei algumas coisas, troquei as falas do velho (nome provisório do poema: senex; "um velho, um velho vive em mim"), recitei-as para mim mesmo, estranhei este velho, voltei pro mar e pra lua, estava prestes a apagar as duas estrofes quando uma palavra, somente uma palavra, se insinuou na minha cabeça:

Levante.

Glória e hosana, amém! Era exatamente esta figura que eu precisava; o Levante, o Siroco, o Vento Sul. Ventos, ventos, ventos, eu preciso de ventos naquele poema! Que coisa louca estas inspirações repentinas, e mais louco ainda quando elas servem como uma luva naquilo que quero e preciso...

Agora estou aqui na net, pesquisando sobre climatologia e afins.

segunda-feira, 2 de maio de 2005

Fuga

Fui pra Mogadíscio; volto jamais.

Enquanto que acadêmicos (23 argumentos a favor, 8 contra) tiveram seu pedido de cursar, de maneira diferente, uma disciplina que envolve o uso e o desuso póstumo de 20 cobaias por semestre, na clássica repetição de experimentos clássicos na questão de condicionamento, extinção e recondicionamento, pelo colegiado; enquanto que colegas continuam a abrir perspectivas de futuro próximo - uns viajarão para Sampa, Bósnia, Argentina & Estados Unidos; enquanto que minha mãe continua a ler Julia e Sabrina e seu único comentário com relação a quase tudo envolve crianças; enquanto a outra mulher da casa, minha irmã, se emociona com a sua recente ligação edipiana com um gato (o "meu" gato, o "meu" bebê; perspectivas de alucinações psicanalíticas? infelizmente não, e a neurociência tem as respostas); enquanto a ligação virtual Brasil-Israel se fortalece, com perspectivas de comemoração antecipada do centenário de nascimento de Albert Hoffmann; eu

- me embebedo e esqueço de muitas coisas. Me vesti de melindrosa nesta sexta, o que acabou sendo conhecido como "Hilda Furacão". Se alguém tiver fotos, agradeço.
- perco meu celular com todos os números de contatos promíscuos. Tenho de fazer BO pelos documentos, e ficar uma semana (na perspectiva otimista) sem poder sequer tirar a minha moto da garagem. Fortunas em ônibus, que poderiam ser melhor gastas com amendoim.
- não tenho mais conseguido acordar de manhã, o que aumenta o meu desespero, e os pensamentos subsequentes: devo reconsiderar a partida da UFSC rumo a um curso noturno, porém particular? meu colchão velhíssimo me faz tão mal assim? Aceito sugestões, mas não ofertas de ajuda.

O mecenato realmente acabou na Renascença?
Eu vou ter de procurar, novamente, um psiquiatra?