segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005

epokhê

Os gregos sempre têm nome pra tudo. Sempre. Eles são um saco. E se não tiveram 2500 anos atrás, tem sempre alguém que faz o favorzinho de traduzir termos atuais pro grego clássico (perdi o linque; é uma coisa assim preciosa).

Mas esta palavrinha aqui foi um achado. Descobri-a lendo sobre a fenomenologia, coisa básica de dicionário online de filosofia; uma atitude dos antigos céticos que Husserl retomou e os outros fenomenologistas não gostam muito dela. Eu a encontrei e bang! bang! voilà autour de moi.

epokhê, com o significado de "cessação, retenção, o ponto em que uma estrela pára depois de atingir o zênite, (filos.) suspensão do julgamento".
Mas talvez esta outra definição, a do texto de fenomeblábláblá, seja mais atraente;

Praticamos fenomenologia, propôs Husserl, "colocando em parênteses" (bracketing) a questão da existência do mundo natural ao nosso redor. Desta maneira, nós colocamos nossa atenção, em reflexão, na estrutura de nossa própria experiência consciente. O primeiro resultado é a observação de que cada ato de consciência é consciência de algo, isto é, intencional, ou dirigida à algo. Consideremos a minha experiência visual quando eu vejo uma árvore no meio da praça. Na reflexão fenomenológica não precisamos nos preocupar se a árvore existe; minha experiência é de uma árvore, exista esta árvore ou não. Precisamos, contudo, nos preocupar com o como o objeto é significado [...].

Oquei, oquei, o que isto tem de mais, Lucas?

Não sei se vocês conhecem... tem um livro famoso, Desenhando com o lado direito do cérebro, sabem? Pois bem, não é este. A mesma autora, contudo, escreveu Desenhando com o artista interior, e eu me refiro a este, embora eu creia que as idéias de que vou falar estejam no outro.

Ela propõe exercícios de copiar desenhos de cabeça pra baixo, para "desligar" o lado esquerdo e deixar o lado direito assumir a tarefa. Blábláblá. De qualquer maneira, o raciocínio é o seguinte: se te mostro um rosto, e te peço para desenhá-lo, o que você fará, com muita probabilidade, é desenhar um desenho "funcional" de um rosto; isto é, orelhas boca olhos nariz simplificados para dizer que é um rosto, e alguns detalhes simplificados que tornam aquele desenho oficialmente um desenho de um rosto parecido. Quer dizer, você desenhará a idéia do rosto que está vendo, e não a imagem do rosto que tem diante dos olhos, com todo o seu jogo de luz e sombras e espaços negativos.
O que ela propõe é apresentar um objeto qualquer de cabeça para baixo; no caso do livro, desenhos de artistas famosos, e pede para copiá-los, "sem pressa". E não é que funciona? Eu fiquei muito impressionado quando eu descobri isto. É um modus operanti diferente, porém não desconhecido; a pressa de "caracterizar", nomear, rotular e iconizar com a rapidez do "lado esquerdo" fica de lado, e aparece então um "desconhecimento" do que está ali. O que se tem pra desenhar não se trata então de idéias, mas sim de relações de tamanho, quantidade de luz, curvas; a experiência em si.

Depois de um dia inteiro desenhando de cabeça pra baixo, fui passear na BeiraMangue e comecei a tentar ver as coisas "de cabeça pra baixo".
E pronto. Extraordinário; parecia que estava a ver tudo "pela primeira vez". Não eram "árvores" que eu via, embora soubesse, obviamente, que eram árvores; mas o que eu via eram cores profusas e abundantes, espaços vazios, tudo com um frescor e uma intensidade muito maior do que a do dia-a-dia.
Foi neste dia que eu descobri que olho com os olhos da pressa e da razão, na maior parte do tempo, e não com olhos de criança. Os primeiros não são nada dispensáveis, já falo; sem eles simplesmente não rola todo o lado intelectual. O problema, para mim, é quando já não é mais "preciso" construir e utilizar idéias, e mesmo assim toda a minha experiência se baseia nelas.

Não sei se vocês perceberam, mas idéias são potencialmente ansiogênicas. Esta idéia de que as idéias são potencialmente ansiogênicas também é potencialmente ansiogênica. Pensem bem a respeito disto.

Quando encontrei a epokhê, portanto, encontrei algo familiar, nutritivo e interessante, e sei que gente há muito tempo se debruça sobre o mesmo "problema".

*****

Bem, lá vamos nós.

Hoje foi o meu último dia de trabalho aqui com o meu pai, no restaurante. Isto quer dizer, mais precisamente, que de net todo dia, só quem sabe quando começar as aulas.

Mas o labgrad da UFSC é o lugar menos inspirador para se escrever... oras...

Uma semaninha de férias, portanto, para este blogue aqui.

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